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sexta-feira, 31 de maio de 2013

O ZÉ POVINHO "ANDA À NORA"

Gravura publicada pelo jornal "O António Maria" de 6 de Janeiro de 1881
 
Na época, em plena Monarquia Constitucional, havia dois Partidos que entre si alternavam o poder: os Progressistas e os Regeneradores simbolizados nas duas noras montadas sobre a figura emblemática do "Zé Povinho".
Enquanto uma das noras prometia trazer aos cimo a água límpida, liberta de todas as mazela sociais, esta fazia tudo para afundar a outra, que em vez de água, de acordo com a crítica, trazia lodo e, no meio de tudo isto, o povo -  porque, na altura o voto não era para todos - sofria as agruras do tempo sem saber ao certo em qual das noras podia acreditar.
 
 
Muito mudou na actualidade, mas a nível partidário continuamos bem parecidos: no aspecto das duas noras e da mesma corrente de alcatruzes, não se sabendo ao certo, qual é a nora que vai trazer a melhor água.
É uma dificuldade, não a escolha, que todos sabemos que as duas noras do tempo actual - o PS e o PSD - não nos dão, embora não faltem promessas, a água de que andamos sedentos, mas pelo facto de não sabermos em que campo e em que poço havemos de buscar a água fresca que os dois Partidos mais importantes não têm sabido dar.
Como aconteceu antigamente, os dois têm alternado o poder, com um deles - o PS - a prometer, hoje, a água límpida que lava tudo e põe tudo a brilhar, enquanto o outro - o PSD o que nos tem dado é a água lodosa, como agora acontece com a receita da "austeridade" - com o outro a pedir "crescimento", quando foi ele, anos a fio que meteu os alcatruzes da nora cada vez mais fundo e, de cada vez, a trazer ao cimo uma água turva de um compromisso económico que, no momento, não sabemos com que água havemos de limpar a mancha que deixou no País a lodo com que brindou o povo.
O PS, agora, diz saber o que deve ser feito, mas medidas e discussão inteligente e sábia não se vê, senão balelas, retórica e um novo canto de sereia, que está a dar resultado e de que se fez eco Mário Soares e outros no passado dia 22 na Aula Magna.
Este governo está a destruir Portugal. Está a massacrar os portugueses que vivem mal e têm fome. É preciso acabar com o governo. 
Eis a sábia conclusão deste homem, que no seu tempo fez o mesmo.
É preciso acabar com o governo porque tem o defeito de não ser do PS, o paladino de todas as virtudes e, que agora, promete que os alcatruzes da sua nora háo-de dar água límpida, contra a água turva dos outros. É jogo eleitoral e nisto, Mário Soares é um jogador, dos que costuma pôr batota em cima da mesa.
Não se coibiu, mais uma vez, de exibir o "namoro" descarado e hipócrita a Paulo Portas, a propósito do sei ideário democrata-cristão para chamar à liça Sá Carneiro e dizer que ele - se fosse vivo - não era por este governo, perguntando: o que é que isso significa? Significa que estão a trair o ideal de Sá Carneiro.
Há frases que queimam os lábios em homens responsáveis, como devia ser este orador, mas é aquilo que sabe fazer: ferroadas envenenadas para concluir que dois terços do PSD não estão com o governo, quando ele sabe - e bem - é que essa massa do povo que agora está desapontada é a franja eleitoral movediça e inteligente que se vai movendo e que ele procura conquistar a qualquer preço para o PS.
Mário Soares não gosta do governo. Não lhe nego esse direito. Eu também não gosto  de muitas coisas que estão a ser feitas, mas não chego ao ponto de lhe chamar ilegítimo, porque o não é.
Espanta a ligeireza do raciocínio deste homem, como se o resto do povo fosse estúpido, vindo, agora com o slogan "Libertar Portugal da Austeridade" que para além de ser falacioso é errático por fazer uma leitura apressada e errada do tempo que vivemos, quando ele, não soube, no seu tempo, como colocar o País a render dividendos, mas a acumular dívidas.
Olha, querido "Zé Povinho": o caricaturista da época representou-te, como se vê na gravura com duas noras e o mesmo jogo de alcatruzes, muito longe de saber que depois de  tantos anos continuas igual - excepto na vestimenta  - sem saber ao certo, qual  a nora e os alcatruzes certos que te hão-de dar a água fresca que te lave o rosto da vergonha de viveres mais uma vez de mão estendida, com a pouca sensatez de te dizerem que a dívida não é possível ser paga, ameaçando alguns, rasgar o contrato que em teu nome o Estado fez.
São os que agora te acenam com a nora da boa água e te dizem para não usares a outra, quando foram ales que ajudaram a turvá-la.
Tens de escolher.
Ao fim e ao cabo as duas noras em que te obrigam a fazer a escolha são ferro-velho, como o são certas palavras que parecem novas por virem em cima de um tempo novo, mas com o defeito de trazerem do fundo o ferro-velho, ou seja, água que não se pode beber.
E como tu "Zé Povinho" bem precisas de beber água límpida e fresca... mas em que poço a encontrarás se andas à nora?


