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sábado, 30 de agosto de 2014

Um poema de António Feijó (1859-1917)




 In, Wikipédia


ÍNTIMA


Hora crepuscular, pálida e triste…
No luxuoso salão, como um desmaio,
O sol, pela janela que entreabriste,
Dizia-nos adeus no último raio.

Ficámos um momento extasiados,
Vendo as glórias do poente moribundo,
E os nossos pensamentos enlaçadps
Fugiam na visão dum outro mundo.

Os lábios nem sequer se agitavam,
Comprimindo suspiros inefáveis,
Mas quando os nossos olhos se cruzavam
Faziam confidências adoráveis.

E assim ficamos deliciosamente
Sem escutar, na mística abstracção,
O movimento isócrono e plangente
Dum antigo relógio de salão.

Caía a noite, no silêncio amigo,
Do céu profundo como azul ferrete;
Deram seis horas, e o relógio antigo
Fez ouvir um graciosos minuete.

E aqueles sons um eco despertaram,
Que nos encheu de angústia e de saudade…
A saudade dos tempos que passaram,
A vaga nostalgia de outra idade.

E nesses largos sonhos impolutos,
Que diríamos nós, Alma insofrida,
Para imobilizar esses minutos
Que nunca se repetem nesta vida!




António Feijó deixa-nos perceber neste poema a existência de dois belos retratos.

Não apenas, o da tarde que caía num poente moribundo, mas também, o da Alma insofrida do Poeta que em pinceladas hábeis como que esculpem num mármore de finíssimo recorte a intimidade insinuada nos olhos que se cruzavam para deixar impressas as confidências adoráveis de dois seres que se entendiam, ao cair da tarde, sem dizerem uma só palavra.

Há, efectivamente, necessidade de silêncio nas nossas vidas, sem que isso seja um abandono dos sentidos ao que podem dizer as palavras, mas antes, um modo introspectivo de amar o outro - pondo no meio do silêncio - o espírito a elevar para o Alto a sensibilidade do momento que é preciso viver de vez em quando para podermos encontrar no mutismo as "tagarelices" inteligentes em que podem ou não existir saudades passadas ou nostalgias de tempos que se foram, motivos de encontros de almas, na certeza que é desses momentos que nunca se repetem nesta vida, que ela se torna mais íntima e mais necessitada de encontrar no silêncio do outro, o amor dos sonhos impolutos que é preciso viver.

É esta a lição de António Feijó.

Que ela sirva de mote e, com ele, construamos a glosa que se impõe, sobretudo, agora, em que os muitos barulhos do mundo chegam por demais aos nossos lares escancarados, quando deviamos fechar um pouco mais as portas e janelas dos noticiários prolixos e infindáveis que raramente nos contam cenas edificáveis, e em seu lugar encontrar momentos íntimos, ou seja, encontros de almas.


sexta-feira, 29 de agosto de 2014

El-Rei D. João II (1455-1495) presente em "O Monstrengo" de Fernando Pessoa!



in, capa do Livro de Elaine Sanceau


Armado cavaleiro por seu próprio pai el-rei D. Afonso V na tomada de Arzila no ano de 1471, o príncipe D. João herdou do seu ilustre bisavô - el-rei D. João I - o nome e a arte de governar, há quem afirme, antes do tempo em que tomou sobre si o poder real, a tal ponto que a História lhe viria a chamar " O Príncipe Perfeito".

Foi com os seus próprios olhos que viu Marrocos nas campanhas movidas por seu pai contra a moirama e o sonho de África acalentado desde jovem, revigorado com a conquista de Ceuta, de Alcácer Ceguer, Arzila e Tânger, que acompanhou "par e passo" havia de vir a despoletar nele as novas conquistas depois de dobrado o Cabo Não - de onde se "voltaria ou não" como era costume dizer-se na na época - um facto em que movido pelo ímpeto que lhe fervia no sangue, herdado do seu tio-avô, o Infante D. Henrique, havia de lhe caber, depois do Bojador e a restante costa africana abaixo das Canárias, a grande façanha da ultrapassagem do Cabo da Boa Esperança, ou das Tormentas.

