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segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O Regicídio de 1 de Fevereiro de 1908 e "O profeta da Revolução"




 Abílio Manuel Guerra Junqueiro (1850-1923), nalguns círculos intelectuais e políticos por onde ele, numa fúria anti-religiosa e monárquica espalhou em catadupas letais o fel do seu verbo cáustico e da sua poesia de combate, ficou conhecido pelo cognome de  "O profeta da Revolução", por ter sido o revolucionário inspirador da acção concertada logo nos primórdios, com influência em Antero de Quental, Teófilo Braga e Oliveira Martins - todos da mesma geração -  e  que havia de levar ao assassinato do Rei D. Carlos e do seu filho o príncipe real D. Luis Filipe.

Agora que a República se prepara para festejar o dia 1 de Fevereiro de 1908, lembrar Guerra Junqueiro faz todo o sentido, por terem partido dele, em primeiro lugar, as setas venenosas que feriram de morte a Monarquia, que no dizer do próprio rei D. Carlos "era uma Monarquia sem monárquicos".

No seu livro FINIS PATRIAE, que é um libelo contra o vergonhoso "Ultimatum" lançado contra Portugal a partir da sua velha aliada, a Inglaterra, depois de atribuir toda a culpa ao rei, servindo-se do seu próprio nome, Carlos Fernando Luis Maria Victor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão de Bragança Sabóia Burbon e Saxe-Coburgo-Ghota, retira o apelido Simão, e passa a chamar-lhe "o caçador Simão" fazendo alusão ao desporto da caça do qual o rei era um fiel  praticante.

Guerra Junqueiro após o abandono do convívio mundano do grupo dos "Vencidos da Vida" (1),  tendo-se convertido no mais agressivo propagandista dos ideais republicanos, compôs o venenoso poema intitulado, O CAÇADOR SIMÃO, composto em 8 de Abril de 1890, e que ele dedica a Fialho de Almeida, constituiu com esta famosa composição poética uma crítica acerba dedicada "ad hominem", à pessoa do rei D. Carlos recentemente entronizado (19 de Outubro de 1889), tendo a mesma  aparecido publicada  em diversos jornais de Lisboa e na revista "Pontos nos ii" de Rafael Bordalo Pinheiro.

O poema, na sua frieza e acidez política,  expressa-se assim:

Jaz el-rei entrevado e moribundo
Na fortaleza lôbrega e silente...
Corta a mudez sinistra o mar profundo... 
Chora a rainha desgrenhadamente...

Papagaio real, diz-me, quem passa?
– É o príncipe Simão que vai à caça.

Os sinos dobram pelo rei finado...
Morte tremenda, pavoroso horror!...
Sai das almas atónitas um brado,
Um brado imenso d'amargura e dor...

Papagaio real, diz-me, quem passa?
– É o príncipe Simão que vai à caça.

Cospe o estrangeiro afrontas assassinas
Sobre o rosto da Pátria a agonizar...
Rugem nos corações fúrias leoninas,
Erguem-se as mãos crispadas para o ar!...

Papagaio real, diz-me, quem passa?
– É o príncipe Simão que vai à caça.

A Pátria é morta! a Liberdade é morta!
Noite negra sem astros, sem faróis!
Ri o estrangeiro odioso à nossa porta,
Guarda a Infâmia os sepulcros dos Heróis!

Papagaio real, diz-me, quem passa?
– É o príncipe Simão que vai à caça.

Tiros ao longe numa luta acesa!
Rola indomitamente a multidão...
Tocam clarins de guerra a Marselhesa...
Desaba um trono em súbita explosão!...

Papagaio real, diz-me, quem passa?
– É alguém, é alguém que foi à caça.
Do caçador Simã


A mordacidade a que se mistura o ódio à Monarquia começa logo na primeira estrofe, ao acusar o príncipe herdeiro de não se importar com D. Luiz, o pai que agonizava e, até, bem longe de sentir as dores de sua mãe, D. Maria Pia, ele - o príncipe Simão vai à caça, o seu divertimento predilecto - para partir, depois, no seu verso firme causticando o profundo abalo patriótico sofrido com o Ultimatum, de que o rei D. Carlos não era responsável, mas tendo sofrido pela pena impiedosa de Guerra Junqueiro, não só o epíteto de mau filho e mau rei, onde faltava a responsabilidade política esvaída nas caçadas:


Papagaio real, diz-me, quem passa?
– É o príncipe Simão que vai à caça.

Sendo, poeticamente, um poema irrepreensível pela sua composição realista de um momento doloroso sofrido por Portugal, deixa ficar nos duetos a insensibilidade política do rei, expressa na pergunta feita ao papagaio real, mas é certeira, quanto do desejo político do poeta o ver morto na resposta que é dada pelo terceto que fecha o poema, bem diferente, quanto à resposta que é dada nos duetos, porque ali é exposto todo o ódio que Guerra Junqueiro tinha pela figura do rei, ao responder que quem passava - já não era o príncipe Simão que vai à caça - mas alguém, é alguém que foi à caça / do caçador Simão, como viria a acontecer em 1908, pelas mãos assassinas dos regicidas.
Leiamos a pergunta que continua a ser "inocente", Papagaio real, diz-me, quem passa? - e  meditemos na resposta feroz:

É alguém, é alguém que foi à caça.
Do caçador Simão!...

Temos, assim, que se a profecia de Junqueiro falha no número dos matadores, não falhou no pretendido: a liquidação física do rei.
Nunca se compreenderá, perfeitamente o ódio de Guerra Junqueiro, que chegou ao ponto de incitar o regicídio, como veio a acontecer. 
Fica a dúvida legítima do porquê daquele azedume ao partir do homem que foi deputado pelo Partido Progresssita - no tempo da 2ª fase do Rotativismo  (1878-1900) -  íntimo do 1º Conde de Arnoso, Bernardo Pinheiro Correia de Melo (1855-1911) e fidalgo da Casa Real e  próximo de outras pessoas, como o Conde de Ficalho, Francisco Manuel de Melo Breyner (1837-1903), par do rei e Mordomo da Casa Real.