quarta-feira, 29 de maio de 2013

FALTA O PRINCIPAL : AS PESSOAS!

Imagem de um diaporama recebido. Peço licença ao autor para a utilizar
  
A imagem é arrepiante na mensagem que traduz.
À beira mar, num ambiente calmo, sem ondas tudo está pronto como sugere a mesa irrepreensivelmente posta, onde não falta, sequer um ramo de flores, mas onde falta o principal: as pessoas, deixando, por isso as cadeiras vazias.
É a imagem que os políticos mais responsáveis - se é, que os há, ainda - dão neste momento de Portugal, de pouco importando o convite  que foi feito - hà dias pelo PSD e CDS -  à esquerda parlamentar de integrar o grupo destinado a estudar a reforma do País, porquanto, o mais importante é olharem, cada um dos Partidos para o seu umbigo e recusarem o convite da maioria parlamentar, deixando por isso as cadeiras vazias.
Se isto é entendível no BE e no PCP estranha-se a posição do PS em não atender ao convite, sendo que, a reforma do Estado começou com o último governo de José Sócrates, tendo, por isso - ou deveriam ter - algo a dizer para ajudar à realização do evento, que deve ser feito para colmatar as brechas abertas no casco apodrecido de um barco que, ainda se chama Portugal, mas tendo deixado de ser independente nos aspectos económico-financeiros, apresenta uma neblina que esbateu o seu honrado e glorioso nome.
Indiferente a isto, amanhã, Mário Soares vai reunir-se com a esquerda radical e a do seu Partido - que neste momento é, ou parece vogar na mesma água - na Aula Magna, com uma intenção bem definida: deitar o governo abaixo, cumprindo à risca o velho ditado popular que água mole em pedra dura tanta bate até que fura.
É esse o intento.
Parecem andar esquecidos que na 1ª República foi este deita abaixo de governos - onde chegou a haver governos de duraram dias - que originou o 28 de Maio de 1926, a consequente Ditadura Militar e, depois, foi o que sabemos com a promulgação da Constituição de 1933.
Não ignoramos que o tempo é outro, mas também não ignoramos que os fautores destas diatribes agem assim tendo isto na devida conta, mas melhor seria terem mais contenção de atitudes e não se andasse a brincar com o fogo...
Melhor seria que estes homens meditassem na História e levassem a sério a desconfiança que o povo tem por todos os políticos e, em vez de andarem a viver no folclore - onde não há arcos e balões mas "facas" em riste - se sentassem à mesa e preenchessem os lugares vazios da duas cadeiras da imagem, que representam todas as necessárias, e ajudassem Portugal a sair do ninho de vêspas onde estamos metidos, precisamente por culpa de muitos daqueles, qua amanhã vão encher a Aula Magna, transformando aquele espaço, que tem um nome academicamente pomposo numa aula banal onde não não vai haver livros magnos mas sebentas sebosas e gastas...


A IMPORTÂNCIA IMPRÓPRIA
DAS MOSCAS... 
 