É neste passo fundamental da grande gesta marítima do século XV que o seu nome de rei notável, aparece redodradamente notabilizado no Poema "O MOSTRENGO" de Fernando Pessoa, cinco séculos depois, o que prova que todos os homens - reis ou não - se cumprirem os fados que lhe cabem viver de acordo com a lei e o tempo, são merecedores de figurarem na memória das gerações vindouras.



Para sua honra e lembrança, aqui fica, estampado o poema imorredoiro que lhe dedicou o autor da "MENSAGEM", que bem merece ser lido, porquanto ele é um dos grandes testemunhos literários de um Poeta - que é dos maiores de Portugal - e que não se coibiu de cantar os feitos dos portugueses, ao invés de outros que nem sequer sabem por onde andaram os seus avoengos marinheiros que serviram o rei que teve a graça de dividir o "mundo em dois" com o Tratado de Tordesilhas...



O MONSTRENGO


O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»



quinta-feira, 28 de agosto de 2014

22º Domingo do Tempo Comum - Ano A (31 de Agosto de 2014)


 A SOMBRA DA CRUZ

Naquele tempo, Jesus começou a mostrar a seus discípulos que devia ir à Jerusalém e sofrer muito da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos mestres da Lei, e que devia ser morto e ressuscitar no terceiro dia. Então Pedro tomou Jesus à parte e começou a repreendê-lo, dizendo: “Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!” Jesus, porém, voltou-se para Pedro e disse: “Vai para longe, Satanás! Tu és para mim uma pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens!” Então Jesus disse aos discípulos: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois, quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la. De fato, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida? Porque o Filho do Homem virá na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com sua conduta
(Mt 16, 21-27)


A sombra da Cruz já se projectava
sobre o pequeno grupo que Te seguia,
mas ele ainda não havia entendido
o doloroso sofrimento a que estava sujeita
a natureza divina da Tua Pessoa.

Tudo, menos isso. Pensou Pedro.
E num dos seus arrebatamentos conhecidos, 
disse: Que isso nunca Te aconteça!

Foi, então, que revelaste 
o Mistério do sofrimento que Te aguardava,
convidando aquela pedra de tropeço
e todas as outras a irem contigo
num acto de renúncia das suas vidas
para glória da Cruz!














Senhor: 
ante o sofrimento, qualquer coisa em nós 
se debate e se revolta 
e no nosso subconsciente algo nos diz, 
que tal não vai acontecer.

Perdoa o medo que temos...
e como perdoaste a Pedro,
perdoa a nossa fraqueza e dá-nos a Tua força.

Que as Tuas Palavras,
sobre os que pensam salvar-se de qualquer jeito
e, afinal, se perdem da Salvação Eterna
vibrem em cada dia, e sejam um motivo
para Te seguir, porque só temos uma vida.
E todos temos, 
algum dia,uma Jerusalém destinada 
pelo Teu exemplo de Amor e Dor
para nossa redenção!


quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Os novos "Boi Ápis"


o "Boi Àpis" com a face de Fontes Pereira de Melo é transportado a caminho de S. Bento, após este ter sido incumbido pelo rei, em 1881, de formar um novo governo, na época do Rotativismo



Apenas vago no templo o lugar do boi Ápis, os sacerdotes de Memphis escolhem um novo boi, filho de sua mãe e de um raio de sol, e colocam-no entre colunas de pórfiro e de alabastro. sobre a erva sagrada, incumbindo-o de presidir aos destinos humanos, de predizer o futuro e de pastar em sossego para honra dos homens e glória dos deuses.

É esta a legenda, de acordo com a Mitologia egípcia, que está em rodapé na famosa caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro publicada em "O António Maria" no dia 6 de Janeiro de 1881, julgando-se que o andor é suportado por Rodrigues Sampaio, Barros e Sá e Hintze Ribeiro, aparecendo por debaixo o rei D. Luis.