Cumpre, pois, registar o cumprimento frio e sem piedade do desaparecimento terreno de D. Carlos, tornando-se Guerra Junqueiro um responsável indirecto - mas profícuo - nas mãos  dos regicidas,  Alfredo Costa, um modesto caixeiro numa loja de Lisboa e Manuel Buiça, ex-sargento de Cavalaria - apoiantes incondicionais de António José de Almeida - que servindo de "testas de ferro" a Carbonária e a Maçonaria que Machado Santos (2) apelidou de a "mãe da Revolução" decidiram dar caça ao "caçador Simão".



No fim da vida, o Poeta, arrependeu-se de ter escrito "A Velhice do Padre Eterno" mas não sabemos se se arrependeu de estar na génese que conduziu à morte de dois homens, que o ódio, por mais profundo que seja, nunca deve justificar.

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(1) - O grupo incluía, entre outros, José Duarte Ramalho Ortigão, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, António Cândido Ribeiro da Costa, Guerra Junqueiro, Luís de Soveral, Francisco Manuel de Melo Breyner (3.° conde de Ficalho), Carlos Félix de Lima Mayer, Carlos Lobo de Ávila, Bernardo Pinheiro Correia de Melo (1º Conde de Arnoso) e António Maria Vasco de Mello Silva César e Menezes (9.º conde de Sabugosa). Eça de Queirós integrou o grupo a partir de 1889. (in Wikipédia)

(2) - António Machado dos Santos foi militar e político. É considerado o fundador da República, tendo em conta a sua acção bélica em 5 de Outubro de 1910 e, mais tarde, contra a intentona dos monárquicos de 22 a 24 de Janeiro de 1919, na serra de Monsanto.


domingo, 26 de janeiro de 2014

O "demagogo"



in, Domingo Ilustrado de 15 de Fevereiro de 1904

Todos sabemos que em política a verdade nem sempre se diz.
Mas há que haver alguma compostura, para não se cair no ridículo.
O "demagogo" é uma figura ridícula.
È o que  António José Seguro anda a fazer, tentando enganar os incautos, sem se aperceber que está a meter o PS em sarilhos e perda de votos.
Recentemente o Primeiro-Ministro, Passos Coelho, disse claro e bom som que em Maio de 2014 não vai haver um "milagre económico", não se tendo comprometido, inclusive, com quaisquer datas de devolução de alguns cortes cometidos nas pensões e salários.
Foi preciso nas palavras e para quem o o quis ouvir falou direito e responsavelmente, bem ao contrário de António José Seguro, que pela demagogia das sua palavras vai para três anos que - ele sim - anda a contar aos portugueses um mundo de ilusões, tentando, com o seu estilo de "vendedor de feira" enganar os que gostam de o ser.
Continua a cobrir de ridículo a sua figura.
Descontente com a realidade - que embora magra - aponta para alguma saída do buraco onde ele mesmo também ajudou a meter Portugal em seis anos de desvario, com a sem cerimónia que costumam ter todos os demagogos deturpou as palavras de Passos Coelho, de que este andava a vender ilusões, quando ele disse que ainda há muito para fazer para Portugal sair da crise.
Será que este homem pensa que todos os portugueses são imbecis?
Será que a sua mentira desesperada não lhe causa calafrios?
Será que não sente na falácia - como se em política tudo valesse - que ela é, feita ao jeito de quem, deliberadamente, se assume um deturpador das palavras?
O PS merecia mais e melhor. Gente mais responsável.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

3º Domingo do Tempo Comum - 26 de Janeiro de 2014 - Ano A


Quando Jesus ouviu dizer que João Baptista fora preso, retirou-Se para a Galileia. Deixou Nazaré e foi habitar em Cafarnaum, terra à beira-mar, no território de Zabulão e Neftali. Assim se cumpria o que o profeta Isaías anunciara, ao dizer: «Terra de Zabulão e terra de Neftali, estrada do mar, além do Jordão, Galileia dos gentios: o povo que vivia nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam na sombria região da morte, uma luz se levantou». Desde então, Jesus começou a pregar: «Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos Céus». Caminhando ao longo do mar da Galileia, viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes Jesus: «Vinde e segui-Me e farei de vós pesca-dores de homens». Eles deixaram logo as redes e segui-ramn’O. Um pouco mais adiante, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, que estavam no barco, na companhia de seu pai Zebedeu, a consertar as redes. Jesus chamou-os e eles, deixando o barco e o pai, seguiram-n’O. Depois começou a percorrer toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, proclamando o Evangelho do reino e curando todas as doenças e enfermidades entre o povo. (Mt 4, 12-23)

Senhor Jesus:
Propositadamente,
aproximaste-Te de nós,
no tempo em que tudo começou
na antiga Galileia dos gentios,
porque era para eles,
em primeiro lugar,
a Boa-Nova que trazias.

Mas Tu, Senhor Jesus,
continuas vivo 
a percorrer as margens
da imensa Galileia do mundo de hoje,
porque sabes o que falta fazer
para implantar o Teu Reino,
aqui, nesta "Galileia das Nações"
aturdida com mil palavras
que, em tantos lados, nada dizem de Ti.

Faz, Senhor, que a Tua Luz
penetre por entre a amálgama
de tantas encruzilhadas 
onde vivem pagãos.

