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domingo, 30 de novembro de 2014

Um diálogo inventado



Gravura publicada pelo jornal extinto "O Zé" 
de 12 de Novembro de 1912


Um diálogo inventado 

Como tema, o fim do XX Congresso do PS, sendo dois os interlocutores: a Pátria altiva no seu trono e de cajado na mão, numa atitude humilde mas respeitadora e o outro interlocutor: uma parte do povo português a quem António Costa - que o representa - pede que lhe ajude a conceder uma maioria absoluta nas eleições de 2015, impondo uma condição que adiante se verá.


António Costa

- Eu prometo-te, Pátria, que tudo farei para dar ao povo que me elegeu e, no geral, à colectividade nacional, um tempo de mudança para bem de todos. Assim como uma nova regeneração, como nos tempos que antecederam a implantação da República, fazendo do PS um novo Partido Renovador...

Pátria

- E como farás tal coisa?

António Costa

- Muito simples, querida Pátria. Já pedi ao "meu povo" aquele que hoje me elegeu para dirigir o PS que, para que tal aconteça, preciso ter uma maioria absoluta...

Pátria

 - E achas isso possível, com o povo tão desencantado como anda?

António Costa

- Acho possível, afastando alguns que só te têm feito mal, minha querida Pátria! 

Pátria

- E quem são?

António Costa


 - O PSD e o CDS!



Ao que parece, a Pátria, escaldada como está, não quis acreditar naquilo que ouviu, como se, apenas na esquerda fosse possível encontrar cidadãos impolutos e capazes de a salvar - tão endividada como está - e, olhando olhos nos olhos, António Costa, sorriu descarada e maliciosamente...




e o diálogo acabou!


Pedir a lua num céu cinzento!


in, jornal "Expresso" online



Gravura do jornal já extinto "O Zé"
 de 18 de Outubro de 1913


Acabou, hoje, o XX Congresso do Partido Socialista com o novo Secretário-Geral, António Costa,  a pedir ao povo - sem apresentar linhas programáticas para uma eventual governação do País - uma maioria absoluta nas próximas eleições legislativas.

Apresentou uma carta em branco e pediu a lua!

O povo resolverá na altura oportuna, mas é bom que tome nota, como noticia o Jornal acima referido que todos os "seguristas", ou seja, todos os dirigentes do PS que estiveram nas listas de António José Seguro, foram afastados da nova Direcção.

Que isto não fique esquecido!

A velha gravura que se reproduz, diz-nos pela imagem que o afastamento dos que "caíam em desgraça" já era assim no tempo da I República e, ao que parece, assim continua a ser na III República, o que nos leva a pensar que os republicanos - sejam de direita ou de esquerda - usam a mesma cartilha de uns certos modos... que estão certos... ao modo deles!

Quando se reformarão os homens numa nova e mais humanizada cartilha?

Ou, será, que a política cega os olhos - que só sabe ler num lado onde estão os amigos de ocasião - e descarta os outros como se fossem coisas? 
Em que "caixote do lixo" se arrumaram os direitos às diferenças?


I Domingo do Advento - Inicio do Ano B


Vigilância


Tomai cuidado, vigiai, pois não sabeis quando chegará esse momento. É como um homem que partiu de viagem: ao deixar a sua casa, delegou a autoridade nos seus servos, atribuiu a cada um a sua tarefa e ordenou ao porteiro que vigiasse. Vigiai, pois, porque não sabeis quando virá o dono da casa: se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar o galo, se de manhãzinha; não seja que, vindo inesperadamente, vos encontre a dormir. O que vos digo a vós, digo a todos: vigiai! (Mc 13, 33-37)


Eu te bendigo, Senhor Deus,
porque criastes o ser humano para um destino eterno
e não deixas, nunca, que morra no seu coração
o encontro que, num dia que só Tu sabes, 
há-de existir contigo!
Foi para que tal acontecesse
que no Antigo Testamento, por meio dos profetas
iluminaste a caminhada do povo eleito.