Hoje, os tempos são outros.
Mas as personagens políticas se diferem nos aspectos da indumentária e outros afins, equivalem-se nos modos políticos aos do tempo em que os Regeneradores e Progressistas dividiam o Poder, alternando-se.

As de hoje, são, também, levadas para o Parlamento aos "ombros" dos que os acolitam e, até, do próprio povo que se alegra - e cai de joelhos imitando o que se passa na gravura - quando o seu Partido ganha as eleições, como se fossem organizações desportivas a que nunca se viram as costas, e não facções voláteis ao sabor de interesses em que os do País, são supletivos, tantas vezes!
Os novos "Boi Ápis" - conforme os designou Bordalo Pinheiro no séc. XIX - estão a perfilar-se para entrar para gáudio de quem os vai eleger, quer seja para S. Bento ou Belém.

E, neste aspecto, a velha gravura de "O António Maria" continua a fazer sentido, porque há apontamentos gráficos, ou não, que são intemporais.



Oração das Trindades: Um poema de Mons. Moreira das Neves





                            ÀS TRINDADES


                                        Tocou o sino às Trindades
                                        E eu ouvi a voz do sino,
                                        Sentindo em mim as saudades
                                        Dos meus tempos de menino.

                                        Era nessa branda hora
                                        De penumbras, ao sol-posto,
                                        Que eu via Nossa Senhora
                                        Mostrar-me o céu no seu rosto.

                                        Subiam fumos além.
                                        Era então que eu repetia,
                                        Mãos  nas mãos de minha mãe,
                                        Três vezes: - Avé Maria!

                                            in, Novos Cantares de Santa Maria




Lê-se esta poesia de Mons. Francisco Moreira das Neves e ficamos com a certeza do grande poeta mariano que ele foi, o que levou João Bigotte Chorão no Prefácio do Livro "Novos Cantares de Santa Maria" a escrever: Poeta mariano toda a vida, eis que, quando a tarde já vinha descendo sobre ele como outrora sobre os discípulos de Emaús, Moreira das Neves ergue de novo a sua prece e o seu cântico Àquela que é de todas as mulheres a mais digna de louvor.

Há nas três quadras um sabor à sua meninice em terras de Gandra - onde nasceu - e a cena que ele canta após o toque do sino às Trindades do entardecer, é toda ela uma recordação saudosa, não apenas das suas mãos enclavinhadas nas mãos de sua mãe, como nos deixa a recordação de um hábito, em grande parte perdido, quando, ao fim do dia, ao ouvir o sino, os aldeãos de todas as idades rezavam a Maria.

Mons. Moreira das Neves "pinta" na última das quadras uma tela de maravilha: Subiam fumos além - como era o fim do dia, das chaminés dos casais saía em rolos o fumo que assinalava a preparação da ceia - e, era, então, que ele, acompanhava com as suas mãos pequeninas, repetindo, como era hábito por três vezes a oração da Avé-Maria, tendo presas nas suas as mãos firmes de sua mãe.
A singeleza do quadro está retratado é pena, que esta poesia da cena expressa em versos, tenha perdido cantores.



Ainda me recordo deste hábito em terras da Beira Baixa, quando das minhas visitas à aldeia, onde tive a graça de ter nascido - e, como Moreira das Neves deixa transparecer no seu poema, era um menino - mas sem entender, verdadeiramente, o motivo porque via as pessoas exaltarem numa breve oração a sua fé, naqueles momentos bem definidos na roda do dia.
Um dia, minha mãe, explicou-me e ensinou-me a "Oração das Trindades" que hoje, infelizmente, esqueci por entre o bulício da cidade, onde aquele sinal cristão desapareceu.
Recordo isto com uma grande saudade, porque na ingenuidade da oração das Trindades o que havia de mais sublime era o respeito das pessoas, descobrindo-se e parando, se caminhavam, entregando-se a um profundo silêncio meditativo, onde entrava a oração pequenina que se rezava acompanhando o suave toque do sino.



