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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

E agora, como vou descalçar esta bota?


Sobre a hecatombe sofrida pelo PSD - há muito tempo esperada -  nas eleições autárquicas do dia 29 de Setembro de 2013, temos de concluir pela falta de habilidade política de Passos Coelho.
E, tudo isto, a par de honestidade a mais no trato com as "raposas manhosas" do PS que a pouco e pouco foi afastando o Partido, quando este devia ter sido chamado às decisões e discussões com a "troika" - por culpa do PM e do seu inicial Ministro das Finanças - um facto que levou o PSD a calçar botas apertadas demais, sem cuidar que calçava o povo com pares de botas iguais, ou seja, com apertos económicos inusitados.
Tudo começou, porém, com Miguel Relvas que devia ter sido posto a "descansar" fora do governo da Nação logo aos primeiros sinais da falta de "curriculum" académico e da sua falta de jeito.
- E agora, como vou descalçar esta bota? - perguntará Passos Coelho.
- Difícil, não é? - É sim, senhor.
Mas há que "bater com a cabeça na parede" e perguntar por que razão ganharam os independentes em círculos onde foram rejeitados pelo "aparelho" partidário.
E, depois, tirar conclusões e não voltar a cometer o mesmo erro.
"Que se lixem as eleições" e que se salve Portugal... mas o problema é que as eleições estão perdidas - não há volta a dar - e o povo não sabe, pela dúvidas que se amontoam se a coligação PSD/CDS vai salvar Portugal, até, porque, o CDS - ontem mesmo - deu provas de que ao alinhar-se com um "independente" às eleições da Câmara do Porto isto deu resultado, quando na mesma eleição, o PSD a correr por fora com o seu candidato perdeu estrondosamente com a opção tomada.
É sabido que para o todo nacional as eleições de ontem não contam aritmeticamente... mas ao olhar o que se passou, isto equivale a dizer que esta coligação ao não se ter entendido nas eleições locais - onde cada Partido devia ter marcado o seu campo e bater-se por ele - não vai salvar o País... porque não tem o "grude" aglutinador de uma vontade forte.
 
 

sábado, 28 de setembro de 2013

"A campo fraco, lavrador forte!"

 
 
Gravura publicada na Revista "Branco e Negro" nº 27 - 1896
 
 
Reza a sabedoria dos simples que "a campo fraco, lavrador forte!"
Portugal é, hoje, um campo fraco e não tem lavradores fortes, porque os que aparecem e elegemos, afinal, não sabem amanhar a terra, ainda que com o esmero da linguagem tivessem convencido, os que se deixaram convencer, que eram capazes de fazer florir no campo as flores da ventura.
Afinal, tal como eles, o campo estava e continua exaurido e não dá as flores prometidas!
Amanhã é dia de eleições para as autarquias, as quais por estarem mais perto dos campos bem necessitavam de bons lavradores, mas estes - com as raras excepções que aconteceram - não falaram dos campos que a cada um iria caber, o que foi uma tristeza ver estes maus lavradores falarem do todo como se eleições tivessem, unicamente, esse cariz  e esquecerem a eleição a que concorreram, desmentindo assim a sabedoria do provérbio, que sendo popular, é sábio por isso mesmo, enquanto eles por serem fracos, fazem fraco um campo que foi forte... e eles enfraqueceram.
Há que arrepiar caminho, porque, ou eles e os que vierem a seguir adubam melhor o terreno ou qualquer dia a terra do campo é um monte de escórias.
 


26º Domingo do Tempo Comum - Ano "C" - 29 de Setembro de 2013


Naquele tempo, disse Jesus aos fariseus: «Havia um homem rico, que se vestia de púrpura e linho fino e se banqueteava esplendidamente todos os dias. Um pobre, chamado Lázaro, jazia junto do seu portão, coberto de chagas. Bem desejava saciar-se do que caía da mesa do rico, mas até os cães vinham lamber-lhe as chagas. Ora sucedeu que o pobre morreu e foi colocado pelos Anjos ao lado de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado. Na mansão dos mortos, estando em tormentos, levantou os olhos e viu Abraão com Lázaro a seu lado. Então ergueu a voz e disse: Pai Abraão, tem compaixão de mim. Envia Lázaro, para que molhe em água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nestas chamas’. Abraão respondeu-lhe: ‘Filho, lembra-te que recebeste os teus bens em vida e Lázaro apenas os males. Por isso, agora ele encontra-se aqui consolado, enquanto tu és atormentado. Além disso, há entre nós e vós um grande abismo, de modo que se alguém quisesse passar daqui para junto de vós, ou daí para junto de nós, não poderia fazê-lo’. O rico insistiu: ‘Então peço-te, ó pai, que mandes Lázaro à minha casa paterna – pois tenho cinco irmãos – para que os previna, a fim de que não venham também para este lugar de tormento. Disse-lhe Abraão: ‘Eles têm Moisés e os Profetas: que os oiçam’. Mas ele insistiu: ‘Não, pai Abraão. Se algum dos mortos for ter com eles, arrepender-se-ão’. Abraão respondeu-lhe: ‘Se não dão ouvidos a Moisés nem aos Profetas, também não se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dos mortos. (Lc 16, 19-31)
Senhor:
Como havia de saber,
que à minha porta
estava um pobre morto de fome,
se entrei em casa, fechei portas e janelas,
corri todos os cortinados...
e, até disse, aos serviçais
que ninguém me incomodasse
à hora do meu lauto jantar?

Erro meu, Senhor,
porque estava só, enfarpelado,
mas sem cuidar que à minha porta
estava alguém a pedir companhia
e um pedaço do pão a mais que havia
em cima da minha mesa.

Permite, pois, que redimido
de todas as minhas gulodices
eu tenha o "pão nosso de cada dia"
e me concedas um pedaço
para o dar aos outros,
a fim de sentir a honra da partilha
com todos os "Lázaros" que conheço.

Senhor, que és pródigo
de generosidade e de bondade,
dá-me um coração mais puro...
parecido com o Teu.
E, assim, ajuda-me a abrir portas e janelas
e, sobretudo,
que os espessos "cortinados" dos meus olhos,
vejam com clareza
como tem de ser, a começar por mim,
a implantação do Reino, fundado no Amor
e na Partilha de todos os bens!

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O gnosticismo e o "Evangelho de Judas"