E, agora, queres iluminar-nos
para receber - mais uma vez - o "Deus connosco"
neste tempo de Advento, da espera confiante
que é preciso fazer!

Eu te bendigo, Senhor Deus.
Ajuda-me a corresponder a tão grande dom
que envias ao mundo, da vossa parte.

Fazei que neste tempo de Advento
o meu coração - nem sempre de vigia - 
se abra à presença da Pessoa do Vosso Filho
tomando a sério os seus apelos
a um esforço permanente de conversão,
para que um dia, mereça estar presente
no grande encontro no final dos tempos!

Ensinai-me, por isso, a viver vigilante
na espera do Amigo que nos vem visitar
em mais um Dia de Natal!


sábado, 29 de novembro de 2014

Coisas da I República (4)



Gravura do jornal já extinto "O Zé" de 20 de Junho de 1911


O Governo Provisório da I República Portuguesa, aprovou a "Lei da Separação do Estado das Igrejas" em 20 de Abril de 1911, tendo sido o grande impulsionador da ideia que culminou no acto - que tinha mais de ofensa do que o mero formalismo de separar as duas Instituições - Afonso Costa, Ministro de Justiça.

Entre a data da aprovação da lei e da publicação da gravura pelo jornal "O Zé" que então se publicava, Afonso Costa esteve gravemente enfermo.
O jornal fazendo-se eco de algum azedume do clero, não deixou de sob um despropositado e ofensivo do ponto de vista eclesial - ALELUIA - apresentar Afonso Costa como "ressuscitado" entre nuvens, o controverso e violento governante após a retomada das funções ministeriais, sabendo-se que ele, quer como parlamentar quer em funções do Estado nunca deixou de zurzir na Igreja e nos seus servidores eclesiásticos.

O caricaturista deu pela expressão das personagens, todo o ódio que enchia a Nação de uma forma que o relatou eficazmente, mas sem proveito para ninguém, que não tivesse sido o de aproveitar o momento para apoucar a Instituição - IGREJA -  que embora com os seus erros, representava todo um passado glorioso, vivido de mistura com os grandes momentos heróicos vividos pelos portugueses avoengos, que em guerras travadas em terra e mar levaram longe o nome de Portugal e, onde, a Igreja esteve sempre presente. 

Foi, possivelmente, um dos erros mais graves da I República, porque a Lei da Separação não tornou Portugal mais feliz ou próspero, bem pelo contrário, porque, qualquer povo que tire Deus do caminho, arrisca-se a encontrar o seu oposto.


Uma frase infeliz!



in, Sapo


Está a decorrer em 29 e 30 de Novembro o XX Congresso do Partido Socialista.
António Costa, que é um homem inteligente movido pelo calor da multidão e no meio dos aplausos perfeitamente compreensíveis teve esta frase infeliz:

- Se este Governo tivesse estratégia já se tinha ido embora.

Acontece precisamente o contrário.
Porque este Governo está em funções legítimas vai continuar a cumprir o seu mandado constitucional, porquanto o ir-se embora era faltar ao confronto democrático com António Costa, nas próximas eleições legislativas.
Ir-se embora, não era estratégia.
Estratégia - embora esta palavra no caso, seja imprópria - é ficar e na altura devida, constitucionalmente determinada, disputar eleições.
Ir-se embora era uma cobardia política e, que se saiba, ninguém gosta de ser cobarde.

Lamento, por isso, que António Costa sugira como estratégia a debandada de um Governo eleito pelo povo. 
A um homem de Estado suou a falso o eco destas palavras.
Que ele não esqueça que - mal ou bem - o Governo que ele gostava de ver de costas cumpriu o resgate que o  PS teve de pedir ao estrangeiro e, agora, se devia unir, porque as gerações seguintes têm o pesado encargo de pagar os juros contraídos.

E ninguém se pode ir embora!
Todos vamos ser precisos, incluindo António Costa e todos os políticos de boa vontade e com Portugal no coração.
Que nenhum político esqueça a tarefa que temos em frente!