Continua a percorrer as margens
do mar imenso desta Galileia,
e chama por mim, se entenderes
que posso servir-Te.
Isso Te peço, porque sei,
que, embora valendo pouco,
se for Contigo, me ensinas o modo
como ser forte... sendo fraco!

O "génio do mal"



Gravura do Jornal "O Xuão" de 9 de Fevereiro de 1909

As duas personagens que o caricaturista colocou nos pratos da balança e que parecem preocupados, não se dão conta que por cima deles há uma figura estranha - uma força colossal que incarna o "génio do mal" - que mais não é, que o sentimento nacional do caloteiro a empurrar sempre para baixo o prato da dívida sistémica a passar para a geração seguinte, desde os tempos do Senhor Fontes Pereira de Melo - que no dizer sábio do povo "teve mais olhos que barriga"...



Eis, ainda hoje, a imagem do Portugal democrático.
Em 40 anos não conseguimos equilibrar os pratos da balança.
Por três vezes estendemos a mão à caridade alheia, o que não seria um mal se tivéssemos aprendido com o gesto, refreando gastos e corrigindo atitudes, não fora o "génio do mal" que nos persegue como uma praga, como  um vírus endémico que continua a actuar no fiel da balança sempre a empurrar - como se vê na velha gravura -  o prato do desequilíbrio orçamental, algo que no tempo democrático se acentuou muito mais, quando havia de ter sido o contrário, se o Portugal de Abril - como alguns gostam de dizer - tivesse sido um Portugal com siso e não tivesse continuado a ser o Portugal das benesses e do compadrio, acrescido, agora, com os "direitos adquiridos" que têm de ser mantidos, ainda que com dinheiro emprestado.
É o que tem acontecido.
Neste momento - Janeiro de 2014 -  a diferença entre o que produzimos e o que gastamos apresenta, ainda, um défice de cerca de 5%, após tantos sacrifícios pedidos ao povo.
O que falta fazer?
Cortar no que foi prometido: nas "gorduras do Estado" localizadas na tripeça onde se assentam os três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário e não cortar, como tem acontecido no que está mais à mão: no povo.
É que cortar neste, é uma cobardia política, sobretudo no povo reformado, inerme, por não ter qualquer poder.
Eis, porque, falta cumprir a "Reforma do Estado", cortando as suas despesas permanentes, diminuindo a sua dimensão, algo que continua por fazer na dimensão necessária, de modo a equilibrar as contas públicas.
Temo que não haja força no actual Governo.
Temo que se tenham esquecido do que prometeram, mas devendo lembrar-se, que o povo nas suas duas vertentes sociais - activo e reformado - não se esqueceu da promessa, farto como anda de sofrer os cortes vindos da parte do Executivo, sem que os veja onde haviam sido prometidos.


quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Troca de Corações!


Porei a minha lei no seu interior e a escreverei no seu coração; e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. (Jr 31, 33); E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne. (Ez 36, 26)


Deus nada faz sem sentido, porquanto, para Ele tudo tem um significado espiritual e de tal modo preciso, que tudo nos é revelado, se para tanto nos empenharmos em saber mais sobre a Palavra que nos é transmitida cheia de graça e sabedoria.
O profeta Jeremias que viveu num período difícil do povo de Israel com o fim do reino de Judá e a destruição, pelo poder babilónico, de Jerusalém (587-86), torna presentes as palavras eternas de Deus, porque Ele na sua infinita misericórdia está sempre disposto a escrever no nosso coração a sua Lei, como o fez, no seu tempo, dirigindo-se ao povo de Israel, pelo que, com a graça da regeneração todo o coração pode ser mudado, tornando-se herdeiro de Deus, algo que em Ezequiel fica perfeitamente claro e definido, se lermos com atenção o pequeno excerto que vai em epígrafe.

Com a troca do coração de pedra por um coração de carne, renasce o homem novo, o que nos leva a concluir que temos dois corações: o de pedra - que não aceita o poder da graça - e o de carne que inconformado com o mundo, ao deixar-se transformar pela renovação espiritual aceita o poder do Espírito Santo  e, assim, se torna apto, no dizer se S. Paulo para discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito (Rm 12, 2)

Temos, assim, que o homem-novo para onde aponta, espiritualmente, todo o ensinamento de Jesus através do Evangelho, mais não é, que a troca de corações que em si mesmo todo o homem é chamado a fazer, abandonando o de pedra e passando - pela força do seu baptismo - a viver com o seu coração de carne adquirido e acarinhado com o Poder do Espírito de Deus, que desde logo começa a fluir para ele como se fosse um rio destinado a encher o mar de cada homem, inundando a sua natureza divina e capacitando-o a operar maravilhas.

Para isto fomos criados: Para termos um coração novo e um espírito novo, porque se assim não acontecer é pelo coração que morremos, ainda que estejamos vivos, razão que nos leva a concluir pela justeza de toda a Verdade de Deus escrita no nosso coração, porque Ele - impondo-a - como se lê no testemunho do versículo de Jeremias a que aludimos, o que pretende é salvar todos os homens, algo que fica espiritualmente definido da assunção do baptismo, em que, é pelo novo nascimento que nos tornamos irmãos uns dos outros e membros da Família de Deus, dotados da sua mesma natureza e imortais, no sentido de nos podermos salvar, unidos ao sacrificado da Cruz.

Claro que temos a liberdade de não escolhermos o novo nascimento.
É uma opção.
Mas esta, embora deixe no homem o seu coração de pedra não se livras de Deus o procurar por toda a vida, o que explica - e de uma forma bem clara - o motivo pelo qual se salvou o ladrão que agonizava ao lado de Jesus e conseguiu a glória do Paraíso.
Deus é o nosso eterno Procurador.
Em Jeremias não se coíbe de dizer que ele escreverá a sua Lei no nosso coração e em Ezequiel, vai mais longe: dar-nos - á um coração novo e, pelo baptismo, porá em cada um de nós um espírito novo, porque para nosso bem não pode haver velharias de ferro-velho que só atrapalham a nossa caminhada pela carga a mais que transportamos.