Tive o prazer de conhecer este  insigne Sacerdote-Poeta.
Num certo dia em que se preparava para ser vivido em Fátima um "Encontro de Beirões" e os trabalhos logísticos e eclesiais se preparavam no Mosteiro de São Vivente de Fora, em Lisboa, transportei-o à extinta "União Gráfica" onde tinha o seu gabinete, onde fez questão de me levar.
Foi o princípio de uma boa amizade que a sua morte em 1992 truncou, sem no entanto a apagar da minha lembrança.

Profundo cantor da Mãe de Jesus, de que "Os Novos Cantares de Santa Maria" são um testemunho, ele mesmo escreveu o epitáfio que repousa, com ele, na sepultura de Gandra,  lembrando o "Poeta da Eucaristia" que ele foi.


                                       Aqui jaz quem nunca foi
                                       Milionário nem herói,
                                       Mas quis ser em alegria
                                       Apenas, em dor e amor,
                                       Cantor de Nosso Senhor,
                                       Poeta da Eucaristia!


Honra dos homens e glória a Deus pelo "Poeta da Eucaristia"!


terça-feira, 26 de agosto de 2014

Círculos uninominais: Razão e visão política de Alexandre Herculano





Quase 160 anos depois de Alexandre Herculano ter recusado uma eleição para o Parlamento de então - isto aconteceu em 1858 - na actualidade, um grupo de personalidades gradas portuguesas criou um manifesto a propor uma reforma urgente do sistema eleitoral, com a finalidade de combater um sistema politico viciado, que não respeita a escolha dos deputados que conhecem a região pela qual concorrem ao Parlamento, mas são escolhidos pelos directórios partidários.

O manifesto dá pelo nome "Democracia de Qualidade" e vaia ser apresentado em 27 de Agosto de 2014.

Os signatários inclinam-se para "um modelo de conjugação entre a eleição dos deputados em listas plurinominais e a introdução de uma componente de círculos uninominais", que "garanta sempre a proporcionalidade justa e impecável da representação parlamentar".

Clarividente, Alexandre Herculano advogou isto, mas os nossos homens públicos actuais não estão de acordo com a teoria da uninominalidade da eleição, pela simples razão que querem ser mais mestres que o grande mestre cívico que foi o eminente historiador que teve a arte de se refugiar em Vale de Lobos, farto de aturar os que no seu tempo, seguiam a cartilha, que salvas as devidas alterações programáticas, os de hoje, pretendem seguir contra a racionalidade política que não pode deixar de estar presente.


Eis o procedimento de Alexandre Herculano no já longínquo ano de 1858.


Carta aos Eleitores do Círculo de Sintra
de Alexandre Herculano


«A DESCENTRALIZAÇÃO É A CONDIÇÃO IMPRETERÍVEL DA
ADMINISTRAÇÃO DO PAÍS PELO PAIS»


Este texto de Alexandre Herculano é um bom resumo da sua teoria municipalista, que defendeu como salvaguarda das prepotências  do poder central, e que foi a ideia base da pesquisa histórica sobre a Idade Média que realizou. A defesa do municipalismo levou-o a condenar o Setembrismo, o Cabralismo e a Regeneração, como abastardamento ou negação do liberalismo, porque defensores do centralismo.  Para Herculano o alargamento da vida política à vida local era necessário para que «o governo central possa representar o pensamento do País», e por isso defende a eleição de campanário, isto é, a escolha do representante político em função do local onde esse representante vivia, e unicamente pelos eleitores locais, os únicos que conheciam os problemas do país real.

Ajuda, 22 de Maio de 1858

Sr. Redactor:

Tendo estado ausente no campo alguns dias por negócios particulares achei, voltando a Lisboa, retardada no correio a comunicação oficial da minha eleição de deputado pelo círculo 26. Decidido a não aceitar aquela honrosa missão, era do meu dever dar imediata razão de mim a quem assim me dera uma prova de apreço. Tardei talvez, mas a culpa foi involuntária. da sua amizade espero que, dando quanto antes lugar no seu jornal à inclusa carta, me ajude a remir de modo possível a minha falta.