VIII Estação - Jesus e as mulheres de Jerusalém


As mulheres compassivas que seguiam de perto
a Tua caminhada, ante os modos bruscos dos soldados
soltavam, amarguradamente,
gritos de dor em cada um dos passos que davas
vergado ao peso do madeiro.

Apiedaram-se do Teu sofrimento
e do modo sofredor mas sereno
como prosseguias o caminho,
lamentando o tormento que carregavas
sem que elas entendessem a culpa.

E Tu, Senhor,
efectivamente, inocente de tudo quanto se passava,
num dado momento ergueste para elas os teus olhos fundos
e pediste-lhes:

(...) não choreis por mim,
chorai antes por vós mesmas e por vossos filhos. (1)

Profeticamente, nestas palavras
estava presente a dor futura de todas as mães de Jerusalém
aquando da destruição daquela cidade ingrata
que Te levava à morte.

À morte aviltante, que era o espectáculo da cruz dos condenados
como acontecia com os dois que fechavam o cortejo daquele dia:
Gestas e Dimas, que haviam de configurar junto de Ti
a maldade e o arrependimento.

Profeta até ao derradeiro instante,
de que são exemplo as palavras que disseste às mulheres
de Jerusalém, quiseste vincar que mesmo no sofrimento
e na maior das hecatombes
é possível erguer os olhos e dar conselhos:

Não choreis por mim...
Chorai antes por vós...
Chorai por aquilo que virá de mau para a vossa cidade...
para a insensata Jerusalém que repudiou e matou os profetas.

O ódio vesgo havia cegado todos aqueles que Te haviam julgado.
Nada podiam ver... e, no entanto, em cada um dos passos que davas,
muitas vezes empurrado por eles,
eram eles mesmos, que sem  saberem,
estavam a ajudar a edificar o Trono de Deus,
fundado sobre o Teu sofrimento
em cima da Cruz do Calvário.













Obrigado, Senhor, pelo Teu sacrifício.
Perdoa de todas as vezes que vejo passar, derrotado,
o meu irmão e caminho indiferente.
Sobretudo, sem olhar aquele que passa
a caminhar sob o peso duma cruz que finjo não ver!

Perdoa, Senhor, de todas as vezes
que procedo assim,
sem sequer levantar os olhos
como fizeram - ao ver-Te passar - 
as mulheres piedosas de Jerusalém!



(1) - Lc. 23, 28

A riqueza: um mal quando passa de meio a fim.



Imagem captada com a devida vénia de
www.dineroeinversiones.org


Para os católicos, os bens da terra são um meio, e o homem não só pode desejá-los enquanto meios, como também deve possui-los para manter o corpo e ajudar o espírito, como se depreende da leitura de S. Tomás de Aquino (Suma Teológica 2, 2 q. 83, art. 6), que nos dá com toda a autoridade que é reconhecida a este invulgar filósofo - na Igreja e fora dela - um conceito de peso que nos leva a concluir que a riqueza se torna um mal quando passa de meio a fim e absorve a actividade humana com prejuízo da prossecução dos fins eternos que estão sujeitos ao homem, para que ele possa usá-los de acordo com as suas necessidades, mas não para torná-los o seu fim.

No seu livro, CAPITALISMO, CATOLICISMO E PROTESTANTISMO, Amintore Fanfani, num dado ponto (pág. 101),  ao discernir sobre isto diz-nos o seguinte:

Intimamente ligada à ideia da riqueza como meio , acha-se a ideia da propriedade privada que, apesar de todos os católicos admitirem que a lei natural "determinavit in natura humana hoc, quod omnia essent communia" - ou seja, que ela (determinou que na natureza humana, que todas as coisas eram em comum) não é combatida, mas, pelo contrário, aceita por diversas razões - de acordo com a Suma Teológica 2, 2 q. 26, 66 arq. 2 e Leão XIII (Rerum Novarum, pág, 7 e seguintes), prossegue, dizendo, que o princípio de que "omnia communia sunt" (todas as coisas são mantidas em comum)  e a ideia da riqueza como meio, dão lugar a que se construa um conceito da propriedade privada muito temperado (...) para prosseguir, depois, perguntando:

Numa visão do mundo cujo centro é Deus, numa concepção da vida em que todas as coisas devem facilitar a ascensão do homem para Deus, é possível que os católicos admitam a defesa de um conceito de riqueza diferente? Se a natureza oferece as homens, neste desterro, uma escada ininterupta para subirem até Deus, podem os bens do mundo deixar de ser degraus dessa escada? (...)