Em 14 de Maio de 2003, A “Voz Portucalense” referiu o seguinte:
Ali na Igreja Matriz de Toro, a caminho de Tordesilhas, topónimos ligados a batalhas e a tratados de antigamente, existe um quadro de pintor não demasiado conhecido, mas sem dúvida habilidoso, que desenhou um quadro da Virgem Maria, no qual, sobre o manto, talvez por uma coincidência feliz no decorrer da acção pictórica se assolapou uma mosca, pintada com a mesma perfeição com que delineou os olhos ou as mãos da Senhora, ou a expressão do rosto do Menino.
Pois, agora, os observadores do quadro apenas vêm a mosca e o quadro acabou por ser apelidado de “Virgen de la Mosca” e esse é o motivo da sua especial atracção.
Este pedaço de prosa merece uma reflexão.
Por uma deturpação de sentimentos sadios o mundo não cessa de procurar o acessório, dando-lhe honras de primazia, esquecendo com notável rapidez o que é fundamental, como acontece com o quadro daquela Igreja galega, como em outro qualquer acontecimento da vida corrente quando se dá importância imprópria e desmesurada àquilo que o não merece.
O mundo deixa, facilmente, que se percam e, até, que se esqueçam as ideias fundamentais de uma qualquer acção, para enaltecer pormenores de factos acidentais e, até, de pouco valor, como acontece com a mosca que o pintor desenhou no manto da Virgem – que passou a ser o mais importante – e fiquem na obscuridade, quer a pureza do seu olhar imaculado, quer o carinho que tece com o seu Menino, quer o fundo da paisagem que dá ao quadro um apontamento da vida real.
O que ficou de mais valia, a dar crédito ao nome pelo qual passou a ser conhecido foi a mosca, um acessório sem qualquer misticismo que nada acrescenta ao quadro, nem lhe realça o valor intrínseco.
Vivemos, infelizmente, num mundo às avessas que se compraz em erguer mitos de coisas sem préstimo, deixando que se percam valores fundamentais que ajudam o homem a viver segundo conceitos importantes e indispensáveis a uma vida plena, segundo normas decorrentes da assunção e respeito do que é mais importante.
Infelizmente, não faltam por aí – e em demasia -  fazedores de moscas, ou seja, de sensacionalismos patéticos que deformam a moral e a educação, trazendo sempre para cima aquilo que é trágico e, até, quantas vezes, aquilo que é doentio e perverte as melhores consciências, com a agravante, de quase sempre se olhar para estas distorções sociais e se esqueçam as boas acções, que apesar de tudo, não deixam de honrar o homem social  e colectivo que somos.
Repudiemos, por isso, todas as moscas com que são abertos, quantas vezes, os telejornais diariamente e os cabeçalhos de uma certa imprensa sensacionalista – que vive das moscas que cria -  para percebermos como o acessório é que se torna importante para captar audiências ou para vender títulos, ficando de fora, como se não tivesse  valor,  aquilo que é essencial, mas a que se dá uma notícia fugidia.... quando se dá.
Este estado distorcido, de dar importância ao que é acidental, é que fez a celebridade do quadro da Igreja Matriz da cidade de Toro, muito mais, que a Imagem que o quadro representa.
Cabe, por isso, a todos nós passar a distinguir o que é essencial daquilo que é acessório e sem préstimo, não dando um valor desmedido a coisas sem importância, deixando esquecidos os valores autênticos que dão cor e sentido à existência do homem sobre a face da terra.
Esta reflexão pode parecer descabida perante o mundo que nos querem vender e impor, mas é por isso mesmo que não pode deixar de ser meditada, porque, ou nós invertemos este estado de coisas, ou passamos a ser uns tontos à procura das moscas, mesmo onde elas não existem, mas inventando-as, numa procura doentia e falaz que corrompe a consciência, não a deixando ver a beleza que existe no grande quadro da vida.
É tempo de não darmos mais valor às moscas...
Seja, aquela que está no manto da Virgem daquela Igreja galega, como sejam todas aquelas que os maus fazedores de notícias nos querem vender como coisas importantes e preciosas.
É tempo de distinguirmos o trigo do joio e não embalarmos em certas notícias e certos programas televisivos, que são moscas impossíveis de ler, ver e ouvir.