Deixemos, pois, que Deus opere a troca de corações e que, cada um viva como seu coração de carne habitada pelo Espírito Santo, na certeza que, embora ínfimos apóstolos que somos, se abrirmos o nosso coração sem embustes, sobre cada um de nós, o que aconteceu com os Apóstolos no Dia de Pentecostes, aconteceu connosco no dia do nosso baptismo e, portanto, a partir daquele momento a habitação do Espírito Santo não nos chega por meio de maravilhas e milagres, mas pela fé, porque Deus permite a todos aqueles que crêem no Evangelho, que este, ao ter sido cumprido pela vinda de Jesus a este mundo e pelo seu próprio Baptismo, nos deu, pelo poder da graça - e para sempre - a troca de um coração de pedra por um coração de carne onde palpita o dom da vida através do influxo do Espírito Santo.

Fé e Razão


Há uma inteligência tão superior que, comparados com ela, todo o pensamento e todas as acções humanas não são mais do que um reflexo insignificante.
Einstein


No tempo actual, muito cheio, ainda, das teorias iluministas surgidas no século XVII através de  racionalistas da estirpe de  René Descartes e Baruch Spinoza e políticos, como  Thomas Hobbes e John Locke, é  marcante em muitos dos campos da ciência, a fé virada ostensivamente contra o  poder da razão.

No dia 14 de Setembro de 1998, o falecido Papa João Paulo II publicou a Encíclica:  “A fé e a Razão” (fides et ratio) e cujo título introdutório, é: “Conhece-te a ti mesmo” Quem sou eu? Donde venho e para onde vou? Porque existe o mal? O que é que existirá depois desta vida? Estas perguntas encontram-se nos escritos sagrados de Israel, mas aparecem também nos Vedas e no Avestá. São questões que têm a sua fonte comum naquela exigência de sentido que, desde sempre, urge no coração do homem: da resposta a tais perguntas depende efectivamente a orientação que se imprime à existência.

Postos perante esta clarividência que desde sempre animou a existência do homem o “atrever-se a conhecer” proposto por Kant no século XVIII, integra-se na fonte comum naquela exigência de sentido que, desde sempre, urge no coração do homem, mas que necessita de uma resposta não só baseada no racionalismo, mas no conhecimento da Verdade sobre o seu destino e esse conhecimento ou se adquire com alguma dose de humildade – do tipo da que nos deu em 1934 o grande cientista Einstein e acima transcrita – ou, se não for assim, o homem há-de passar a sua vida preso a um positivismo racional, mas cujas saídas são incompletas e imperfeitas, pela simples razão que todo o conhecimento tem de se basear no equilíbrio que existe entre a fé e a razão.

Diz, João Paulo II que, que a verdade alcançada pela via da reflexão filosófica e a verdade da Revelação não se confundem, nem uma torna a outra supérflua: Existem duas ordens de conhecimento, diversas não apenas pelo seu princípio, mas também pelo objecto. Pelo seu princípio, porque, se num conhecemos pela razão natural, no outro fazemo-lo por meio da fé divina; pelo objecto, porque, além das verdades que a razão natural pode compreender, é-nos proposto ver os mistérios escondidos em Deus (...).
Que mistérios são estes?
São os que a razão não alcança, por muito lógico que seja o raciocínio, porque o homem é em si mesmo um mistério que se entronca na sobrenaturalidade da condição humana que o faz pertença de uma ordem de conhecimento diversa da do seu conhecimento filosófico, devendo por isso, sem ter a sensação de se apoucar, reconhecer que a razão filosófica que o faz entender os fenómenos, fica subjugada às causas que os originam.
Que causas são estas?
São as que estão na origem da fé enquanto motor de coerência que acerta os movimentos com o poder da razão, porque a fé não se encontra de costas voltadas para ela,  bem pelo contrário, precisa de tal modo do raciocínio que não o pode dispensar para esclarecer o entendimento das coisas de um mundo complexo, que alguns querem tão matematicamente certo que o relógio humano pode viver toda uma vida sem jamais acertar as horas com o relógio do sobrenatural que o cerca, quer ele queira ou não.

Crer para entender, este é o lema que o homem deve colocar a si mesmo, partindo do princípio que a fé não é uma abstracção do espírito, mas antes, um acto consciente da inteligência que leva muitos homens a recusá-la – não a usando para aceitar o incognoscível, mas usando-a para não se comprometerem com aquilo a que ela obriga, não pensando que ao pôr recusas ao acto de acreditar em Deus, tornam-se livres para o mundo que os rodeia, mas deixam-se aprisionar a eles mesmos, porque bem no íntimo de cada homem a fé é algo que vive sempre,  agrilhoada ou não.

É falso, por isso, a incompatibilidade entre a razão e a fé, porque se a existência da razão é uma actividade consciente do homem, a fé, enquanto - convicção de factos que se não vêem  - como disse S. Paulo (cf Hb 11,1) é, também, um compromisso consciente e que ao comprometer a razão lhe dá sentido. É, por isso, que se na filosofia a razão objectiva que é racional em si mesma, aceita que o objecto do conhecimento deva ser racional, a razão subjectiva, advoga que o sujeito do conhecimento ou da acção deva ter fundamentos de tal modo racionais -  como se depreende do facto de haver  factos que se não vêem - e que do encontro das duas razões surja. por fim,  a harmonia entre estas duas racionalidades.