Por conseguinte - afirma a seguir - até a riqueza é um dom de Deus, e daí que não seja condenável; mas não se deve procurá-la com tal intensidade que se esqueça a acumulação de tesouros no céu: importa andar com cuidado, porque " os cuidados do século e a sedução das riquezas afogam a palavra" , citando neste contexto o evangelista S. Mateus (6, 19) e (13, 22)


A grande valia deste lúcido livro de Amintore Fanfani é a demonstração - tal como é feita - entre o abismo que existe e faz fronteira entre o ideal católico e a conduta mercantilista dos agentes económicos e em geral, de toda a economia capitalista, que o autor, economista como era, não podia entender - não como o de retirar do capital os dividendos aceitáveis do ponto de vista social - mas fazer dele, como é feito, um meio de usura, tornando os homens que servem o capital sem rosto, apenas factores de trabalho, num tempo que devia ter para com o serviçal o respeito que lhe é devido.

Não se pode entender, por isso, que a economia desbragada que temos, advogue sem pejo a não intervenção reguladora do Estado, para impor o seu "liberalismo", cujo fim é a assunção da ruptura entre a religião e a vida, donde a passagem de S. Mateus acima aludida - como se fosse um ar sadio - serve, para além do valor social, humano e religioso que contém, para servir de travão a um certo destrambelhamento de que, hoje, como na época em que o livro foi escrito, a sociedade - agora mais globalizada - continua a ser enferma, quanto aos valores cristãos que, calculadamente, têm sido arredados das Constituições dos Países europeus.


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A gestão do tempo que Deus nos dá.



Deus é fiel... e nós como agimos na gestão do tempo recebido?


A marcar a paginação de um dos meus livros encontrei esta história - sem autor identificado - e sem eu saber o meio que a depositou nas minhas mãos.

Porque se trata de uma reflexão sobre o modo como, tantas vezes desperdiçamos o nosso tempo, sem cuidarmos como avisadamente nos aconselha Jean Commerson, que ele é uma locomotiva que nos conduz a uma certa estação na qual não há bilhetes de volta, o que, convenhamos, nos devia inquietar, na certeza que todos temos o direito - mas também o dever que nem sempre lembramos - de viver com inteligência o tempo de Deus nos deu para podermos usufrui-lo, pensando que no fim de uma qualquer viagem lúdica não podemos ficar parados por ser forçoso o retorno, tal como relógio que no fim de cada dia assinala sempre um dia novo.

O tempo devia ser entendido como a melhor prenda recebida numa embalagem  - sempre rica - mas que a nossa distracção nem sempre abre na hora certa, o que nos leva a concluir, que apesar de sabermos que o tempo nunca deixa parar o relógio em todos os dias da existência, o modo como o vivemos faz que existam casos em que o tempo não chega a tempo por via de não termos aberto - no tempo exacto -  a prenda recebida.

Mas vamos à história...

Imagina que tens uma conta num banco e que, esse banco, todas as manhãs adiciona à tua conta 86. 400,00 €. Esse estranho banco, contudo, não transfere o teu saldo de um dia para o outro, isto é, todas as noites apaga da tua conta o dinheiro que não gastaste.

Se tal te acontecesse, que farias?
Imagino que gastarias todos os dias o dinheiro que te era oferecido, não é?
Pois bem, esse banco existe mesmo! 
O seu nome é TEMPO e Deus é o dono desse Banco e eu, o Relógio Eterno, sou o gerente que ajo às ordens de Deus que todos os dias me manda depositar na tua conta 86.400 segundos. 
Podes usá-los como quiseres! 
Só não te permito que transfiras o que quer que seja para o dia seguinte. 
De facto não existe nenhum reforço do teu saldo diário. 
Dos segundos que eu lá deposito, aqueles que tu não usas são irremediavelmente inutilizados.