Senhores eleitores do círculo eleitoral de Sintra.

Acabais de me dar uma demonstração de confiança, escolhendo-me para vosso procurador no parlamento: sinto que me não seja permitido aceitá-la.

Se tal escolha não foi uma daquelas inspirações que vêm ao mesmo tempo ao espírito do grande número, o que é altamente improvável, porque o meu nome deve ser desconhecido para muitos de vós; se alguém, se pessoas preponderantes nesse círculo, pelo conceito que vos merecem, vos apresentaram a minha candidatura, andaram menos prudentemente, fazendo-o sem me consultarem, e promovendo uma eleição inútil.

Há anos que os eleitores de um círculo da Beira, na sua muita benevolência para comigo, pretenderam fazer-me a honra que me fizestes agora. Um deles, um dos mais nobres, mais puros e mais inteligentes caracteres dos muitos que conheço, sumidos, esquecidos, nessa vasta granja da capital chamada – as províncias –, encarregou-se de vir a Lisboa consultar-me. Respondi-lhe como a consciência me disse que lhe devia responder, e o meu nome foi posto de parte. De Sintra a Lisboa, é mais perto, e a comunicação mais fácil, do que dos remotos e quase impérvios sertões da Beira.


Duas vezes nos comícios populares, muitas na imprensa tenho manifestado a minha íntima convicção de que nenhum círculo eleitoral deve escolher para seu representante indivíduo que lhe não pertença; que por larga experiência não tenha conhecido as suas necessidades e misérias, os seus recursos e esperanças; que não tenha com os que o elegeram comunidade de interesses, interesses que variam, que se modificam, e até se contradizem, de província para província, de distrito para distrito, e às vezes de concelho para concelho. Esta doutrina, posto que tenha vantagem no presente, reputo-a sobretudo importante pelo seu alcance, pelos seus resultados em relação ao futuro. É, no meu modo de ver, o ponto de Arquimedes, um fulcro de alavanca, dado o qual as gerações que vierem depois de nós poderão lançar a sociedade num molde mais português e mais sensato do que o actual, inutilizando as cópias, ao mesmo tempo servis e bastardas, de instituições peregrinas, que em meio século têm dado sobejas provas na sua terra natal do que podem e do que valem para manterem a paz e a ordem públicas, e mais que uma honesta liberdade. (…)

in, "O Portal da História"
O sublinhado é nosso.
É intencional, porque nele está reflectida a razão e a visão política do grande historiador, que infelizmente, a caturrice - para não lhe chamar outro nome - da classe política dominante, na actualidade, continua a ignorar, não para proveito do povo, a quem pedem o voto, mas para proveito próprio dos seus interesses imediatistas.
Pobre Portugal que continua a ter filhos que esquecem a lições dos seus maiores, dos tais que "se libertaram do sono da morte" e são símbolos que convém lembrar de vez em quando, para ver se a razão e a visão política se cruzam para bem da "rex publica".
Será que é possível que tal venha a acontecer?

sábado, 23 de agosto de 2014

21º Domingo do Tempo Comum - Ano A (24 de Agosto de 2014)


 Tendo Jesus chegado às regiões de Cesaréia de Felipe, interrogou os seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens ser o Filho do homem? Responderam eles: Uns dizem que é João, o Batista; outros, Elias; outros, Jeremias, ou algum dos profetas. Mas vós, perguntou-lhes Jesus, quem dizeis que eu sou? Respondeu-lhe Simão Pedro: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. Disse-lhe Jesus: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelou, mas meu Pai, que está nos céus. Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela;9 dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares, pois, na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus. Então ordenou aos discípulos que a ninguém dissessem que ele era o Cristo. (Mt 16, 13-20)


Senhor, Filho de Deus,
que vieste ao nosso meio, 
discreto e incógnito para um Mundo
que vivia longe das palavras dos Profetas.