Entrar pela porta estreita



Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela. (Mt 7, 13)



Neste tempo secularizado que sentido tem falar de Jesus?
Eis uma pergunta de cunho radical que muitos colocam à fé de quem acredita no Homem-Deus e aos quais é preciso dar uma resposta consequente.
Dir-se-á, que ganha hoje todo o empenho – como nunca aconteceu - falar de Jesus, neste momento inquietante que a Humanidade vive, apostada como está numa licenciosidade sem freio que está minando os alicerces espirituais onde se fundam os melhores princípios básicos da moral social.

Servimo-nos de um texto de S. Lucas ( 13, 22-30) que nos apresenta  Jesus num dado tempo e lugar, num momento em que Ele percorria cidades e aldeias a caminho de Jerusalém e ao ser interpelado por um ouvinte, respondeu a uma pergunta sobre a salvação, tendo no acto proferido as seguintes palavras: Porfiai por entrar pela porta estreita; (…).
O que é isto da porta estreita?
Radica-se esta imagem num facto incontroverso.
A Mensagem de Jesus destina-se aos homens de todos os tempos, sendo desde o princípio portadora de um anúncio de salvação, embora, como hoje acontece se defronte com a provocação de uma sociedade massificada, opulenta e instalada, que vê nesta porta estreita um entrave aos seus prazeres imediatos.

A cidade secular não entende isto, porque ébria que está de um mundo devasso, entende que tem todo o direito de procurar por todos os meios a porta larga, por onde possam entrar sem peias todos os  desvarios mais torpes e atentatórios da dignidade humana.
Eis porque faz todo o sentido falar de Jesus.
E citá-lo naquilo que é o fundamento da sua apresentação aos homens: levá-los a discernir de uma vida sem freio, onde se perdem as melhores virtudes e daquela que lhe pode dar meios de salvação, entendendo-se por isto, que se trata de os salvar dos atoleiros em que um mundo pouco escrupuloso os podem conduzir.

É preciso, pois – é até, urgente – chamar ao nosso mundo o Homem de Nazaré, morto pelos homens das portas largas a quem Ele propunha uma vida de portas estreitas e que eles recusaram a todo o custo, como hoje acontece, entre nós, a ponto de poder dizer que uma parte da nossa sociedade, dita erudita e letrada, não hesitaria em O crucificar de novo para poder continuar com a devassidão das suas vidas.

Chamemos o homem secularizado do nosso tempo à razão.
É preciso encontrar equilíbrios e estes vão beber por inteiro no discurso cristão, onde mora o sentido do amor verdadeiro do homem pelo homem e, onde, o discurso da porta estreita é, apenas, mas fundamentalmente, uma chamada às profundezas do homem que é bom por natureza e deve ser chamado, se perdeu o sentido, a empreender o retorno a uma caminhada mais condizente com o seu estatuto moral.
Jesus não abdica do sentido que nos deixou.

E a porta estreita, afinal, pode ser – se o homem quiser – a grande porta de entrada numa Humanidade diferente, mais respeitadora do homem de si para si mesmo e deste para todos.

A Sabedoria da Cruz


A última palavra da sabedoria está na cruz. Os judeus rejeitaram Jesus porque entenderam que sua morte era um sinal bem claro de que Deus não estava com ele. Para eles, o fracasso visível, a perseguição e a morte no martírio constituíam um claro sinal de que Ele estava enganado. Para eles, o sinal de Deus era o êxito. Para Jesus, no entanto, o sinal próprio de Deus era a morte na cruz: a vitória de Deus está na fé do perseguido até mesmo na morte do martírio.
O sinal de Deus é a ressurreição do mártir e não sua libertação da morte. Uma libertação após a morte e não da morte. Quem aceita a realidade da cruz e reconhece nela o caminho de Deus tem a sabedoria de Deus.
J. Comblin - in, Jesus Cristo e sua Missão


Quem não entende a pureza destas palavras é sinal de que o seu espírito anda fora do conhecimento de Deus e do facto da Cruz, que Ele transformou na imensa sabedoria que ofereceu aos homens, predispondo-os a não terem o comportamento dos discípulos de Emaús, que só ante o mártir – no gesto do partir do pão - viram o sinal que lhes fora dado, sem antes, terem compreendido os sinais que aconteceram.
Os judeus, efectivamente, nem antes, nem depois, acreditaram.

Para eles, firmados na sua apostasia, a morte no martírio constituía um claro sinal de que Ele estava enganado, sendo, no entanto, o caminho conhecido que Jesus levou até ao fim, porque a sua libertação da morte, constituiria o grande sinal da omnipotência de Deus, e que haveria de manifestar-se de um modo claro e inequívoco no dia de Pentecostes.
Jesus conduziu sempre a vida em ordem ao Pai.
O meu alimento é fazer a vontade d'Aquele que Me enviou e realizar a Sua obra. (Jo 4,34).
Este alimento é o mesmo que Ele disse à samaritana, junto do poço de Jacob, como sendo uma herança que deixaria aos seus discípulos, onde a água viva seria, entre os homens, após a Sua morte a força espiritual que os animaria na fé, pois, vai chegar a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade, pois são esses adoradores que o Pai deseja (Jo 4,23).
A cruz estava no caminho. Não podia haver fugas.

Na Cruz, Jesus revela definitivamente, a união hipostática que lhe vinha desde o momento da Encarnação e lhe conferia o dom único de ser homem e Deus ao mesmo tempo. Na oração proferida no Getsémani, a reacção que teve iguala-se à nossa perante a dor violenta
A grandeza de Cristo é, pois, ser um de nós: Pai, tudo te é possível, afasta de mim este cálice – é a natureza humana que fala – para concluir, logo a seguir - tomando a natureza divina – Contudo, não se faça o que Eu quero mas o que Tu queres. (Mc 14, 36), isto é, cumpra-se em Mim o sinal que é preciso dar aos homens, que não passava só, pela morte dolorosa, mas, sobretudo, pela ressurreição do mártir.
Aqui reside na sua plenitude a sabedoria da Cruz.