Sugere a história que todos os segundos devem ser utlizados, porque a vida sendo como é uma locomotiva que nos conduz a uma certa estação na qual não há bilhetes de volta, faz que seja de todo uma impossibilidade voltar atrás e refazer o caminho, razão suficiente para que vivamos os 86.400 segundos de cada dia com o fito nesta realidade, tendo-se em conta este outro e conspícuo pensamento de Hector Berlioz: O tempo é um grande mestre; tem, porém, o defeito de matar os seus discípulos, o que acontece quando desprezamos, quando devia ser utilizado, um só segundo que fosse.

Neste falhanço, se levarmos à letra o conceito do grande compositor, o tempo não perdoa.
Torna-se um assassino implacável.
Mas antes, já nós o fomos, matando-o às vezes, em tantas horas perdidas!


quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Se nos damos é porque amamos!



 Vê-me mais vezes e não me dês nada!


Racine, na terceira cena do 2º acto do drama "Bérénice" ante a separação física que o Imperador Tito se preparava para levar a cabo pelo facto de Bérénice não ser romana, coloca na sua boca  uma frase que condensa todo o dramatismo da cena: 

- Vê-me mais vezes e não me dês nada!



Não vem aqui o propósito de se fazer qualquer análise do drama da famosa peça de teatro, mas tão só, fixar a frase de Bérénice naquilo que ela tem do amor humano de um ser pelo outro, quando no simples acto de "dar" nos damos, fazendo, assim, que a preposição de "nos darmos" supera o "dar", porque este pode ser feito sem amor, enquanto o outro não pode existir sem que ele preencha por dentro do coração humano toda a carga da afeição que se sente, reveladora por excelência da dádiva sem recompensa que é uma entrega sem sofismas, onde cabe, por inteiro e com todo o propósito o pedido da judia Bérénice: 

- Vê-me mais vezes e não me dês nada.

Ou seja, depois de termos dado ao outro todas as nossas riquezas exteriores - onde vão, às vezes, de sobejo, as interiores - nada é preciso receber de bens palpáveis senão a imaterialidade do acto da visita, saldada no simples olhar que por si é a melhor riqueza que se pode receber.

Pessoalmente, senti isso, há das, quando uma arreliadora doença me prostrou na cama do Hospital, quer nas visitas que recebi, quer nas mensagens ou telefonemas, algo que me levou a meditar na frase desta heroína da peça teatral de Racine, porquanto, sem dizer textualmente a frase que ela diz no drama, passei a pedir e a dizer para comigo:

- Vinde ver-me, meus familiares e meus amigos. 
- Telefonai-me. 
- Mandai-me mensagens, porque em todos os vossos actos eu sinto o que gostais de mim!
- Vinde as vezes que puderdes!
- Não vos peço mais nada, para além disto!

Bérénice teve menos sorte que eu.

Ela que nada pedia a Tito viu-se afastada e colocada fora de Roma, enquanto eu me senti bem dentro do coração da família e dos amigos, porque todos eles "dando-se" como  o fizeram ultrapassaram - e de longe - a acção de "dar", que é. quantas vezes, o cumprimento frio duma norma social, mas onde falta, tantas vezes, o acto de amar o outro.


O inesperado acontece!



Gravura publicada pelo jornal já extinto "O Zé" 
de 10 de Dezembro de 1912


Tomando como fonte de inspiração a velha gravura de 1912 e olhando o tempo actual - utilizando uma imagem em que só mudam os personagens que o caricaturista da altura identificou com a arte da sua pena, pode concluir-se que aqueles três homens de joelhos, submissamente como convinha perante a Pátria prefigurada na Senhora altivamente vestida de vermelho, representam o universo humano de uma certa companhia - apostados em jurar fidelidade e a prometer um tempo novo - e com todo o respeito o admitimos, tão necessário que ele é - quando o "Diabo" sem que eles o tivessem suspeitado se lhes apresentou - ou foi apresentado pelas costas - como ele costuma fazer, e deixou-os a todos incrédulos e sem credibilidade perante as juras já feitas...