Num tempo ainda recente,notícia falaciosa deu conta da suposta existência de mais um Evangelho: o de Judas, apregoado aos quatro ventos, como aconteceu entre nós, o que não foi novidade.
Trata-se de um escrito gnóstico que ninguém pode garantir com fiável, mas que serviu para fazer o alarido que costumam ter estas notícias em certos meios aferrados contra a Igreja, situando-se o documento a par doutros, supostos como inspirados, como são no Antigo Testamento, a  Ascensão de Isaias, a Assunção de Moisés, a Vida de Adão e Eva, o Testamento dos doze Patriarcas, etc. e no Novo Testamento, o evangelho dos Hebreus, o evangelho dos Ebionitas; o evangelho dos Egipcios; o evangelho de S. Tomé e o evangelho de Filipe, todos eles escritos no século II, e bem assim, como o agora apregoado evangelho de Judas, atestado pelo primeiro bispo de Lyon, Santo Irineu, que, no meio do século II, o denunciou num texto contra as heresias.  
O manuscrito, em copta foi descoberto na década de 70, no Egipto. Desde então passou por várias mãos até chegar à Fundação Maecenas for Ancient Art (Mecenas para Arte Antiga), de Basiléia, Suiça.
É um documento apócrifo do século II.
Desaparecido até agora, a única cópia conhecida foi publicada em 6 de abril de 2006 pela revista “National Geographic.”
O evangelho de Judas teria sido escrito por membros da seita gnóstica cainita, um movimento religioso cristão que misturava misticismo e filosofia e influenciou grupos heréticos. Na visão dos cainitas, Judas Iscariotes teria seguido um desígnio divino e não podia fugir de seu destino. A traição faria parte do plano de Deus, era necessária, e sem ela não haveria salvação para os homens.
Segundo a afirmação dos gnósticos, Judas teria sido m confidente privilegiado de Jesus.
Confrontamo-nos assim com um documento sem autor conhecido, mas provavelmente por algum dos iniciados no movimento da Gnose, cuja raiz etimológica se radica na palavra grega gnosis que significa conhecimento.
Este movimento do ponto de vista histórico e religioso prosperou no decorrer dos séculos II e III, tendo por base o Neoplatonismo reivindicando para si a posse de conhecimentos secretos, que segundo a opinião deles, os tornava superiores ao comum dos cristãos, radicando as suas teorias nas filosofias pagãs da Babilónia, Egipto, Siria e Grécia.
Pode-se definir o gnosticismo como designação para um grande número de seitas panteístas e eruditas que floresceram desde tempos anteriores a Cristo até o século V d.C., pretendendo reduzir o Cristianismo a uma religião de ciência esotérica.
O gnosticismo mancomunava alguns elementos da astrologia e mistérios das religiões gregas, como os mistérios de Elêusis com as doutrinas do Cristianismo, designando  na actualidade, um conjunto de tradições que acreditam no aspecto espiritual do Universo e na possibilidade de salvação, por meio do Pleroma, entendendo-se a Gnose como uma corrente de pensamento esotérica, normalmente identificada com o misticismo oriental.
Os gnósticos aceitam e defendem acerrimamente  a existência de uma entidade imortal, que não é deste mundo, que pode ser chamada por divina essência e que existe em todos os homens e é a sua única parte imortal. Os gnósticos consideram que o estado do homem o submete ao sofrimento, sendo necessário que ele se liberte desse estado, na certeza de que  isso só pode acontecer pelo conhecimento.
Constituíram uma corrente muito forte na Igreja primitiva levando alguns cristãos da época como Marcião a ensinar uma cosmovisão dualista, o qual, de teólogo cristão se arvorou em  doutrinador gnóstico, ajudando a defender a tese da existência de dois deuses proposta por aquele movimento de um Criador imperfeito, que eles associam ao Jeová do Antigo Testamento e outro, bom, associado ao Novo, devendo-se ao primeiro o mundo criado imperfeitamente, donde advinha o sofrimento humano, e ao segundo - o deus bom  - que teve pena dos homens e lhes deu parte de uma divindade que lhes dá a capacidade de se superarem.
Segundo o gnosticismo, Cristo surgiu através das trevas para transmitir o conhecimento  - gnosis -  e libertar os espíritos cativos no mundo terreno para os conduzir até ao mundo espiritual mais elevado. Ainda, segundo eles, Cristo não veio em carne e nunca assumiu um corpo físico, nem foi sujeito a fraqueza e emoções humanas embora parecesse ser um homem.
A maior polémica contra os gnósticos apareceu no período patrístico, com os escritos apologéticos de Irineu (130-200), Tertuliano (160-225) e Hipólito (170-236).
No evangelho apócrifo de Judas, este aparece reabilitado.
Ao arrepender-se recebe o perdão de Jesus, que o manda para o deserto fazer exercícios espirituais. Nos evangelhos canónicos de Mateus, Marcos, Lucas e João, tal como foram definidos no concílio de Niceia (Turquia), reunido em 325 por iniciativa do primeiro imperador romano cristão, Constantino, a Igreja nascente afirma que Judas se suicidou.
Esta é a grande razão da polémica: segundo Vittorio Messori,  autor de vários livros sobre a Igreja Católica esta revisão da figura de Judas é compreensível, na medida em que contribuiria (segundo o autor do “seu” evangelho) para resolver o problema de como conciliar a justiça de Jesus, confrontado o que aconteceu com apóstolo traidor e a misericórdia usada para com o apóstolo Pedro, que O negou.
Fica, deste modo, a descoberto a intenção da notícia do suposto “evangelho”, que mais não é, hoje, como foi no tempo antigo, uma peça virada contra a Igreja com propósitos bem conhecidos, a que só os incautos ou mal intencionados dão crédito. É assim que temos de entender todo o alarido de um sino que soou a falso, num tom rachado, mas onde muitos ouviram tons “harmoniosos”.
A mentira, ontem, como hoje, sempre há-de ter os seus seguidores.

Urge salvar Portugal



Lembra-se, a propósito, um texto antigo de Manuel Borges Carneiro:

Tragamos à memória as antigas Republicas da Grécia. A salvação pública era a suprema Lei, as virtudes sociais sua base. Ali não se estimavam os homens pela riqueza e pelo fausto do seu tratamento, mas por suas acções patrióticas. (,,,)

Manuel Borges Carneiro - in, Livro "Portugal Regenerado em 1820"
 
 
O pequeno texto que se reproduz é muito antigo. Foi escrito por um amante das liberdades cívicas, e que guardadas as devidas distâncias, ainda hoje, são as mesmas que nós, homens livres de uma velha Pátria defendemos.
No seu tempo Borges Carneiro viu o absolutismo de D. Miguel tomar de novo as rédeas do País que em 1820 se havia reavivado nas chamas ardentes de uma nova era que trazia nos alvores das madrugadas de então, ventos diferentes apontando caminhos de esperança a um povo que havia abatido a águia napoleónica e se preparava para fundar em Portugal um novo regime com base nas ideias liberais, onde o povo, deixaria de ser – e de vez, segundo pensavam os arautos desse Liberalismo nascente – espezinhado pelo poder do Rei e dos seus sequazes.
Borges Carneiro faleceu em 4 de Julho de 1833 na prisão do absolutismo, mas deixou uma obra notável de amor à liberdade, sobressaindo o seu exemplo de organizador nas cortes extraordinárias e constituintes de 4 de Novembro de 1822.
Portugal regenera-se em 1820.
Nos treze anos que viveu, assistiu ao juramento pelas Cortes, das “Bases da Constituição” de 1822, antes de D. João VI regressar do Brasil, tendo por base o documento de Cádis de 1812.
 Dá-se conta dos imbróglios da política de então, incipiente e retaliadora, que sem perdoar aos não alinhados, como aconteceu com José Acúrsio da Neves, encetou uma prática de vindita que acabaria por desaguar nos acontecimentos sediciosos  da Vilafrancada, em 27 de Maio de 1823 e da Abrilada, em  30 de Abril de 1824 e que acabariam  por impor o desterro de D. Miguel para Viena de Áustria, de onde regressaria para se tornar Rei absoluto (1828) envolvendo-se na guerra civil até 1834 delapidadora do  País e a que Borges Carneiro, em parte, ainda assiste, na prisão.
A salvação pública que era a suprema Lei, há muito deixara de existir, porque a prática corrente era a prisão dos vintistas (revoltosos de 1820), chegando-se ao extremo - como foi voz corrente -  de se ter envenenado o rei D. João VI (1826).
Resultou de tudo isto, mercê dos jogos de interesses dos políticos de então uma séria preocupação com as finanças públicas, facto que haveria de levar os Ministros da Fazenda, Mouzinho as Silveira em 1831 e 1832 e José da Silva Carvalho, no ano da sua morte a contraírem empréstimos para suprirem a penúria do País, junto do banqueiro francês Ardouin, 2 milhões de libras em 1831, 600.000 libras em 1833 e em 1833, novamente, mais 2 milhões de libras, mas desta vez ao banqueiro Mendizabal, só não tendo assistido à venda de bens nacionais (1834) porque a morte o poupou àquele vexame nacional.
 