A morte física de Jesus resume magistralmente toda a infinita sabedoria divina como obra de salvação, onde o Crucificado é a eterna força de Deus que já havia inspirado o seguinte ditame: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me (Mt 16, 34).
É um convite explícito feito ao homem para que abandone os vícios que atormentam a alma e venha atrás dos caminhos de salvação que Jesus deixou e, onde, a crucificação dos pecados é o caminho da ressurreição para uma  vida nova, através do sinal que é a morte física de Jesus, para ressurgir, depois,  para a Vida Eterna

Quem reconhecer nisto o caminho de Deus tem a sabedoria de Deus. 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

2º Domingo do Tempo Comum - 19 de Janeiro de 2014 - Ano A


Naquele tempo, João Baptista viu Jesus, que vinha ao seu encontro, e exclamou: «Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. É d’Ele que eu dizia: ‘Depois de mim vem um homem, que passou à minha frente, porque era antes de mim’. Eu não O conhecia, mas foi para Ele Se manifestar a Israel que eu vim baptizar na água». João deu mais este testemunho: «Eu vi o Espírito Santo descer do Céu como uma pomba e permanecer sobre Ele. Eu não O conhecia, mas quem me enviou na baptizar na água é que me disse: ‘Aquele sobre quem vires o Espírito Santo descer e permanecer é que baptiza no Espírito Santo’. Ora, eu vi e dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus». (Jo 1, 29-34)

Eis aqui 
o Cordeiro de Deus!
E João Baptista apontou-o
à multidão.

Eis, aqui, Aquele de quem eu dizia
que passou à minha frente,
porque, - e João falou do que sabia - 
Ele era antes de mim!

Eis, aqui, o Homem.
O Cordeiro pascal que veio
para nos salvar!

Eis, aqui, Aquele sobre o qual
- João Baptista e tantos mais - 
viram o Espírito Santo descer
prefigurando numa pomba,
que é sinal de Paz!

Eis, aqui, o enviado de Deus
para carregar 
com todos os nossos pecados!
Eis, aqui, Aquele que é mais forte
que o pecado, 
porque Ele é o Filho de Deus,
como disse João!

João Maria Baptista Vianney (Santo Cura d'Ars)



"Quanto mais uma alma se desapega de si mesma pela resistência às suas paixões, mais ela se une a Deus; e, por um feliz retorno, mais o bom Deus se une a ela; Ele a olha, Ele a considera como sua esposa, como sua bem-amada; faz dela o objecto de suas mais caras complacências, e fixa nela sua morada para sempre." (São João Maria Vianney)

João Maria Baptista Vianney, que se tornou conhecido por Santo Cura d’Ars (1), desde cedo desejou ser sacerdote, num tempo sacudido pela Revolução Francesa, e num local - a sua cidade natal de Dardilly - onde se vivia um paganismo centrado na negligência e abandono da prática religiosa. Este homem invulgar depois de ter sofrido em 1791, a brutalidade da imposição da “Constituição Civil do Clero” que coagiu os sacerdotes a um juramento cismático - corte com o Papa e  obediência àquele documento, sob pena de prisão ou morte -  com a família, tinha ele 5 anos, deixou de assistir às celebrações dos padres “juramentados” e passou a ouvir as clandestinas, celebradas em granjas e celeiros por padres “refractários” - os que recusaram o juramento cismático -  recebeu de um deles a primeira comunhão, apenas aos 13 anos, naquele clima de perseguição e terror que o marcou para toda a vida, desde logo na sua longa caminhada para o sacerdócio iniciada em 1803 e culminada em 1815 depois de muitas hesitações - não dele - mas da hierarquia, como é conhecido. Tinha, então, 29 anos e não tardou a ser designado para a cidadezinha de Ars, onde chegou em 1818 e haveria de a tornar universalmente famosa.

Encontrou em Ars, um vilarejo rural afastado de toda a espiritualidade cristã, na peugada do que havia acontecido, anos atrás, em Dardilly e que tanto havia incomodado a sua piedade nos alvores da sua mocidade.
Como havia o Cura de Ars (cura era o nome que designava, na época, um padre de aldeia) a chamar, de novo, as pessoas ao desafio do catolicismo?
Valeu-se da oração que centrava todos os dias na sua profunda espiritualidade, desapegando-se de si mesmo e, logo, como consequência, cada dia mais ligado ao pequeno mundo onde a Igreja o colocara, tendo a certeza que ao viver assim, a sua alma se unia a Deus, que num feliz retorno - como disse - mais o bom Deus - havia de a recompensar pela dádiva que fazia em prol das ovelhas tresmalhadas que havia na seu rebanho de Pastor, para quem pedia a conversão, ajoelhado durante horas defronte do Santíssimo Sacramento, santificando-se para poder santificar os que bem conhecia pelo nomes e não conhecia pela frequência dos Sacramentos.

A Igreja de Ars pelo abandono a que fora votada não atraía o exercício da espiritualidade dos seus naturais,  algo que ele, ao reformá-la, como fez, embora apontado em Lyon, pelos lojistas sacros onde ia fazer as compras - como o padre magro e o mais mal arranjado - de pouco se importava com os dichotes, desde que levasse com ele algo que não só lhe permitia embelezar a Casa de Deus, como permitia que ela fosse acolhedora para os seus humildes camponeses.
Dizia fervorosamente que,  muitas vezes basta a vista de uma imagem para nos comover e converter. Não raro as imagens nos abalam tão fortemente como as próprias coisas que representam,  acompanhando isto, que não era pouco, com a solicitude para com a juventude, que durante os terríveis anos da Revolução crescera ignorando as mais comezinhas práticas de piedade e os rudimentos da fé, atraindo-os para a prática do Catecismo, que não tardariam a ser conhecidos nas redondezas como os mais bem instruído da região.