 - E, agora?

Só porque "os burros é que não mudam" - como disse um dia um antigo chefe daquela companhia - há que fazer juras novas... mas esse é que pode ser o problema, perdido o crédito que até parecia ter pernas para andar!


quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Porquê, Senhor Dr. Mário Soares, tanta falta de senso?



in, jornal online "Observador"

A gente ouve ou lê mas custa a creditar que um ex-Presidente da República tenha expendido tanta falta de senso nas afirmações inauditas proferidas com um azedume indisfarçável conta a Justiça - corporizada no meretíssimo Juiz Carlos Alexandre - no final da visita que fez, hoje, a José Sócrates, em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Évora.

Por muito que lhe doa, a hora que vivemos não é a hora do políticos, mas é a hora da Justiça que em Tribunal, quando chegar o tempo sustentará os motivos que levaram José Sócrates a ser preso preventivamente, o que pressupõe que algo de muito grave impenderá sobre o arguido.

No ar - embora o termo "cabala" tão usado pelo PS no processo da Casa Pia - não tivesse sido dito, ficou, no entanto, para os mais avisados esse influxo discursivo, mas o Dr.Mário Soares tem de entender - até para seu bem emotivo - que o tema da "cabala" se deu frutos, esse tempo, presumimos, está a acabar em Portugal ou melhor dizendo, chamando à colação a sabedoria do povo: é chão que deu uvas!

É evidente, que neste momento o preso nº 44 do Estabelecimento Prisional de Évora tem todo o direito à consideração de inocência, mas daí, a ser concluir-se como o fez Mário Soares que "todo o PS está contra esta bandalheira" e que isto é um "caso político" é, em primeiro lugar, alargar a um todo - ou seja, à instituição respeitável do PS como Partido Político - o sentido de haver em acto, uma "bandalheira" como se a própria Justiça que retirou a liberdade ao ex-Primeiro Ministro agisse daquele modo inepto e em segundo lugar, misturar num caso que é, intrinsecamente do foro policial, um "caso político", quando altos dirigentes do PS, embora magoados com o que aconteceu, tenham em público separado as águas, enquanto o visitante do preso preventivo da cadeia de Évora, as misturou.

Penso que o não fez, ingenuamente!
Se estou errado, peço desculpa.

Eis, parte das palavras de Mário Soares:


Mário Soares assumiu a defesa mais acérrima de José Sócrates até ao momento, depois de uma visita de mais de uma hora à prisão de Évora. “Todo o PS está contra esta bandalheira”, disse o fundador do PS, acrescentando que a operação Marquês “não é outra coisa que não seja um caso político” e que “todo a gente acredita na inocência do ex-primeiro-ministro” – “menos o senhor”, referência ao jornalista que lhe dirigia uma pergunta.

“Isto é uma malandragem daqueles tipos que atuam mas que que não fizeram nada”, disse o ex-Presidente, referindo-se indiretamente à investigação. “Isto não tem nada a ver com os socialistas, tem a ver com os malandros que estão a combater um homem que foi um primeiro-ministro exemplar”. “Isto é tudo uma infâmia”, acrescentou também. “Afinal o que é que ele fez?” – questionou ainda.

Texto captado com a devida vénia do Jornal online "Observador"


O Dr. Mário Soares com estas palavras abriu uma fenda no edifício da Democracia, o que fica muito mal a quem tanto fez pelo seu advento em 25 de Abril.
Portugal está, efectivamente, doente, porque estão doentes os seus senadores de que ele é um expoente - que sem gosto meu - constato, que tem vindo a perder o meu respeito.  