 
A  História, repete-se. É um lugar comum... mas é verdade.
Guardadas as diferenças em todos os campos da cultura e da sociedade, há algo que continua a incomodar, hoje, o País que somos: a falta da resolução do problema crónico do endividamento nacional - no tempo de Borges Carneiro, quando Portugal encetava a libertação do poder totalitário da monarquia e agora, passados cerca de 40 anos, após nos termos subtraído ao poder ditatorial do Estado Novo – parecendo, que a conquista da liberdade não tem sido capaz de consolidar as finanças públicas, ontem, como hoje.
Neste momento este facto deveria merecer pelo que nos diz a História, de uma aturada atenção por parte dos agentes políticos mais responsáveis – especialmente do PS e PSD e CDS – sobre a temática do pacto de regime sugerido pelo Sr. Presidente da República e que é necessário fazer para salvar o País, algo que a não ser feito, é um mau serviço prestado a Portugal pelos  Partidos mais responsáveis.
É que, se não for assim, as futuras eleições legislativas - quando vierem a ocorrer - de nada servem ao bem colectivo do nosso povo se continuarmos com uma política de assobiar para o ar  à espera que a crise passe, ao mesmo tempo que a Nação irá continuar a afundar-se.
É preciso e urgente salvar Portugal, ainda que se metam na gaveta as cartilhas partidárias, que não têm no tempo que passa a carga ideológica de antigamente e fazer vir ao de cima o pensamento virtuoso de Manuel Borges Carneiro, quando disse que, a salvação pública era a suprema Lei, acrescentando logo de seguida que as virtudes sociais seriam a sua base.
Tem de ser assim.
Esta é que é a Lei que pode salvar Portugal.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Faça-se luz!

 


A desmiolada oposição que temos a que não falta o apoio de outros tantos comentadores políticos arregimentados com ela, entendem que todos os esforços do governo têm de servir para aliviar o cumprimento das metas acordadas com quem nos emprestou dinheiro, o que equivale a dizer que a boa notícia não é cumprir o acordado, mas ao invés, é o seu não cumprimento, o que não deixa de ser anómalo, quando a "calotice" se quer impor como norma.
É o que se depreende, quando o honrar um compromisso com os credores é a boa notícia para a oposição, incluindo a do Partido Socialista (PS)  - que se arrisca  a ser governo numa próxima legislatura, o que de todo se não compreende esta tomada de posição.
Por isso - faça-se luz - especialmente, para os responsáveis do PS, que tem deixar de pensar menos na "caça ao voto" e serem mais adultos, porque o alívio do défice - como eles pedem - o que implica é o aumento da dívida pública, porque quanto mais o Estado gastar, fugindo ao cumprimento, ao atirar para a frente a sua responsabilidade, o que se faz é deixar para o futuro o que deve ser feito, hoje, pela geração que endividou o País e não deixar para as gerações seguintes o descalabro a que nos conduziram e onde há culpa de todos os que, desde o 25 de Abril têm conduzido o Estado.
Por isso, cuidado.
A boa notícia de hoje - como se pretende - será sempre, para amanhã uma dor de cabeça, que temos o dever de evitar em nome da defesa dos que nos vão suceder no tempo.
Por isso - faça-se luz - nos mentores políticos do PS e dos outros partidos da oposição, porque em conjunto estão a cavar, internacionalmente, o descrédito de Portugal.

O sonho seguinte



O que é bonito neste mundo, e anima, é ver que na vindima de cada sonho fica a cepa a sonhar outra aventura.
(Miguel Torga)


Torga foi um génio de criação artística no domínio do estro que costuma marcar como “marca d’água” o verbo que reflecte a fina sensibilidade do seu criador, como aconteceu com muitas das palavras de recorte telúrico com as quais este transmontano de gema, não raro, brindou os seus leitores ao longo de uma produção literária valiosíssima.

Muitas das suas palavras brotaram a partir do miradouro de São Leonardo da Galafura onde costumava admirar o Douro que corria aos seus pés – não rendido, mas dominador -  enchendo a sua alma que se comprazia nos socalcos dos montes, quando ao olhar as cepas dos vinhedos alinhados numa geometria artística a emoldurar a terra úbere, eram um regalo para os olhos deslumbrados do grande Poeta e profundos motivos de meditação.

Não sabemos se a frase que vai em epígrafe nasceu ali, mas que foi ali buscar alimento espiritual, parece não haver dúvidas.

Ao dizer-nos que nos deve animar o facto de sabermos que na vindima de cada sonho fica a cepa a sonhar outra aventura, o Poeta transmite-nos não o dom daquela esperança que o homem costuma pedir de empréstimo ao seu desejo natural de felicidade, mas a adesão voluntária, firme e absoluta do espírito à certeza que ele sentia ao olhar as cepas das videiras que enchiam o seu olhar, porque depois da vindima e da quedas das folhas, nas raízes que as prendiam à terra ou às fráguas continuavam vivas na sua morte aparente, as vindimas do ano seguinte.

A vida do homem prende-se a este conceito.

Na certeza que é preciso alimentar como um sonho que tem de sobreviver à morte de um outro sonho qualquer, devendo estar isto latente na vida de todos os que,  prosseguem ao longo da sua caminhada terrena o aviso sensato de Henry Céard, (1)
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(1)     - Henry Céard (França,1851-1924) foi um ilustre romancista, poeta e autor dramático.

O acto e a consequência



Estamos ligados aos nossos actos como um fósforo à sua chama. Eles consomem-nos, é verdade, mas são eles que nos dão o nosso esplendor. E, se a nossa alma valeu alguma coisa, é porque ardeu com mais ardor do que outras.

 (André Gide)

 

Todos os actos do homem são produzidos pela sua dualidade biológica e cultural pelo facto de conterem dentro de si os sentimentos fraternos e de compita que se desenvolvem de um modo que é possível a uma só criatura assumir em tempos diversos – ou em simultâneo -  a amizade ou a hostilidade para com o outro, assumindo, assim, a cultura positiva ou negativa do meio onde eles são exercidos.

Razão fundamental que levou o pensador a dizer que se estamos ligados aos nossos actos como um fósforo à sua chama, torna-se um dever de ordem cívica no âmbito biocultural da sociabilidade  humana, que todos eles, ainda que nos consumam é que nos dão o nosso esplendor, ou seja, o caminho capaz de nos conduzir à aceitação dos outros, ganhando assim todo o sentido o facto da nossa alma, pela sua valia, ter ardido com mais ardor do que outras, como uma consequência directa dos actos praticados.

André Gide ao colocar a alma como sujeito da sua tese não o fez por mero acaso ou por querer emprestar àquela forma literária um valor acrescentado, mas, porque a alma significa vida  e ao representar a própria criatura é por ela se anima e é, só por ela, que é capaz de se valorizar através dos seus actos.

O acto, é assim, uma execução cognitiva repartida em acções falhadas ou consequentes, onde se entrecruzam bioculturalmente os destinos do homem.

Fazê-lo e assumi-lo tendo em cada um deles a alma inteira na imaterialidade da sua substância, é, um dever social que cumpre a cada homem na tarefa que lhe cabe de alindar um pouco mais o mundo por onde passa.