A TOLERÃNCIA


Verdadeiramente, a tolerância 
só se vive no Espírito do Evangelho

 
O problema da tolerância ao pôr-se, apenas, em questões opinativas leva-nos a concluir que estas conduzem o homem a ter sobre ele duas atitudes em confronto e de sinal contrário: uma de respeito e amor pelo outro ainda que se tenha opinião contrária, e outra de falsa concordância, onde o amor e o respeito cedem cobardemente os seus atributo à tibieza e à falta de complacência.
Entende-se o antagonismo, a partir do momento em que nos dispomos  a reflectir sobre o sentido da palavra – tolerância – pois, o que chega ao nosso entendimento, não é apenas o seu significado académico: consentir, desculpar, admitir, mas a par disto e como sentido plebeu, ela também é entendida como uma  fraqueza, um desleixo, um deixa andar, um não ligar e, até, significando um desinteresse onde falta todo e qualquer sentimento humano.
Tolerância é isto, no bom e mau sentido, mas é algo mais.
Ultrapassa estas duas concepções contrárias, assumindo-se como uma virtude serena do homem calmo, cheio por dentro de uma grande paz interior que advém do equilíbrio que permite estar atento a tudo quanto se passa ao seu redor, donde lhe é facultada a serenidade quanto tem de agir e tirar conclusões justas em questões onde o julgamento humano  - falho como é – tem de ter o melhor dos desempenhos para não ferir a sensibilidade do outro.
Aqui a tolerância está carregada de amor humano ou de simples amizade.
A prudência não pode, por este motivo, de estar presente na virtude de julgar, reflectindo e interiorizando cada acontecimento, sendo a cautela onde ela assenta a sua almofada, tendo-se como certo que todo aquele que age à revelia destes princípios corre o risco de ser um falso tolerante, admitindo o deixa andar ou o não ligar e outros modos, agindo-se por comodismo, fazendo-se da tolerância um engano sobre si mesmo e sobre o outro, e o que é muito grave, fazendo dela uma caricatura.
Tolerar, pressupõe, sobretudo, respeito pelo outro, devendo ser sempre um acto reflexo da amizade ou do amor que obriga aquele que usa de tolerância a raciocinar para compreender o outro na procura de o ajudar. A tolerância é, deste modo, o primeiro dos caminhos para o trazer o à observância do que é aceitável na discussão das ideias e, até, do ponto de vista espiritual, um modo o de fazer vir ao encontro do que é normal na vivência adulta entre pessoas, mas tendo sempre presente que as verdades humanas são sempre relativas, sendo apenas imutáveis os princípios da esfera divina.
É, neste ponto que cabe ao homem tolerante ser alguém de coração aberto.
Alguém, que normalmente esconde uma alma acolhedora, que não repele, mas acarinha, virtudes que estando acima do julgamento sumário – tantas vezes usado -  faz dele um elo humano de tal modo forte que ao aceitar as ideias do outro, embora diferentes das suas, ao agir assim, o faz,  por sentir brilhar nele luzes de sinceridade.
Tolerância é compreender que o outro que caminha ao nosso lado é “ele” com todos os seus defeitos e virtudes, e não um outro“eu”, querendo por força que ele comungue das minhas ideias, mas, ao invés, respeitando as suas diferenças e aceitando-as, fazendo um esforço diário para compreender o porquê das suas opiniões contrárias.
Apesar disto, as expressões “ isso não é comigo” ou “não posso endireitar o mundo” não podem fazer carreira entre os homens, porque uma e outra são sinais evidentes da demissão a que hoje assistimos, tolerando-se  de um modo que é falso -  e que mais não é -  que o resultado de pactos de desinteresse e  de cobardia e, sobretudo, de falta de respeito pelo outro, ao saber-se que um mundo melhor só pode ser construído pela tolerância sadia que ao aceitar as ideias do outro, não deixa, com sentido construtivo, de lhe fazer sentir a opinião diversa, para que do confronto das duas, possam, eventualmente, nascer os consensos necessários à concertação das coisas.
Mas tolerar pela demissão, nunca o façamos, porque é sempre uma fuga que não pode ser consentida ao homem verdadeiramente tolerante, pois é do esforço por compreender e aceitar o outro que crescem as amizades fortes e se enriquece o mundo a começar pela acção isolada de cada um que cumpre no grande palco da vida a sua missão interventiva na sociedade, tarefa de que ninguém está excluído.