É evidente, que ninguém quer um País justicialista em que a Justiça se sobreponha à Política, mas o que se quer e é bem-vinda é que exista uma Justiça que não deixe sem castigo - quando existirem - políticos que abusaram dos seus cargos em proveito próprio, caso que em relação a José Sócrates tem de ser provado em Tribunal e que nunca mais, se admita, como possível o contrário: que a Política se sobreponha à Justiça, como aconteceu em tempos ditatoriais que não podem voltar, não fazendo, por isso, qualquer sentido a insinuação torpe - que se vai ouvindo - de que estamos a correr o risco de ter uma "República de Juízes", algo impossível em Democracia, mas o que parece, é que há quem comece a ter medo da actual Justiça.

Mas uma pergunta deve ser feita: 

Para o Dr. Mário Soares, quem são os malandros que estão a combater um homem que foi um primeiro-ministro exemplar?
Ele devia ser obrigado a nomear os "malandros" e não atirar coisas destas sem ter por perto quem lhe imponha o contraditório.

Com esta visita a José Sócrates - compreensível e do ponto de vista humano muito meritória, tratando-se de amigos - foi pena, contudo, que não tivesse evitado os comentários despropositados porque nada acrescentaram à sua pessoa e são um encargo a mais para ser gerido pela actual Direcção do PS.


domingo, 23 de novembro de 2014

O Drama do Calvário continuará vivo para sempre!



O Descimento da Cruz

in, "Revista Municipal" nº 46 - 3º trimestre de 1950
Acervo do Museu das Janelas Verdes



Quase nenhum dos grandes Poetas portugueses e estrangeiros deixou sem afinar, num dia qualquer, o seu estro no Grande Sacrificado da Cruz, porque todo o seu itinerário, divino para os crentes que vêem n' Ele o culminar das profecias desde Isaías (809 - 689) a. C.) a Miqueias (757-698 a. C.) - para citar apenas estes dois - que desde tempos imemoriais anunciaram o nascimento de Jesus-Filho de Deus, sua Paixão e Morte Dolorosa, até aos que, não o sendo, respeitam o Homem e a sua peregrinação de caminhante exemplar, singularmente empenhado com o seu semelhante, seu irmão espiritual, pelo poder pela graça de Deus que Ele incarnou.

No quadro "O Descimento da Cruz" em que as figuras são apresentadas de rostos contrictos a serenidade do Senhor Morto depois do atroz sofrimento a que os verdugos O sujeitaram contrasta com o aspecto das restantes, incrédulas por tudo quanto lhe  acontecera, sem cuidarem, que só Ele sabia do que lhe havia de suceder logo após aquela última visita a Jerusalém.

No nosso panorama literário, Sebastião  da Gama, fez de Cristo no seu livro "Cabo da Boa Esperança" um retrato, possivelmente dos mais belos da poesia portuguesa, não tanto pela abordagem que faz do drama do Calvário, mas por tudo o que deixa de um modo lúcido e perfeitamente dirigido à meditação que é preciso fazer de tudo quanto ali aconteceu e  deve interrogar cada um de nós.

Eis o que nos diz o Poeta:


CRISTO

Á  minha cabeceira o Cristo morre
de puro dó. Silenciosamente,
da cabeça caída para a frente
um fio de sangue, ainda vivi, escorre.

Puseram-m'O ali como um remorso.
Não quiseram matá-lo de uma vez,
p'ra m'O porem ali como um remorso.
Tem os olhos abertos. Tristes...., tristes...
E a Sua boca quase que me fala,
como quem repreende meigamente.

Quando me vou deitar, já nem O olho.
Apago a minha vela bruscamente,
p'ra não ver os Seus olhos que me doem
como um remorso antigo.

Por que não ficou morto no Calvário,
apodrecendo aos Astros indiferentes?
Por que veio acabar para o meu quarto,
com estes olhos suaves que me acusam,
com estes lábios tristes que me pedem
que O não deixe morrer tão sem razão?

Tem quase dois mil anos o meu quarto.
E em mais de mil das noites destes anos
eu apaguei a vela p'ra não ver
a agonia do Cristo, que me acusa.

Mas Ele rasga a escuridão da Noite.
Mas Ele rasga o sono em que me oculto
e vem, solto da cruz a que o prendi,
continuar, no fundo da minh'alma
Seu estertor.
Seus olhos brilham mais, na escuridão...
P'ra de todo morrer,
como que espera apenas o segundo
de eu Lhe pedir perdão.