As tuas perguntas continuam, hoje, vivas, 
na mente de todos os cristãos.
E continuam a ser pertinentes,
como a primeira:
"Que dizem de mim os que vós conheceis?"
Que Tu eras, João, o Baptista - disseram.
Ou, então, que Tu eras Elias, Jeremias 
ou, um outro qualquer dos profetas.
Mas veio, de seguida, a pergunta maior
que mais te interessava ouvir:

"Mas vós, quem dizeis que eu sou?"

Foi um verdadeiro desafio
a todos aqueles que andavam Contigo
sobre a autenticidade da sua fé.
É, então, que Pedro, te fez a afirmação
que é, desde então, a profissão de fé da Igreja,
na Tua Pessoa.
Tu, eras, "o Cristo, o Filho de Deis vivo".


Senhor Jesus:
Permite que a pergunta que fizeste a Pedro,
eu sinta, hoje, que a diriges a mim mesmo.
"Que pensas tu de Mim?"
"Que pensas a meu respeito'"
"Quem sou Eu para ti?"

E, depois, que a mim mesmo, pergunte:
"E Tu, quem és para mim?"...

Senhor: 
aceita a minha verdade, que se assenta
em cima das palavras de Pedro.
Não tenho a fé dele, mas tenho a fé da Igreja
que me diz e eu aceito, que Tu és "o Cristo"
o Filho de Deus, nascido da Virgem Maria
para a redenção do Mundo, ainda tão ignorante,
do Mistério que tu exaltas em nome de Deus Pai!



sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Deixar a outro a tarefa que nos cumpre fazer...




Era uma vez... (1)
É assim que começam todas as histórias, como esta em que entram quatro personagens designadas pelos seguintes nomes:

TODO O MUNDO
ALGUÉM
QUALQUER UM
NINGUÉM

Num certo dia, na oficina, era urgente fazer um trabalho inadiável. 
Perante a tarefa eis como procederam as personagens desta história. 

TODO O MUNDO convenceu-se que ALGUÉM iria fazer o trabalho e esqueceu a tarefa. QUALQUER UM viu a madracice do outro e embora o pudesse ter feito deitou-se a dormir, concluindo todos, por fim, que NINGUÉM vendo o descarte de todos os outros, nada fez.

E passou-se à discussão.

ALGUÉM, extremamente zangado, defendeu-se, dizendo, que a tarefa era para TODO O MUNDO, enquanto este, chamando a si uma razão que não tinha, disse "alto e bom som" que ela pertencia a QUALQUER UM, e irou-se contra ALGUÉM, quando, afinal, NINGUÉM teve o cuidado de fazer o que QUALQUER UM podia - e devia - ter feito.

A história é exemplar.
Reflecte à saciedade o que acontece quando deixamos ao próximo que ele faça o que nos cumpria fazer, donde resulta que não se faz o que devia ser feito...
Que nos sirva a lição!

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(1) - Interpretação livre da história que voz amiga me contou.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

O sentido social da Mensagem Bíblica



Capa do Livro de Igino Giordani


Muitas vezes, mesmo os cristãos, interrogam-se se a Mensagem de Jesus tem um sentido social a dar ao Mundo, ou se esta se situa, exclusivamente, no lado metafísico da sua aparição entre os homens.
É sabido que Jesus não foi um filósofo - no verdadeiro sentido do termo - e, muito menos, um legislador social, mas um doutrinador profundo, mas cujos ensinamentos não deixaram de marcar o tempo, sobretudo, a sua preferência pelos mais pobres.

Foram eles, efectivamente, que desde as primeiras horas que se seguiram ao conhecimento de um Ser Superior, tiveram a primazia - por ser um dever social - defendê-los da opressão dos Poder organizado ou daqueles que individualmente o exerciam.



Vejamos o que nos dizem alguns dos Livros do 
Antigo Testamento:


2 Reis 25:12
Porém dos mais pobres da terra deixou o capitão da guarda ficar alguns para vinheiros e para lavradores.

Ester 9:22
Como os dias em que os judeus tiveram repouso dos seus inimigos, e o mês que se lhes mudou de tristeza em alegria, e de luto em dia de festa, para que os fizessem dias de banquetes e de alegria, e de mandarem presentes uns aos outros, e dádivas aos pobres.