A DISPONIBILIDADE
 

Só no Evangelho se encontra, como Deus quer,
 a disponibilidade do homem perante o seu semelhante

 
A disponibilidade pressupõe a assunção de uma atitude de quem está no seu posto de vigia humano devidamente atento e pronto a partir, munido do farnel do amor para o levar a quem dele precise.
A vida do homem tem de ser uma atitude de serviço, pois como alguém disse, quem não vive para servir – isto é, para estar disponível – não serve para viver, fazendo desta postura um cartão de visita que se apresenta aos outros sem tocar o sino a rebate, mas com a humildade de quem tem consciência, que cada homem perante o seu igual se deve posicionar na expectativa de ser útil quando o momento se proporciona, pois só assim, a vida ganha o seu verdadeiro sentido.
Ser humano é ser solidário e só o é quem se mostra livre para dar, no pressuposto que quem está disponível se assemelha ao atleta com o pé em cima do risco da partida, atento para não o pisar - entendendo-se isto, em não hesitar ao primeiro impulso generoso da disponibilidade -  porque se o fizer, deixa que se imponha o egocentrismo feroz que não deixa abrir a flor humana que existe em cada homem.
É preciso estar pronto a partir, em cada dia, para a aventura do amor, numa viagem, cujo fim desde logo conhecido é saber-se que no fim da linha está alguém a necessitar de gentileza, algo que não pode – nem deve - ficar arredia da convivência social sem se correr o risco de afundar sem proveito o misto do humano e do divino que é um atributo de toda a criatura.
A disponibilidade, exige apenas, a coragem de se deixar soltar o lado bom que existe e é, em grande parte o que forma o homem e lhe dá o estatuto de ser superior na Obra da Criação, que lhe reserva como meta – onde é preciso chegar num dia qualquer - a arte de viver que  é o cumprir-se cada um em si mesmo, empunhando a bandeira da sua história com acções meritórias em prol de uma vivência no campo do gregário social, destino onde  cada um completa a sua humanidade, sendo deste modo, um avançar conhecendo do caminho a direcção mais importante: aquela que conduz o coração do homem, na certeza que cada um vive aqui e agora um destino que se prende a uma realidade escatológica, que é o caminho que o leva até uma objectividade que o ultrapassa, por estar para além da finitude temporal de cada destino terreno.
A disponibilidade assim entendida é uma dádiva sem espera de recompensa, pois só assim ganha sentido tudo quanto está para além desse desiderato que vai ganhando forma em cada dia, levando a construção do edifício do Infinito para onde tende a natureza humana, a colocar em cada acção um tijolo a mais.
A disponibilidade é, neste sentido, um dom que faz o homem sair de si mesmo e mergulhar no outro, bem dentro da sua própria história, na convicção serena que  todo o tempo dos seus dias não é, exclusivamente, de sua pertença, por haver desse mesmo tempo – que ele pode usar, se quiser, para proveito próprio – uma quota-parte que deve ser dado ao seu companheiro.
Difícil é aceitar e fazer isto.
É verdade. Vivemos um tempo ingrato em que a materialidade das condutas humanas, tem por norma, o entravar o princípio formoso da disponibilidade, um bem humano que não pode ser abandonado, pelo facto de ser um factor importante no concerto das sociedades, onde cada um deve deixar a migalha, por mais pequena que seja, do seu amor disponível a favor do outro.
 