Nas suas pregações, em geral, os deveres de cada um para consigo, para com o próximo e para com Deus, eram a tónica.
Conta-se que ficou famosa uma resposta dada a um paroquiano mais distante da espiritualidade que ele empregava nos seus sermões, onde daquele corpo franzino a sua voz saia em tom alto:
- Por que é que o Sr, Padre fala tão alto e quando reza fala tão baixo?
Ao que ele respondeu:
- É que quando prego, falo a surdos, e quando rezo falo a Deus, que o não é.
Este homem que em vida foi um santo mendigo por amor dos seus paroquianos e da Paróquia que serviu, foi tornado venerável em 30 de Outubro de 1872; beatificado em 8 de Janeiro de 1905 pelo Papa Pio X ficou «patrono de todos os sacerdotes» e no primeiro dia de Novembro de 1924 foi canonizado pelo Papa Pio XI, na Praça de S. Pedro, tem como MO o dia 4 de Agosto, para que a sua vida exemplar fundada numa rara espiritualidade ajude todas as almas a caminhar para Deus.
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(1) - Ars-sur-Formans é uma comuna francesa na região administrativa de Ródano-Alpes, no departamento de Ain, situada ao norte de Lyon.

Viscondessa dos Olivais





D. Maria Rosa da Veiga Araújo
Viscondessa dos Olivais
Gravura segundo uma fotografia
in, Revista “O Ocidente” XV Volume, nº 490 – 15º Ano
1 de Agosto de 1892 


Da Revista “O Ocidente” acima referida, com a devida vénia transcreve-se, ipsis-verbis – com a grafia corrigida  - uma notícia sobre o falecimento ocorrido em 25 de Junho de 1892 desta insigne benemérita dos Olivais.
Do conjunto urbano destacava-se, na época, a Casa Viscondessa situada num dos topos da praça, constituindo um edifício de dimensões consideráveis, com quatro portões no piso térreo e nove janelas de sacada com varandins de ferro no piso superior.
Este edifício, datado de 1866, foi adquirido por D. Maria Rosa da Veiga Araújo, que aí fundou em 1896 um asilo para crianças pobres. Actualmente, funciona no local uma creche e jardim de infância, pertencentes à Fundação D. Pedro IV.


D. Maria Rosa da Veiga Araújo, viscondessa dos Olivais, viúva do primeiro visconde do mesmo título, nasceu na freguesia de S. Lourenço de Macau, em 1823, filha de Joaquim José Ferreira da Veiga e de D. Rosa Joaquina Paiva,
A sua vida foi sempre um exemplo das mais sãs virtudes, quer no seio da família, quer no meio da sociedade, devotada ao bem como a maior satisfação do seu coração bom e generoso, lidando sem cessar na cruzada da caridade, ideal da sua grande alma que toda se comprazia em tão santa prática.
Dirigindo a srª viscondessa dos Olivais por muitos anos o asilo da Lapa, pertencente à sociedade das Casas de Asilo, quis em 1866, fundar um asilo seu, mantido pela sua bolsa e sob o mesmo regime dos asilos da referida sociedade.
Escolheu para esta fundação a freguesia dos Olivais, às abas de Lisboa, onde naquele tempo não existia uma só casa de educação e muito menos de beneficência.
Foi este um monumento que levantou em vida, em benefício de tantas crianças que ali recebem o pão so espírito e do corpo, e que para a ilustre finada constituía os seus melhores cuidados, a sua maior satisfação.
Era de ver a alegria com que todos os anos, no dia 24 de Maio celebrava o aniversário daquela casa de caridade, onde repetidas vezes ia assar horas em companhia das crianças, dizendo que preferia ir ali, a ir ao teatro de S. Carlos, sentindo-se muito mais feliz no meio das educandas do seu asilo, do que em camarote de ópera, entre as galas de uma récita de festa.
Este simples traço desenha o perfil moral da benemérita senhora a que a “Sociéte de l’encoragement au bien” de França distiguiu, em 1886, com uma medalha de honra pelos serviços prestados à humanidade.
A srª viscondessa dos Olivais tinha uma das mais vastas lavouras de Portugal, na margem direita do Tejo, onde se cria grande quantidade de gado cavalar e touros, e se fez em larga escala a cultura de cereais, tendo adoptado nestas suas propriedades os instrumentos mais modernos da agricultura.
Desprendida das galas e vaidades do mundo, a modéstia era a norma do seu viver, e uma das cláusulas do seu testamento foi a de que o seu funeral se fizesse sem pompa, desejando antes os sufrágios espirituais do que as pompas vaidosos dos crepes funéreos.
O asilo fundado nos Olivais por esta senhora ocupa um edifício suficientemente vasto, como se vê na gravura publicada a pág. 172, o qual foi comprado por 2:500$000 elevando-se esta cifra a 5:177$032 reis depois de feitas as obras necessárias para o adaptar ao efeito e de mobilado convenientemente.