Provérbios 29:14
O rei que julga os pobres conforme a verdade firmará o seu trono para sempre.

Isaías 3:15
Que tendes vós, que esmagais o meu povo e moeis as faces dos pobres?

Isaías 10:2
Para desviarem os pobres do seu direito, e para arrebatarem o direito dos aflitos do meu povo; para despojarem as viúvas e roubarem os órfãos!

Jeremias 39:10
Porém os pobres dentre o povo, que não tinham nada, Nebuzaradã, capitão da guarda, deixou na terra de Judá; e deu-lhes vinhas e campos naquele dia.

Daniel 4:27
Portanto, ó rei, aceita o meu conselho, e põe fim aos teus pecados, praticando a justiça, e às tuas iniquidades, usando de misericórdia com os pobres, pois, talvez se prolongue a tua tranqüilidade


E do Novo Testamento

Mateus 19:21
Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me

Lucas 14:13
Mas, quando fizeres convite, chama os pobres, aleijados, mancos e cegos,

Lucas 19:8
E, levantando-se Zaqueu, disse ao Senhor: Senhor, eis que eu dou aos pobres metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, o restituo quadruplicado.

Romanos 15:26
Porque pareceu bem à Macedônia e à Acaia fazerem uma coleta para os pobres dentre os santos que estão em Jerusalém.




Aqui temos à evidência algo sobre a Mensagem Social Bíblica que a actual Doutrina Social da Igreja propõe aos povos de boa vontade em contraponto a um liberalismo desenfreado que julga ser possível servir ao mesmo tempo a Deus e ao seu contrário, como se a religião que defende tão belos princípios em defesa dos mais pequenos - os mais pobres - fosse algo a que o homem pudesse aceder, mas mantendo-a no lugar separado da ordem económica e política, como se ela que devia estar presente nestas duas realidades sociais não lhe coubesse o dever de intervir.

Um erro tremendo que estamos pagando caro, porquanto a religião para o liberalismo, desde a sua origem, é "um assunto particular" que o homem religioso não deve levar para o seu local de trabalho, onde, no entanto, tudo se pode discutir, desde o futebol às ideias políticas ou, até, a discussão sobre problemas de consciência, não cabendo, portanto, a intromissão da religião proposta pela Igreja fundada sobre o pilar de Jesus sugerir princípios morias, quando é nela que eles assentam desde a primeira aurora dos tempos, afastando-a deliberadamente de qualquer intromissão com o poder temporal, como se a justiça humana fosse um assunto que podia ser pregado  na Igreja, ao Domingo - e para isso o Liberalismo entendeu para sua própria  defesa não o impedir  - mas tal assunto com laivos religiosos não podia ser transposto para os restantes dias da semana.

Valha-nos a Verdade bíblica e os seus princípios e valham-nos todos os homens e mulheres que sem alardes religiosos fazem que esteja presente no Mundo -- sem uma só Palavra de Deus - o seu exemplo de amor pelos mais pobres fazendo com que se leia no seu testemunho, as Verdades do Amor de Deus sobre todas as criaturas.


domingo, 3 de agosto de 2014

Viver de novo "A Hora de Cristo"



Capa do Livro de Michele Federico Sciacca


A velha Europa atravessa uma hora decisiva.
Nesta travessia que é feita entre dois modos de pensar e viver a realidade, em que um deles se baseia, apesar dos tropeções que são bem conhecidos, na raiz humanista-religiosa e o outro, mais hodierno num pendor técnico-utilitário aguerrido na verborreia e na prática, parece que, ou os dois se entrosam numa dialética de compromisso, ou se corre o risco de vivermos o fim duma civilização.

Fica, no entanto de pé a esperança, das duas correntes do pensamento aceitarem que é chegado o tempo de viver, de novo, A Hora de Cristo, advindo daí, a necessidade de um mergulho profundo na herança e um tempo que envelheceu, porque os homens se têm esquecido da "práxis" que resulta do humanismo autêntico que se respira na "filosofia" dos Evangelhos.