No tempo actual, não raro topamos aqui e ali com actos de homens públicos – ou não - cujas consequências nem sempre primam pela compostura e brilhantismo, razão de que se queixa a sociedade doente que temos, onde a própria lei pelos alçapões que contém deixa campo aberto às diatribes dos menos respeitadores.

Até no campo da palavra que devia conter em si um acto consequente, o que acontece – não rato – é a constatação de muito embora se distinguirem as que se dizem das que se escrevem, se as primeiras podem voar como pardais ao vento que passa, as segundas deviam assumir sempre a coragem de quem as escreveu, o que nem sempre acontece, porquanto, muitas vezes, como temos assistido, ouvimos como resposta terem sido mal interpretadas, quando elas falavam direito e eram claras como a água da nascente.

Mas há, temos de o afirmar, homens que no cumprimento de valores mais altos, vivem assumidamente a palavra dita, dando-lhe igual ou mais valor que a palavra escrita.

São os que vivem o acto e a consequência, tendo como mira dentro do seu ínfimo metro quadrado a intenção garbosa de mudar o mundo, ao comprometerem-se com as palavras que dizem, porque conhecem o seu valor e ao invés, conhecem o desvalor e as trapaças dos mentirosos.

Eis, porque, ainda que os nossos actos – se tenderem ao bem colectivo – ainda que nos consumam, no dizer de André Gide, tem de ser por eles que devemos atingir o esplendor, na certeza que a alma que assim procede se vale alguma coisa, é porque ardeu com mais ardor do que outras.

O sino do nosso descontentamento




A desgraça é o vínculo mais estreito entre os corações
La Fontaine


La Fontaine, como sabemos, foi um extraordinário fabulista, mas o pensamento que vai em epígrafe e lhe é atribuído, ao contrário das muitas fábulas que nos deixou não esconde a verdade sob uma qualquer ficção, porquanto ela evidencia com todo o rigor da análise histórico-social o facto de ser nas horas amargas que deve ganhar mais sentido o entendimento das partes, sejam elas pessoas ou comunidades.

O que actualmente se passa em Portugal é – não tenhamos medo das palavras – um sobressalto que já atinge o colectivo da velha Nação que somos e que devia implicar entre as forças que formam o triunvirato político (PSD; PS e CDS-PP) um esforço redobrado para esbaterem as diferenças que os separam e fazer delas o vínculo mais estreito entre os corações tendo presente que é necessária uma aproximação de boas vontades para salvar o coração arrítmico do País, que sofre por causa das inquietações do povo onde já são visíveis estados de pobreza e até, de alguma de pobreza envergonhada, que é mais dura de sofrer.

Deixem governo e oposição de armar em sabichões e de se querer impôr a receita de um à do outro, porque ninguém tem ao dispor o mesinha que salve a doença de que sofremos num “abrir e fechar de olhos” tendo em cima de nós a “bota ferrada” do capital internacional que nos emprestou o dinheiro que as nossas aventuras de supostos novos-ricos nos obrigaram a pedir, á beira da bancarrota.

A memória colectiva do povo não pode deixar que O PS que pediu o empréstimo e o assinou em nome de Portugal se esqueça disto e quem o subscreveu – PSD e CDS-PP – exijam responsabilidades tripartidas quanto à solvência que é preciso fazer.

Extremaram-se posições, é verdade, mas tem de ser a partir dos desentendimentos que elas causaram que temos de construir os vínculos possíveis – que não tenham apenas têm como horizonte o umbigo de cada um dos partidos – mas de boas vontades para resgatar o País do pesado fardo que não há o direito de fazer passar para as gerações futuras, como já aconteceu.

A hora é de “toque a rebate”, mas não há defuntos a chorar.

Há um País que toca, finalmente, na torre sineira do nosso descontentamento os badalos de uma “troika” sem coração, porque, habitualmente, quem empresta dinheiro põe de lado os sentimentos e o que pretende é ter de volta o dinheiro emprestado.

Importa, por isso, levar a sério o conceito do homem público que foi La Fontaine e tomar como traço de concórdia o que ele disse quanto ao facto da desgraça, neste caso, o endividamento em que estamos envolvidos poder vir a ser o vínculo mais estreito entre os corações dos homens públicos e de todos os que fazem parte – como eu - dos homens comuns, a quem cabe nesta hora difícil o discernimento de ajudar os dirigentes da res publica a tarefa patriótica da devolução ao povo da honra que temos em ser portugueses, a Nação mais antiga do Continente europeu.

Não tenhamos ilusões.

Ou cumprimos ou nos sucede o que está a acontecer na velha Grécia, Pátria de grandes filósofos e dos alvores da democracia mas que o capital – que é cego – não respeita, como não nos respeitará, se  nesta hora enegrecida por culpas que nos pertencem, não criarmos no meio das nossas diferenças o elo comum da serenidade que é preciso encontrar. Que isto nos acalente, porque é sempre de qualquer noite – por muito negra que seja – que surge a madrugada.

Não entender isto e acirrar os ânimos e é um crime social que as gerações futuras não nos desculparão, se continuarmos com a arruaça das palavras e das atitudes

A Verdade


 

De vez em quando os homens tropeçam na verdade, mas a maioria deles levanta-se rapidamente e continua o seu caminho como se nada tivesse acontecido.

 (Winston Churchill)

 

O que é a verdade?

Eis uma pergunta que tem acompanhado os homens de todos os tempos sem que para ela – pesem embora todos os estudos e ciências – se haja encontrado uma resposta comum e que pelo facto da evidência real da sua natureza, o homem se tenha deixado ficar de tal modo preso à verdade indefectível que existe em qualquer dos campos da realização humana, que tenha passado a segui-la para sempre, quando o que acontece, como avisadamente nos diz o grande homem que foi o antigo Primeiro Ministro britânico é que, a maioria,  esquece-a e rapidamente e continua o seu caminho como se nada tivesse acontecido.

É a tragédia que temos presente por cima da nossa fragilidade desde os primórdios da sabedoria humana, tal como nos diz – para citar um exemplo –  Samuel, o derradeiro juiz de Israel: David dissera: em vão, pois, guardei tudo o que esse homem possuía no deserto, sem que lhe fosse tirada coisa alguma! E ele paga-me o bem com o mal. (1Sa 25, 21) apresentando assim o queixume sobre Nabal, que esqueceu a verdade que havia no sentimento da amizade e passou adiante pagando mal por bem.

Diz a cultura da velha Grécia – no tempo actual tão maltratada pela hodierna economia selvagem que esquece os créditos de tão velha Nação – que na sua sabedoria a verdade se chama aletheia, significando: nada escondido ou dissimulado, porquanto o verdadeiro é o que se manifesta aos olhos do corpo e do espírito, sendo a verdade a manifestação daquilo que é ou existe tal como é, opondo-se o verdadeiro ao falso, ao encoberto, ao escondido ou dissimulado, àquilo que parece ser e não é como parece.

O verdadeiro é o evidente ou o plenamente visível para a razão.

Na cultura latina, onde se enraíza a língua portuguesa a verdade diz-se veritas, referindo-se à precisão, ao rigor e à exactidão onde é dito com detalhes, pormenores e fidelidade aquilo que aconteceu. Verdadeiro, refere-se, portanto, à linguagem enquanto narrativa de factos acontecidos, dizendo fielmente as coisas tal como aconteceram.

 Temos assim, que o relato de Samuel apresenta a verdade de um acto acontecido sem as distorções que, quantas vezes fazemos das coisas que acontecem, que não só se apresentam como falhas à realidade, como se deixam ficar na sombra do disfarce.