Reaprender a penitência


Recordo hoje o Papa emérito Bento XVI ao lembra o que ele disse a bordo do avião que o transportou a Portugal no dia 11 de Maio de 2010, quando afirmou uma realidade que foi nossa e deixou de o ser: Portugal foi uma grande força da fé católica, e não o é, porque a dialéctica entre secularismo e fé tem uma longa história entre nós, lembrando a forte presença do Iluminismo desde os tempos de Pombal.
Não chega este apontamento para falar dos malefícios – não só para a Igreja, enquanto instituição, como para a sociedade – desse movimento filosófico que ficou conhecido pelo Iluminismo, mas chega para dizer que, se foi benéfica a extensão dos princípios do conhecimento crítico a todos os campos do mundo humano, há-de ser sempre, um erro, a crítica do homem ao Mistério que o ultrapassa.
Apontou, por isso, Bento XVI que nesses séculos de dialéctica entre Iluminismo, Secularismo e Fé, nunca faltaram pessoas que quiseram estabelecer pontes e criar um diálogo, algo que nos cumpre continuar a fazer pelo caminho da razão, pois como disse: A razão, como tal, está aberta à transcendência e só no encontro entre a realidade transcendente, a fé e a razão que o homem encontra-se a si mesmo.
Esta continua a ser a tragédia do homem do nosso tempo, porque se deixou enredar nas malhas de um mundo onde a economia dita as sua leis perversas, levando-o a viver um mundo estranho à ordem natural que o criou, andando, por isso,  perdido de si mesmo.
Com toda a frontalidade Bento XVI apontou a necessidade do secularismo e a cultura da fé encontrarem modos de diálogo, porque estas duas correntes culturais separadas devem encontrar-se, afirmando com veemência que, caso contrário, não encontraremos a estrada para o futuro.
Temo que estas palavras tenham sido proféticas
E se-las-ão se o homem não arrepiar caminho e, todos aqueles que dentro da própria Igreja se comportam, por forma a dar ao mundo motivos de ataques ao Papa, que Bento XVI classificou como, não virem só de fora mas que os sofrimentos da Igreja vêm justamente do interior da Igreja, do pecado que existe na Igreja. Também isso sempre foi sabido, mas hoje o vemos de um modo realmente terrificante: que a maior perseguição da Igreja não vem de inimigos externos, mas nasce do pecado na Igreja, e que a Igreja, portanto, tem uma profunda necessidade de reaprender a penitência, de aceitar a purificação, de aprender por um lado o perdão, mas também a necessidade de justiça.
E neste ponto, Bento XVI foi, exemplarmente duro e muito acutilante ao afirmar que o perdão não substitui a justiça, deixando bem claro, que o perdão que o homem dá enquanto absolvição da ofensa, de modo algum o absolve perante a justiça, para que esta cumpra o dever de o fazer pagar pelo mal cometido perante a sociedade.
Referiu-se o Papa. hoje emérito, aos casos de abusos sexuais contra menores cometidos dentro do seio da Igreja.
Eis porque, há uma necessidade absoluta de reaprender precisamente estas coisas essenciais: a conversão, a oração, a penitência e as virtudes teologais, que andam esquecidas e se alinham na fé, esperança e caridade, sem a qual, diz S. Paulo, podemos ter tudo mas nada somos.
Reaprendamos, pois a penitência, a começar pelos desmando de alguns homens da Igreja e, depois, entre todos nós, que também somos Igreja e não estamos isentos de pecados.

António Aleixo





António Aleixo nasceu em 18 de Fevereiro de 1899 em Vila Real de Santo António e faleceu em 16 de Novembro de 1949,  em Loulé.

Homem simples e pobre de haveres materiais, foi um Homem rico de sabedoria humana e um caso raro de intuição poética. Nas suas quadras existem conceitos raros de uma filosofia viva que nasce sem arrebiques de linguagem, mas é, na sua autenticidade, um espelho do homem verdadeiramente assumido perante a  sua vivência humana que tem de respeitar, vivendo-a com as limitações que a vida lhe impôs, mas  cumprindo o dever da denúncia social, um dever que lhe cabia, como cabe a cada um de nós no sentido de reformar o que precisa ser melhorado, no sentido de tornar mais humano o mundo onde habitamos.
Foi o que ele fez.

O Poeta foi cauteleiro, guardador de rebanhos, tecelão e cantador popular vagueando pelas feiras que faziam regularmente nos arredores de Loulé. No meio de tudo isto, teve uma passagem pela imigração em França, onde exerceu o ofício de servente de pedreiro.
Sendo, literariamente, um pouco mais que analfabeto, na obra “Este Livro que vos Deixo” dá-nos de presente e indelevelmente gravadas composições, como: “Quando começo a Cantar”, o seu primeiro livro de quadras soltas, “Intencionais” “Auto da Vida e da Morte; “Auto do Curandeiro” e o “Auto do Ti Joaquim

Numa homenagem ao Poeta e à sua obra, em Loulé foi levantado um monumento defronte do “Café Calcinha”, um dos locais frequentado pelo Poeta-cauteleiro.
O Estado não ficou indiferente à arte deste homem de eleição e em sua honra, fez chamar ao antigo Liceu de Portimão, “Escola Secundária Poera António Aleixo”, tendo concedido o Estatuto de Utilidade Pública à “Fundação António Aleixo” sediada em Loulé, vocacionada para conceder bolsas de estudo aos alunos mais carenciados.
No Prefácio ao “Auto do Ti Joaqim”, da autoria de Fernando Lajinha retiramos as seguintes palavras:

Vi-o pela primeira vez numa manhã – penso que em 1929 – sentado num banco público desta vila, dedilhando uma guitarra enquanto cantava de improviso. Rodeavam-no meia dúzia de curiosos que lhe davam dinheiro de mistura com aplausos. Foi assim que eu conheci aquele que mais tarde havia de saber guardador de rebanhos, vendedor de cautelas, cantador de feiras e arraiais e senhor duma infelicidade a roçar pelo extraordinário.