Michele Federico Sciarcca no livro A Hora de Cristo, faz-se eco da necessidade de se absolutizarem os valores humanos que a ilusão deslocou a partir do século XVI, a partir do laicismo iluminístico-liberal para o marxismo-social, sem que, esse laicismo optimista tenha dado ao homem a "carta de alforria" procurada, mas antes, uma vivência alternada de crise em crise, com a que a Europa atravessa neste momento.

Este facto leva o autor a declarar que a crise que afecta o mundo moderno e contemporâneo é crise de fundamento, de um fundamento absoluto da verdade e dos valores humanos, "ruptura" entre Deus e o homem. A sociedade hodierna, exceptuando núcleos isolados, encontra-se "desintegrada", é como uma sociedade de homens intelectual e moralmente desintegrados: falta-lhe a unidade fundamental. (...)

E, neste ponto, o professor catedrático da Universidade de Pavia chama-nos a atenção para o absoluto da metafísica que o mundo moderno julgou poder dispensar, cometendo aqui um erro capital, porquanto tudo aquilo que está para além do que palpável devia constituir no homem a crença que o conhecimento da essência das coisas, devia esbarrar com as farroncas dos liberalismos que tudo querem explicar, sem contudo, saberem que a felicidade dos homens não existe do corte dom Deus, mas antes, do corte absoluto para onde a metafísica aponta, ou seja, para a inteligibilidade do existir, do conhecer e do querer saber sobre a verdade que o homem representa, que é de tal modo, que ele não pode - nem deve - coabitar com a mentira que lhe estão inculcando.

E esta Europa, porque esqueceu os valores metafísicos, ou se refaz nos princípios de uma nova Hora de Cristo e a vive em profundidade, ou não deixará de se alienar e ela mesma, a outros "valores" que vivem à espreita, como o caçador que de soslaio espera o coelho a sair da toca.



A "Fonte Castália"



Delfos 
(ruínas de um edifício circular do séc. IV a. C.)
in, "Lugares Lendários" edição da Verbo


"Enquanto o poço não seca, não sabemos dar valor à água."
(Thomas Fuller)

Citando um aforismo popular ele diz-nos que a água é a "fonte da vida" e sobre a riqueza da qual, verdadeiramente, só depois do poço secar é que lhe sabemos dar o valor, seja para nos dessedentar, como para as regas agrícolas ou para as lavagens comuns das coisas e do corpo.

Na Grécia Central. há cerca de 2.500 anos a.C. peregrinos de toda a parte da Pátria grega dirigiam-se ao local "sagrado" de Delfos, não só para consulta do "Óráculo", como, também, para se purificarem nas águas da "fonte Castália" que corria por debaixo do "santuário" dedicado à veneração de Gé, a deusa da Terra que tinha ali o seu oráculo.

O ritual impunha que os visitantes de Delfos, antes de interrogarem o oráculo se purificassem nas águas daquela fonte, que Ovídeo tornou famosas ao escrever nos "AMORES": Queira Apolo de ouro conceder-me taças cheias de água de Castália.

Dos bens maiores - senão o maior - que a Natureza deu ao homem, bem merecia deste um outro tratamento e das autoridades mais respeito pelo que ela representa e, antes de ser transformada numa fonte de lucro, que nalguns casos raia a ganância de riqueza rápida com um bem que a Naureza dá de graça - embora necessite de cuidados bacteriológicos - ela é o elemento ao redor do qual gira a vida do homem.

Conta um relato bíblico, que estando o rei David cercado pelas hostes dos filisteus, teve este desabafo: "Quem me dera beber da água do poço de Belém, que está junto à porta" (1 Cr 11,17). 

E a nós, que vivemos na cidade, mas viemos de lugarejos escondidos nas montanhas perdidas, quantas vezes nos lembramos da água de velha fonte da aldeia, imitando hoje, o velho desejo do rei de Israel.