Se voltarmos ao brilhante axioma de Winston Churchill, constamos que ele usa o verbo “tropeçar” para nos dizer, que  – de vez em quando – o homem tropeça na verdade, ou seja, por não fazer dela uma conduta, cai ao que parece com algum espanto, porque logo que dá conta do “tropeção” levanta-se, sacode a vergonha de ter caído na verdade – como se fosse uma armadilha – olha em redor e com medo de ter sido visto segue o caminho como se nada tivesse acontecido.

Na leitura bíblica de que falamos, Nabal fez o mesmo.

Esquecido da verdade que devia assumir perante o rei David passou adiante deixando para a esposa Abigail o pedido de desculpa que era preciso fazer em face do mau procedimento do marido que havia mandado a verdade para o lixo da esterqueira moral dos seus sentimentos.

Nabal caiu um dia, por acaso, em cima da verdade.

Não raro é o que fazemos, pois desde o mais fundo da História temos passado séculos à sua procura… e, no entanto, há dois milénios, já nos foi dito o que é a Verdade.

A água é mais forte que a rocha



Sê tu mesmo, e o mundo será mais rico e mais belo. Mas se não fores capaz disso, se fores mentiroso e covarde, o mundo será pobre, e então necessitará de uma melhoria. (Hermann Hesse)

 

Faço um desafio para que nos debrucemos sobre o perfil do homem que foi Hermann Hesse, prémio Nobel da Literatura em 1946, porque há-de ser sempre o pensamento dos mestres que nos pode ajudar a construir um mundo melhor.

Sê tu mesmo, quer dizer que devamos ser íntegros no cumprimento dos bens naturais que recebemos à partida nesta aventura de viver a que fomos chamados, na certeza que esses bens são pródigos de rendimentos profícuos quanto á condução da vida, se não formos mentirosos e covardes.

Sê tu mesmo, quer ainda dizer que nem sempre estamos obrigados e viver dentro das normas comportamentais de benevolência para com uma parte do mundo nem sempre correcta – sobretudo, quando esta se posiciona influente mercê do seu domínio sobre o dinheiro, em obediência a uma “bíblia” espúria – tomando, desse modo, uma atitude mentirosa quanto aos meios que usa e covarde perante a força que desencadeia contra os mais fracos.

Sem me fazer acusador de ninguém – porque a tal me obriga a contenção da ortodoxia moral  - penso que nos cumpre no tempo que passa, de tanto génio exaltado e tanta violência de palavras, chamar a atenção para outro conceito de Hermann Hesse, quando nos diz que a água é mais forte que a rocha e ser, por isso,  importante para o colectivo da Nação chamar à colação o sentido espiritual que deve unir a frágil água que somos contra a rocha que eles dizem que são.

Portugal não é um País violento mas está desperto – e muito bem – para as injustiças de um mundo em que é a regra passou a ser o domínio do dinheiro que em grande parte justifica que: Certamente há situações, cuja injustiça brada aos céus. Quando populações inteiras, desprovidas do necessário, vivem numa dependência que lhes corta toda a iniciativa e responsabilidade, e também toda a possibilidade de formação cultural e de acesso à carreira social e política, é grande a tentação de repelir pela violência tais injúrias à dignidade humana. (1)

Eis, porque, em determinadas situações – como a actual – no pensamento da própria Igreja romana, pode ser grande a tentação de repelir pela violência o que está acontecendo, mas não esquecendo que devemos uns aos outros, mesmo àqueles que no cumprimento das suas funções oficiais nos impõem directivas resultantes de sermos insolventes e estarmos dependentes, compreensão para o momento que passa.

E que o pensamento de Hermann Hesse nos ajude: Sê tu mesmo, e o mundo será mais rico e mais belo, ou seja, sejamos nós mesmos, reagindo, mas não insultando ou violentando, porque a insurreição dos espíritos não conduz à paz, pois nunca se pode combater um mal real à custa de uma desgraça maior (2)
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(1)  - Populorum Progressio, nº 30

2)  - Populorum Progressio, nº 31

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Calem-se, por favor!

 

Gravura parcial publicada pelo Jornal "O Moscardo" de 3 de Junho de 1913 

 
1913 - ano em que esta gravura é publicada - é a época áurea de Afonso Costa e dos seus pares, assinalando o primeiro governo deste palavroso parlamentar que bania do voto os analfabetos, como se estes, pelo facto de o serem não merecessem ter opinião, afirmando alto e bom som: (...) indivíduos que não sabem os confins da sua paróquia, que não têm ideias nítidas e exactas de coisa nenhuma, nem de nenhuma pessoa, não devem ir à urna, para não se dizer que foi com carneiros que confirmámos a república.
O povo, prefigurado na Justiça, alto e bom som, reclamava:
- Calem-se, por favor!
Já o não podia ouvir. A ele e aos que com eles militavam pela mesma cartilha antidemocrática, a que haviam chamado: República.


2013 é ano de eleições para os órgãos do poder local, a ocorrer no próximo dia 29 de Setembro. Ao contrário de então, todos votam, mesmo os que não sabem os confins da sua paróquia... e ainda bem, mas com o senão de muitos votarem, por julgarem que Portugal é uma imensa paróquia em homens que não pertencem aos horizontes daquela que é, para todos os efeitos, a sua paróquia de nascimento.

O que por aí vai é de bradar aos céus.

Discursos canhestros que confundem a paróquia para onde concorrem, como se as eleições fossem para a imensa paróquia - ou seja, o território -  que se chama Portugal há cerca de novecentos anos.
É uma lástima ouvi-los nesta tremenda confusão, propositadamente assumida e declarada aos incautos, como se as eleições fossem legislativas, levando o povo ingénuo ao engano, o que, convenhamos, nos leva a estar de acordo com Afonso Costa que não tinha nenhuma consideração pelos analfabetos quanto ao voto que depositavam na urna.
Se na época, estes existiam com toda a propriedade relativamente à literacia ausente devido a governos anteriores do tempo da monarquia absoluta e dos tempos constitucionais, hoje, embora mais letrados e, até, doutorados - não deixam de existir "analfabetos" políticos, quando o não deviam ser.
Razão, porque, do alto da minha pequenez de votante, eu tenho de dizer aos demagogos populistas que a todo o transe querem ganhar os votos do povo:
- Calem-se, por favor!
Estamos a ficar fartos das vossas cabriolices.
Das vossa mentiras.
 

terça-feira, 24 de setembro de 2013

25º Domingo do Tempo Comum - Ano "C" - 22 de Setembro de 2013


Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Um homem rico tinha um administrador, que foi denunciado por andar a desperdiçar os seus bens. Mandou chamá-lo e disse-lhe: ‘Que é isto que ouço dizer de ti? Presta contas da tua administração, porque já não podes continuar a administrar’. O administrador disse consigo: ‘Que hei-de fazer, agora que o meu senhor me vai tirar a administração? Para cavar não tenho força, de mendigar tenho vergonha. Já sei o que hei-de fazer, para que, ao ser despedido da administração, alguém me receba em sua casa’. Mandou chamar um por um os devedores do seu senhor e disse ao primeiro: ‘Quanto deves ao meu senhor?’. Ele res-pondeu: ‘Cem talhas de azeite’. O administrador disse-lhe: ‘Toma a tua conta: senta-te depressa e escreve cinquenta’. A seguir disse a outro: ‘E tu quanto deves?’. Ele respondeu: ‘Cem medidas de trigo’. Disse-lhe o administrador: ‘Toma a tua conta e escreve oitenta’. E o senhor elogiou o administrador desonesto, por ter procedido com esperteza. De facto, os filhos deste mundo são mais espertos do que os filhos da luz, no trato com os seus semelhantes. Ora Eu digo-vos: Arranjai amigos com o vil dinheiro, para que, quando este vier a faltar, eles vos recebam nas moradas eternas. Quem é fiel nas coisas pequenas também é fiel nas grandes; e quem é injusto nas coisas pequenas também é injusto nas grandes. Se não fostes fiéis no que se refere ao vil dinheiro, quem vos confiará o verdadeiro bem? E se não fostes fiéis no bem alheio, quem vos entregará o que é vosso? Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque, ou não gosta de um deles e estima o outro, ou se dedica a um e despreza o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro. (Lc 16, 1-13)
Se for lido, superficialmente,
o diálogo entre o homem rico
e o seu administrador,
os que não têm fé, podem concluir
por um convite à desonestidade
sancionado por Jesus.