Foi-me dado ouvir da boca do Poeta a primeira quadra que deixou adivinhar aos olhos do público, a revelação do Poeta oportunista, incisivo e que sempre sabia pôr uma amarga ironia na intensidade do contraste. Vem, talvez a propósito, recordá-lo nesta curta história e já porque a mesma não é sobremaneira conhecida:
Tinha o Poeta ido assistir a uns Jogos Florais realizados no Ginásio Clube Farense (...) É claro que dada a sua escassez de recursos – recursos que lhe permitiriam uma indumentária compatível  com as exigências do meio – foi o Poeta obrigado a solicitar o empréstimo integral da mesma. Na noite do certame, conhecida que foi a humildade da sua cultura e a facilidade intempestiva no improviso, não houve quem regateasse aplausos e homenagens, nem quem lhe não tributasse manifestações de carinho. No dia seguinte, de regresso à sua insignificância costumada, já ele comentava de improviso:


Ontem, rei. Hoje sem trono
Cá ando outra vez na rua
Entreguei a roupa ao dono
E a miséria continua.

     Conta o prefaciador, que naquela noite onde António Aleixo foi rei teve a felicidade de travar conhecimento com o Dr. Joaquim Peixoto Magalhães, a quem ficou a dever a publicação do seu primeiro livro “Quando Começo a Cantar” e que mais tarde, em 1943, haveria de prefaciar  Este Livro que vos Deixo” edição do filho do Poeta, Vitalino Martins Aleixo que a abrir o livro tece palavras de agradecimento pelo trabalho criterioso na compilação das obras de seu pai, elaborada pelo amigo providencial que ele conheceu afortunadamente, na noite dos Jogos Florais e que do Poeta diz o seguinte:

(...) há nos versos que constituem este livro uma correcção de linguagem e, sobretudo, uma expressão concisa e original de uma amarga filosofia aprendida na escola impiedosa da vida, que não deixam de impressionar. (....) António Aleixo compõe e improvisa nas mais diversas situações e oportunidades. Umas vezes cantando numa feira ou festa de aldeia, outras, a pedido de amigos que lhe beliscam a veia (...) Os motivos e temas de inspiração são bastantes variados. (...) O que caracteriza a poesia de António Aleixo é o tom dorido, irónico, um pouco puritano de moralista com que aprecia os acontecimentos e as acções dos homens. E, no fundo, muito embora não seja um revoltado, é a chaga aberta de um sofrimento íntimo, provocado por certas injustiças, a fonte dos seus desabafos.(...)

Era a dor de um homem pobre e sensível, que como assinala o Dr. Joaquim Peixoto Magalhães, tem mulher e filhos a sustentar com o mísero ganho de meia dúzias de cautelas por semana e vê todos os dias ir morrendo, sem possibilidade de assistência cuidada, uma filha tuberculosa.
É para esta dor que o Poeta, canta do seguinte modo:

Quem nada tem, nada come
e ao pé de quem tem de comer
se alguém disser que tem fome
comete um crime sem querer.
António Aleixo foi um génio.
Atente-se nesta quadra e veja-se o que de profundo existe nela de uma mágoa sentida.
Foi este estado de espírito que o acompanhou ao longo da vida e lhe deu  estro para a denúncia do que estava mal na sociedade do seu tempo.
 Sem nunca afrontar o próximo com modos desabridos, o Poeta com o seu bom e natural conselho de homem simples e interrogador de uma sociedade que não o soube aproveitar, encontrou maneira de a denunciar, como o faz com este seu conselho filosófico e doutrinal, que só não é seguido, porque não foi ouvido – no seu tempo, como ainda hoje acontece – mas é um conselho ilustre que deveria fazer pensar os homens mais ilustrados pelo saber das sebentas académicas:


Há luta por mil doutrinas.
Se querem que o mundo ande
Façam das mil pequeninas
Uma só doutrina grande.