Nota: Poema incluso no livro: "Poesia e Teologia" 
de Cón. António de Azevedo Pires


             

O poema de Sebastião da Gama é, efectivamente, uma profunda meditação do homem de hoje, mas que, com o mesmo sentido cristológico a vai buscar a todos os homens que se sucederam nas gerações pós-Cristo, porquanto Ele, ressuscitado, não deixa de incomodar as consciências que revêem as suas atitudes - nem sempre consonantes com o Grande Sacrificado - razão que levou o Poeta a declarar, que Ele morre à sua cabeceira, a ponto de o levar a dizer - Tem quase dois mil anos o meu quarto - e em todas as noites - dos tais dois mil anos - é bruscamente que apaga a vela para não ver os olhos do Cristo que continua vivo a rasgar a solidão da Noite...

Não deixa de ser sintomático que no quadro "O Descimento da Cruz" o rosto de Cristo Morto pareça o mais vivo de todos, porque Ele assim ficou e assim continua para o entendermos e seguirmos, o que levou Sebastião da Gama a deixar no ar a pergunta inquietante: Por que não ficou morto no Calvário?

Pela simples razão e o Poeta bem a sabia - que O Cristo que havia à sua cabeceira fazia que o seu quarto - como o quarto de todos nós -  tenha quase dois mil anos, porque Ele está vivo para nos fazer sentir como um remorso o facto de assim, nem sempre O não sentirmos.

É este remorso que levou o Poeta - como ele confessa - a apagar bruscamente a vela do seu quarto para não ver a agonia de Cristo, para nos deixar um alerta de quanto é preciso, para bem do homem colectivo não negar mas viver tudo o que Ele nos deixou de amor por todos os homens, um motivo ponderoso por que Ele continuará para todo o sempre a rasgar a escuridão da Noite e o sono onde se ocultam os indiferentes a quem Ele quer e deseja dar o seu perdão!


sábado, 22 de novembro de 2014

"Vós sois o sal da terra"



O Sermão de Santo António aos Peixes - Azulejo do século XVII
in, "Revista Municipal" (Lisboa) - 1º trimestre de 1985




Esta célebre peça oratória do Padre António Vieira data de São Luís do Maranhão (Brasil) em 1654 e tem como fulcro a disputa entre os jesuítas e os colonos, por causa da escravidão a que os índios eram sujeitos.

Trata-se duma alegoria em que o grande jesuíta se dirige aos peixes dado o facto de não ser ouvido pelos homens, que deviam comportar-se como o sal, quanto ao tempero que era preciso haver nas relações humanas, servindo-se da alegoria para louvar os peixes virtuosos e na inversa, repreendendo os que o não eram.

O sermão começa com uma frase retirada do Evangelho de S. Mateus (5, 13): Vós sois o sal da terra ( Vos estis sal terrae), e começa o insigne pregador a perorar sobre o longo sermão do seguinte modo:

Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. 

Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. (...)




Que é isto de ser o sal da terra?

É uma frase atribuída a Jesus e captada por um dos seus evangelistas, precisamente para nos relatar o ensinamento divino entroncado na nossa actuação na vida concreta da sociedade em que estamos inseridos, no sentido de lhes dar sabor, agindo assim como um dever humano.

E das duas uma quando tal não acontece, pois como disse o Padre António Vieira ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar, motivo suficiente que nos leva a admitir que se a terra - que em sentido figurado é entendida como sendo a sociedade no seu todo - se é avessa a deixar-se salgar o que é preciso fazer é que o sal, ou seja a pessoa em si mesma ou as estruturas sociais, precisam de rever a atitude como se estão a comportam para melhorar o conjunto, que em termos gerais é entendido como a necessidade que existe em dar sabor ao modo com se actua, individual ou em grupos devidamente estruturados.

Que belo e profundo é o velho e sempre actual "Sermão de Santo António aos Peixes" de tal ordem que é, no campo das ideias e da observação dos homens, que deveria ser de leitura obrigatória.