Mas, não é assim.

O que Jesus ensina
é que, os filhos deste mundo
são mais espertos do que os filhos da Luz,
exortando os discípulos a esforçarem-se
 na prática do bem, mesmo com o vil dinheiro,
contrapondo-se à "esperteza"
dos que, desonestamente,
buscam, apenas, os interesses mundanos.

É, por isso, que o elogio
que Jesus põe na boca do patrão
não é para realçar a desonestidade
do administrador infiel
- algo que Jesus nunca faria! -
mas a esperteza e a habilidade
que os discípulos têm de ter
na Administração das coisas de Deus,
no pressuposto de não se poder
servir dois senhores, o que implica
o dever de ser fiel
nas coisas pequenas e coisas grandes.
E é, nessa assunção de fidelidade
que o bom serviço prestado ao outro
um dia, será recompensado
nas moradas eternas.
 

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

As ideias politicas de Fernando Pessoa



 
 
As sociedades são conduzidas por agitadores de sentimentos, não por agitadores de ideias. Nenhum filósofo fez caminho senão porque serviu, em todo ou em parte, uma religião, uma política ou outro qualquer modo social do sentimento.
        Fernando Pessoa, in “Notas Autobiográficas e de Autognose”

     
O pensamento que aparece em epígrafe é elucidativo da forma como viveu o ilustre autor da “Mensagem” guiado pela consciência que se fez dona dos seus sentimentos mais altos e pela política, quando esta assumiu, nele, saudavelmente, o cunho agitador das ideias com enfoque social.
Fernando Pessoa, é sabido, nunca foi um político na verdadeira acepção da palavra, embora aqui e ali, tenha tido intervenção política, no sentido em que esta faz parte dos sentimentos de um homem, que como ele, viveu um tempo de grande agitação social, tendo assistido à morte violenta de dois Chefes do Estado: o rei D. Carlos, e o Presidente Sidónio Pais, quando ele perfazia, respectivamente, 20 e 30 anos de idade.
Era o tempo da escrita da sua grande obra: “O Livro do Desassossego”, que o leva a declarar, no Prefácio:
 
Nasci em um tempo em que a maioria dos jovens haviam perdido a crença em Deus, pela mesma razão que os seus maiores a haviam tido – sem saber porquê. E então, porque o espírito humano tende naturalmente para criticar porque sente, e não porque pensa, a maioria desses jovens escolheu a Humanidade para sucedâneo de Deus. Pertenço, porém, àquela espécie de homens que estão sempre na margem daquilo a que pertencem, nem vêem só a multidão de que são, senão também os grandes espaços que há ao lado. Por isso nem abandonei Deus tão amplamente como eles, (...)
 
Há, neste passo, um facto importante.
Pessoa ao não ter abandonado completamente Deus, põe-se na margem, mas na peugada do homem – animal político -  pronto para criticar porque sente, deixando para ele mesmo algum espaço para a acção política, embora sem intervenção estrutural directa, mas consciente que toda a crítica de ordem social, insere, de algum modo um pensamento político e, que, tendo-o assumido num tempo em que teria considerado o sistema  monárquico como o mais próprio para uma nação organicamente imperial na evolução natural das ideias, acabou por considerar a Monarquia completamente inviável em Portugal, donde se tivesse havido um plebiscito para escolha de regimes, votaria, resignado, pela República.
Conservador do estilo inglês, isto é, liberal dentro do conservantismo e absolutamente anti-reaccionário, foi um nacionalista obediente ao lema "Tudo pela Humanidade; nada contra a Nação".
Foi  anticomunista e anti-socialista.
E nisto tomou uma posição clara, sem rodeios.
Mas, porque era multifacetado nas suas posições de índole socio-política, o estabelecimento de uma ordem coerente torna-se uma tarefa, onde fica líquida, a sua inquebrantável fé em Portugal, tendo deixado nos seus escritos o desejo de viver o seu tempo de um modo intenso.
E de tal forma o fez, que nas suas posições ideológicas, deixa que exista, embora fragmentada, a obra de um emérito doutrinador, onde a política ganha o cariz sedutor da inconstância que nele ganhou raízes num projecto nacional implantado no império do espírito, donde resultou que todas as facetas políticas de Pessoa tenham redundado numa construção mental onde se esconde a grande beleza das atitudes cívicas que tomou.
Em Pessoa não morava, com efeito, um ser político irracionalmente preso a uma tendência de ordem subordinada a um princípio estático, como se o mundo tivesse parado no tempo, porque nele, a sua verdade não se finou a si mesmo, pelo facto dele ser toda a gente, num profundo desejo de poder converter os seus sentimentos num único, pervertendo, embora o que sentia, sendo disto um exemplo, o voto contra a Monarquia – se, eventualmente, lhe tivesse sido pedido – e a sua aposta na República em curso, ainda que, em cima do assassinato de um rei que plasmou o seu tempo desde 1905, data que assinala o seu regresso definitivo a Portugal, vindo de Durban.
Pessoa, tinha, então, 17 anos.
Era um jovem inquieto nas ideias e nos comportamentos, aquele que se matriculou no ano seguinte na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e, dele mesmo, nos dá um retrato que é um espelho sociólogo de alguém que ao caminhar atento à vida, fazia a apologia do político que nunca viria a ser, sem no entanto esconder o facto de transportar com ele a ideia de uma sociologia apegada aos homens esforçados que no labor das fábricas produziam bens e serviços, um facto que mais tarde haveria de reproduzir no “Livro do Desassossego”:
 
Vou num carro eléctrico, e estou reparando lentamente, conforme é meu costume, em todos os pormenores das pessoas que vão adiante de mim. Para mim os pormenores são coisas, vozes, letras. Neste vestido da rapariga que vai em minha frente decomponho o vestido em o estofo de que se compõe, o trabalho com que o fizeram – pois que o vejo vestido e não estofo – e o bordado leve que orla a parte que contorna o pescoço separa-se-me em retrós de seda, com que se o bordou, e o trabalho que houve de o bordar. E imediatamente, como num livro primário de economia política, desdobram-se diante de mim as fábricas e os trabalhos – a fábrica onde se fez o tecido; a fábrica onde se fez o retrós, de um tom mais escuro, com que se orla de coisinhas retorcidas o seu lugar junto do pescoço; e vejo as secções das fábricas, as máquinas, os operários, as costureiras, meus olhos virados para dentro penetram nos escritórios, vejo os gerentes procurar estar sossegados, sigo, nos livros, a contabilidade de tudo; mas não é só isto: vejo, para além, as vidas domésticas dos que vivem a sua vida social nessas fábricas e nesses escritórios... Todo o mundo se me desenrola aos olhos só porque tenho diante de mim, abaixo de um pescoço moreno, que de outro lado tem não sei que cara, um orlar irregular regular verde escuro sobre um verde claro de vestido. (1)

 
 
Pode não ser relevante este apontamento para o estudo do homem político que havia nele, mas a raiz sociológica que o empenhava na vida e no bem colectivo, existia em crescendo, em Fernando Pessoa.
 