É isto que falta na nossa sociedade doente.
Andamos todos repartidos por muitas "doutrinas" sociais, quando apenas uma delas - a que se funda na mística que todo o homem transporta consigo -  e fosse o resultado do estudo e sabedoria divina - poderia ser por si só, o suficiente para salvar esta Humanidade desavinda pela conquista de poderes efémeros que se esvaem na fumaça do tempo.
Mas prestemos atenção ao Poeta e as suas quadras tão socialmente correctas que nos deveriam interpelar e ajudar a ser homens melhores e mais conscientes da missão que nos cabe cumprir no mundo.

Para não fazeres ofensas  
e teres dias felizes,
não digas tudo o que pensas,
mas pensa tudo o que dizes.
Porque o mundo me empurrou,                 
caí na lama, e então
tomei-lhe a cor, mas não sou
a lama que muitos são.

Eu não tenho vistas largas,
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia.
Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo,
calai-vos, que pode o povo
qu'rer um mundo novo a sério.
Que importa perder a vida
em luta contra a traição,
se a Razão mesmo vencida,
não deixa de ser Razão?
P'ra mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem que trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.
Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, não parecendo o que são,
são aquilo que eu pareço.
Enquanto o homem pensar
que vale mais que outro homem,
são como os cães a ladrar,
não deixam comer, nem comem.
Eu já não sei o que faça
p'ra juntar algum dinheiro;
se se vendesse a desgraça
já hoje eu era banqueiro.
O mundo só pode ser  
melhor do que até aqui,
- quando consigas fazer
mais p'los outros que por ti!
Eu não sei porque razão  
certos homens, a meu ver,
quanto mais pequenos são
maiores querem parecer. 

Entre leigos ou letrados,  
fala só de vez em quando,
que nós, às vezes, calados,
dizemos mais que falando.

Quando te vês mal, e dizes  
que preferias a morte,
pensa que outros menos felizes
invejam a tua sorte. 
Mentiu com habilidade, 
fez quantas mentiras quis;
agora fala verdade
ninguém crê no que ele diz.
Gosto do preto no branco,   
como costumam dizer:
antes perder por ser franco
que ganhar por não ser
Não sou esperto nem bruto,  
nem bem nem mal educado:
sou simplesmente o produto
do meio em que fui criado.

Queremos ver sempre à distância   
o que não está descoberto,
Sem ligarmos importância
ao que está à vista e perto.
Porque será que nós temos   
na frente, aos montes, aos molhos,
tantas coisas que não vemos
nem mesmo perto dos olhos?
                                  Vemos gente bem vestida,  
no aspecto desassombrada;
são tudo ilusões da vida,
tudo é miséria dourada.
Quantas sedas aí vão,   
quantos colarinhos,
são pedacinhos de pão
roubados aos pobrezinhos!
 Julgam-me mui sabedor;   
e é tão grande o meu saber
que desconheço o valor
das quadras que sei fazer!
Quando não tenhas à mão   
outro livro mais distinto,
lê estes versos que são
filhos da mágoa que sinto.
Nos versos que se improvisem,
Os poetas sabem ler,
Para além do que eles dizem,
Tudo o que querem dizer
São parvos, não rias deles,
deixa-os ser, que não são sós;
às vezes rimos daqueles
que valem mais do que nós
A arte em nós se revela
Sempre de forma diferente:
Cai no papel ou na tela
Conforme o artista sente
Quem prende a água que corre
É por si próprio enganado;
O ribeirinho não morre,
Vai correr por outro lado.

Embora os meus olhos sejam
Os mais pequenos do mundo,
O que importa é que eles vejam
O que os Homens são no fundo.

Julgando um dever cumprir,
Sem descer no meu critério,
- Digo verdades a rir
Aos que me mentem a sério!

Que importa perder a vida
na luta contra a traição
se a razão mesmo vencida
não deixa de ser razão

Os novos que se envaidecem
P’lo muito que querem ser
São frutos bons que apodrecem
Mal começam a nascer.


Obrigado, Poeta!