Tem uma ampla aula, em que as crianças estão sentadas num anfiteatro de modo que são facilmente vigiadas pela professora. Uma outra sala ao lado é destinada a sala de escrita. O refeitório é uma grande sala, com mesas e cadeiras baixinhas próprias para as crianças e um lavatório para se lavarem depois da refeição. Do refeitório passa-se para a quinta, toda cultivada e onde há um recinto para recreio das educandas.
Este asilo ministra ordinariamente instrução primária a 50 crianças, tendo além destas mais 10 extraordinárias, que só recebem ensino, por seus pais não precisarem que o asilo as alimente.
As crianças do sexo feminino podem frequentar o asilo até aos 14 anos e as do masculino só até aos 8, pelo que, é claro, que as que mais aproveitam do ensino são as meninas.
As educandas entram no asilo às 9 horas da manhã e tem aula até àhora e meia da tarde. Depois segue-se o jantar e depois deste o recreio até às 3 horas, principiando então o ensino de costura e lavores até às 6 horas e meia, no verão  e no inverno até às 5 horas.
A regente e professora do asilo é a Ex.ma Srª D. Joaquina Rodrigues Franco, que muito obsequiosamente nos prestou todos os esclarecimentos sobre esta casa de educação, quando ali fomos para esse fim. (...)
Apesar do asilo fornecer vestuário às crianças para saírem em formatura e bibes para estarem no asilo, a sua instituidora repartia amiudades vezes vestuário às educandas, premiando ainda aquelas que mais se distinguiam pela sua aplicação e comportamento.
Algumas das educandas saídas deste asilo são hoje professoras de colégios em freguesias vizinhas.
A benemérita fundadora deste asilo legou-lhe 14.000$000 reis para a sua manutenção, deixando determinado em seu testamento, que o mesmo asilo seja entregue às Casas de Asilo para o administrar. Além deste legado deixou mais 400$000 rs, para serem aplicados no asilo.
Deste modo ficou garantida a existência desta casa de educação, que tantos desvelos mereceu à sua fundadora.
A população dos Olivais reconhecida à memória da excelente senhora que tantos benefícios lhe dispensou, associou-se espontaneamente à ideia iniciada por alguns cavalheiros da localidade, para que se celebrassem solenes exéquias por alma da srª viscondessa dos Olivais.
Os cavalheiros que promoveram aquela solenidade religiosa, foram, o reverendo pároco, sr. Gonçalves Sanches, srs. conselheiros Motta Veiga, Serra e Cardoso.
As exéquias celebraram-se na igreja paroquial no dia 26 de Julho, assistindo a elas todas as educandas do asilo com a digníssima regente e grande concurso de povo.
Ainda bem que a gratidão dos povos se afirma deste modo para com aqueles que lhe dispensam tão desinteressados benefícios, porque assim se prova que, apesar do egoísmo destes tempos que vão correndo, ainda vale o ser bom.
Caetano Alberto.



Como nota histórica desta velha localidade de Lisboa, sabe-se que o Campo da Feira, nas traseiras da Igreja passou a denominar-se Rossio e, hoje, Largo Viscondessa dos Olivais.
O Rossio foi traçado logo após o terramoto de 1755 que destruiu a Igreja Paroquial, onde só o cruzeiro ficou intacto. A Igreja, segundo o que sabemos, foi reconstruída logo a seguir.

O Rossio viu, então, crescer nas suas imediações os primeiros arruamentos: a Rua das Casas Novas, a Calçadinha dos Olivais e a Rua Nova, tendo sido beneficiado  em 1891 – de um chafariz de tanque circular e de um coreto em ferro fundido, assente sobre uma base de tijolo, onde a Sociedade Filarmónica União e Capricho Olivalense, criada em 1886, realizava concertos.

No aspecto litúrgico, acompanhando os festejos musicais, a que não eram estranhos os cuidados do proprietário da fábrica de estamparias, Francisco Alves Gouveia, faziam-se festas em honra de S. Sebastião, onde as ruas, a igreja e a Praça da Viscondessa se enfeitavam.

O palacete da Viscondessa dos Olivais, era no seu tempo, uma casa emblemática cuja traça embelezava, sobremaneira, o Rossio, como ainda hoje, apresenta na vetustez da sua construção sinais evidentes da real importância urbanística que ostentou, pelo porte construtivo, mas, sobretudo, pela obra de bem-fazer que a sua proprietária nela instituiu.
O desejo testamentário da fundadora do asilo dos Olivais, tem hoje cumprimento na Fundação D. Pedro IV, sendo conhecido com a Casa dos Olivais.



Antiga gravura da Vila dos Olivais (séc. XV)
ao centro a, ainda, actual Igreja Paroquial

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Festa do Baptismo do Senhor—12 de Janeiro de 2014 - Ano A



Naquele tempo, Jesus chegou da Galileia e veio ter com João Baptista ao Jordão, para ser baptizado por ele. Mas João opunha-se, dizendo: «Eu é que preciso de ser baptizado por Ti e Tu vens ter comigo?». Jesus respondeu-lhe: «Deixa por agora; convém que assim cumpramos toda a justiça». João deixou então que Ele Se aproximasse. Logo que Jesus foi baptizado, saiu da água. Então, abriram-se os céus e Jesus viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e pousar sobre Ele. E uma voz vinda do céu dizia: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência». (Mt 3, 13-17)


Ao ver Jesus misturado
entre a multidão que procurava
o seu baptismo como se fosse um pecador,
João Baptista resistiu
e interpelou Jesus com espanto.

Aparentemente, tinha razão.
Que tinha Jesus, sem mancha de pecado,
a ver com os outros homens?
Não lhe ocorreu o que ele sabia 
e de quem dissera que viria outro
mais importante que ele.
Precisamente, Aquele que lhe pedia o baptismo
e que viera para tirar os pecados do mundo.

E porque era assim,havia n'Ele 
uma solidariedade misteriosa com os pecadores,
solidarizando-se com eles.

Razão, porque, o baptismo de Jesus,
administrado por João, 
passou a ter vários significados:
A solidariedade.
A sua divindade reflectida na pomba
descida do Céu, para assinalar
o início de um mundo novo
pelo dom do Espírito Santo
que com Ele mostrou aos homens 
a Santíssima Trindade 
desde sempre anunciada!