Tinha, como já foi dito, 20 anos quando aconteceu o bárbaro assassinato de Sidónio Pais, um facto que marcou o factor decadente de um povo doente e sem rumo, o que nos leva a pensar que sem ser político de carreira, ele o foi, em alto grau de uma consciência nacional afectada, levando-o a afirmar que  a decadência em que temos vegetado, deriva da acumulação de três factores, que em três épocas diferentes intervieram na vida nacional e cuja influência infeliz permaneceu.
O primeiro factor — a decadência propriamente dita — data da jornada de Alcácer Quibir, prolonga-se pelo domínio dos Filipes, e até hoje ainda não passou. Lampejos transitórios — a Restauração, o Marquês de Pombal, o Presidente Sidónio Pais — são apenas (salvo o último caso, de cujas consequências não podemos falar ainda) remissões da nossa doença colectiva.
O segundo factor — a desnacionalização — entrou com a vinda do sistema monárquico estrangeiro que, implantado primeiro em 1820, se arrastou, através de uma guerra civil constante, latente ou patente, até à sua fixação em 1851, e a corrupção definitiva dos nossos costumes políticos e administrativos, o abandono total do governo à portuguesa.
O terceiro factor, prolongamento desse segundo, surgiu plenamente em 1910, com a implantação da República. A desnacionalização tornou-se, nessa altura, degenerescência. Nem a degenerescência se limitava aos partidos que a República trouxe (não há estado social mórbido que seja pertença exclusiva de um partido), mas abrangeu também os velhos partidos monárquicos cuja obra a República, anarquizando mais, apenas continuou.

 
O problema português consiste na destruição da tripla camada de negativismo que assim cobre a Pátria. (2)

 
A ode que então escreveu, “À Memória do Presidente-Rei Sidónio Pais”, publicada na “Acção” (3) é, na sua essência mais profunda, a dor do Poeta ao ver esfumar-se em mais um nevoeiro uma figura sebastiânica que havia surgido no horizonte da Pátria, onde havia esperança da fundação de uma República nova e, na qual, o carisma de Sidónio Pais havia projectado na alma de Pessoa o alento que havia de vencer as forças dissolventes que minavam a sociedade portuguesa que haviam morto o rei D. Carlos, para em seu lugar colocarem homens e partidos por outros semelhantes, bem ao contrário do pensamento pessoano ao advogar que, ou a mudança se dava nas estruturas mentais da Nação ou não valia a pena.
A ode é uma intervenção poética com evidente pendor político, porque nela o Poeta deixa às claras o pensamento patriótico de quem queria ver o País governado politicamente por homens íntegros, de raiz bem fundada numa República de valores humanos e de índole social, dada a miséria do povo, não só material como moral.
Eis, porque, comovidamente, lembrando o Presidente assassinado, lemos na ode extensa a comoção do Poeta:
Longe da fama e das espadas,
Alheio às turbas ele dorme.
Em torno há claustros ou arcadas?
Só a noite enorme.
Porque para ele, já virado
Para o lado onde está só Deus,
São mais que Sombra e que Passado
A terra e os céus.
 
Ali o gesto, a astúcia, a lida,
São já para ele, sem as ver,
Vácuo de ação, sombra perdida,
Sopro sem ser.
 
Só com sua alma e com a treva,
A alma gentil que nos amou
Inda esse amor e ardor conserva?
Tudo acabou?
 No mistério onde a Morte some
Aquilo a que a alma chama a vida,
Que resta dele a nós - só o nome
E a fé perdida? (...)
 
Pessoa não esconde a sua mágoa, porque se no tempo da Monarquia, esta havia desperdiçado os dinheiros públicos, a República que veio, multiplicou por qualquer coisa os escândalos financeiros (...) e se esta criara um estado revolucionário, a República veio e criou dois ou três estados revolucionários.
E, continuando, declara que se a Monarquia não conseguira resolver o problema da ordem, a República instituiu a desordem múltipla, de que foi exemplo o caos na visão conservadora de Pessoa, que o levou a assistir a 29 governos nos espaço de sete anos (1919 a 1925).
Eis, porque, na sua alma a memória do “Presidente-Rei” depositário de tantas esperanças, era o homem notável que havia morrido às balas traiçoeiras do segundo sargento José Júlio da Costa, o combatente da Rotunda, que terá agido a mando da Carbonária ou, como, também se diz, da Maçonaria, onde então pontificava o Grão-Mestre Sebastião de Magalhães Lima. (4)
Doloridamente, Pessoa, pergunta, na ode:
 
Se Deus o havia de levar,
Para que foi que no-lo trouxe
Cavaleiro leal, do olhar
Altivo e doce?
 
Definitivamente, não ficou a fé perdida no Portugal bandarrista que animava a alma do Poeta, mas, possivelmente, o homem político que havia nele quando viu a política nacional sem rumo, originou que ao pensar na República Portuguesa instituída, tenha escrito: é actualmente um grupo ininteligente de gatunos e de assassinos. As palavras são curtas e duras, mas a simplicidade é aqui uma virtude.
É ponto assente que o assassinato de Sidónio Pais criou um vazio no seu idealismo, porquanto, ele representava o redentor da Pátria ferida pela incompetência e pelas ambições sem freio que originavam excessos sem controle nos governantes a que se aliava a desordem nos partidos e a consequente ausência de desenvolvimento económico e, logo, no tecido social, de onde surgiram as  mãos criminosas que haviam morto o empecilho dos que ansiavam viver na falta de estabilidade e numa caducidade mental que causava arrepios.
Politicamente, é também uma verdade que Pessoa se identificou no início com as ideias republicanas, mas o equívoco desfez-se na noite trágica de 14 de Dezembro de 1918, em pleno átrio da Estação dos Caminhos de Ferro do Rossio, na mesma Lisboa, onde bem perto, havia caído o rei D. Carlos.
Não pode espantar, portanto, a constatação que Pessoa faz da República se ter convertido num  grupo ininteligente de gatunos e de assassinos, algo de inaudito que o terá conduzido ao  sentimento de uma Ibéria forte, afirmando a criação desde já, da ibericidade. Fazer tender todas as energias das nossas almas para um fim, por detrás de todos os fins imediatos que tenham. Esse fim é a Ibéria (5)
Esta asserção é feita por volta de 1920, ano em que acaba a primeira fase do namoro com Ofélia e assinala o abraço iniciático de cunho maçónico que ela terá suscitado, donde não falte quem aponte que neste passo, Pessoa, que sempre tinha sido um idealista de um Portugal imperial, tenha sofrido a influência maçónica que ele abraçou e que apontava para  uma federação ibérica, com carga política evidente, mas, também, surgem os que defendem ter havido um exercício de retórica, onde o tempo político português teve um quinhão importante pela instabilidade vivida e que veio a favorecer o golpe de estado de 1926, que acabaria por abrir caminho para a ditadura do professor Oliveira Salazar.
O ano de 1928, marca, definitivamente, uma atitude de assunção política, mas como de costume, de ordem doutrinária, ao defender no “Interregno”, um manifesto do Núcleo de Acção Nacional, a defesa da ditadura militar, demonstrando-se um  defensor de regimes autoritários, cuja razão sustenta com três justificações – ou melhor dizendo, com três doutrinas - no opúsculo “Defesa e Justificação da Ditadura Militar em Portugal”
Começa por dizer que  metade do País é monárquica, metade do País é republicana. São estes os factos. Não falamos do País dividido em Norte e Sul, ou em qualquer outra divisão de erras. Não falamos do País dividido em classes cultas e incultas, ou em qualquer outra divisão de homens. Falamos de Portugal na simples quantidade dos seus habitantes nacionais.
Não deixa de apontar um facto importante: Somos o Pais das duas ortografias. Da gente  que entre nós sabe escrever, parte escreve em ortografia latina, a outra parte na ortografia do Governo Provisório. (...) para concluir, mais adiante: Em Portugal presente, pois, o problema institucional é inteiramente irresolúvel.
Para se ter, no seu conjunto uma ideia que levou Fernando Pessoa a escrever aquele opúsculo de 31 páginas, as três doutrinas apresentam-se deste modo:

1. A Nação está divida contra si mesma
“(…) porque não temos uma ideia portuguesa, um ideal nacional, um conceito missional de nós mesmos”.
2. Portugal, hoje, é um Estado de Transição
“(…) a condição de um país em que estão suspensas as actividades superiores da Nação como conjunto e elemento histórico (…), mas não está suspensa a própria Nação como conjunto e elemento histórico (…), mas não está suspensa a própria Nação que tem de continuar a viver e, dentro dos limites que esse Estado lhe impõe, a orientar-se o melhor que pode. (..) os governantes de um País em um período destes, têm pois que limitar a sua acção ao mínimo, ao indispensável.”
3. As esferas superiores da Nação acham-se quase completamente desnacionalizadas
“Estamos hoje sem vida provincial definida, com a religião convertida em superstição e em moda, com a família em plena dissolução. (…) Ora um país em que isto se dá, e em todos sentem que se dá, um país onde (…) não pode (…) haver opinião pública em que elas se fundem ou com que se regulem, nesse país todos os indivíduos e todas as correntes de consenso, apela, instintivamente ou para a fraude ou para a força, pois, onde não pode haver lei, tem a fraude, que é a substituição de lei, ou a força, que é abolição dela, necessariamente que imperar. (6)
 
Fica de pé, o seguinte: o apoio à ditadura militar defendida por Pessoa, para além de todos os motivos já apontados, tinha a sua génese no Portugal dividido entre monárquicos e republicanos, como já a tivera no tempo da guerrilha constitucional do século XIX, de que resultou a guerra civil entre liberais e absolutistas, o que ele desejava, não viesse a acontecer o mesmo, agora com novos contendores, mas nunca esteve no plano das ideias o seu apoio a Salazar, com quem não tinha afinidades culturais ou políticas, advindo a sua oposição do facto deste ter recusando o regresso ao parlamentarismo e à democracia da Primeira República, e ter criado a União Nacional em 1930, visando o estabelecimento de um regime de partido único.
No decorrer de 1932, ano em que Salazar assume a Presidência do Conselho, logo após a publicação da Constituição que criava o Estado Novo, Pessoa escreveu um ensaio contra a ditadura, onde desassombradamente, diz:
 
No meio de um povo de incoerentes, de verbosos, de maledicentes por impotência e espirituosos por falta de assunto intelectual, o lente de Coimbra (Santo Deus!, de Coimbra!) marcou como se tivesse caído de uma Inglaterra astral. Depois dos Afonsos Costas, dos Cunhas Leais, de toda a eloquência parlamentar sem ontem nem amanhã na inteligência nem na vontade, a sua simplicidade dura e fria pareceu qualquer coisa de brônzeo e de fundamental. (...) (7)
 
Pessoa deu o escrito por não escrito.
De uma vez por todas enterrou o opúsculo: “Interregno” colocando muito longe da sua vivência interventiva o ano de 1928, onde no plano das ideias a ditadura militar poderia ter sido – e não foi – o arrepiar do caminho, mas tão só, culminou com a preparação de um outro caminho: o que levou Salazar ao poder.
Pessoa fez a auto censura que costuma dignificar os homens de génio, pois, só os medíocres é que teimam nas suas atitudes, mesmo as mais descabidas.
 Desassombradamente, escreve sobre Salazar a Casais Monteiro, em 1935:
Meu caro Casais Monteiro:
Muito obrigado pelo seu postal de 25, relembrando o interesse que vocês têm pela minha colaboração na Presença. Já tinha prometido, pessoalmente, aqui há dias, ao Gaspar Simões, dar essa colaboração, de sorte que, não indo já a tempo para o número que está a sair, pudesse todavia aparecer no que deve sair pelo Natal.
Sucede, porém, uma coisa — sucedeu há cinco minutos —que me confirma em uma decisão que estava incerta, e que me inibe de dar colaboração para a Presença, ou para qualquer outra publicação aqui do país, ou de publicar qualquer livro.
Desde o discurso que o Salazar fez em 21 de Fevereiro deste ano, na distribuição de prémios no Secretariado da Propaganda Nacional, ficámos sabendo, todos nós que escrevemos, que estava substituída a regra restritiva da Censura, “não se pode dizer isto ou aquilo”, pela regra soviética do Poder, "tem que se dizer aquilo ou isto”. Em palavras mais claras, tudo quanto escrevermos, não só não tem que contrariar os princípios (cuja natureza ignoro) do Estado Novo (cuja definição desconheço), mas tem que ser subordinado às directrizes traçadas pelos orientadores do citado Estado Novo. Isto quer dizer, suponho, que não poderá haver legitimamente manifestação literária em Portugal que não inclua qualquer referência ao equilíbrio orçamental, à composição corporativa (também não sei o que seja) da sociedade portuguesa e as outras engrenagens da mesma espécie. (
 
No ano em que escreveu esta crítica a Salazar, o Poeta morre.
Aconteceu no dia 2 de Dezembro de 1935, tendo-o acompanhado à sepultura, no cemitério dos Prazeres, em Lisboa, muitos amigos, entre os quais se destacaram: Luís de Montalvor, António Ferro, Raul Leal, Alfredo Guisado, Almada Negreiros, João Gaspar Simões, António Botto e Carlos Queiroz, este último, sobrinho de Ofélia, o seu amor, com quem rompeu duas vezes.
Coube a honra do elogio fúnebre a Luís de Montalvor.(9)


 
(1) - número 298 do “Livro do Desassossego”
 (2)  - s.d. - Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Fernando Pessoa (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1979.
 (3)  -  “Acção” é um jornal sidonista criado pelo Núcleo de Acção Nacional e dirigido por Geraldo Coelho de Jesus. Pessoa iniciou ali a colaboração no dia 1 de Maio de 1918.
 (4) - in, http://www.garvao.net/jjc.html
 (5) - s.d. Ultimatum e Páginas de Sociologia Política. Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução e organização de Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1980.
 (6)  - Fernando Pessoa, manifesto “O Interregno: Defesa e justificação da Ditadura Militar em Portugal”
 (7) - s.d.  República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979. - 129.
 (8)  - 1935 - Páginas de Pensamento Político. Vol II. Fernando Pessoa. (Introdução, organização e notas de António Quadros.) Mem Martins: Europa-América, 1986.
1ª publ. in José Blanco. A Poesia de Adolfo Casais Monteiro.Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985.
 (9) - Luís de Montalvar é o pseudónimo literário de Luís Filipe de Saldanha da Gama da Silva Ramos, Poeta, ensaísta e editor, natural de  S. Vicente, Cabo Verde