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sábado, 31 de outubro de 2015

Uma lembrança de João de Deus


Capa da Revista "Occidente" de 8 de Março de 1895


Lembrar João de Deus, é hoje, como será em qualquer tempo, um acto de amor à justiça pelo muito que a sociedade do seu tempo ficou a dever ao Poeta e ao Pedagogo ilustre que ele foi.

Nos dias 8, 9 e 10 de Março de 1895, a Academia de Coimbra - incluindo a Tuna Académica da Universidade de Coimbra (TAUC) - estudantes de Lisboa e do Porto, uma grande massa popular, interpretando o sentir de Portugal inteiro, partiram do Terreiro do Paço, manhã cedo,  até à casa do poeta na Estrela.

Pelas dez horas da manhã o rei D. Carlos associa-se à homenagem e entrando na casa do Poeta condecora-o com a Grã-Cruz da São Tiago.

Todo o luzidio cortejo foi saudado pelo autor da famosa Cartilha Maternal desde a janela, tendo João de Deus, ouvido comovidamente, depois dos discursos, dos "vivas" e das prendas, a voz de Augusto Hilário - o célebre cantor de Coimbra - que ajoelhado em plena rua lhe cantou algumas das cantigas coimbrãs ao som da sua inseparável guitarra.

Em resposta, João de Deus da varanda de sua casa declamou de improviso esta célebre sextilha
 Estas honras e este culto
 Bem se podiam prestar
 A homens de grande vulto.
 Mas a mim, poeta inculto,
 Espontâneo, popular...
 É deveras singular!
  
Foi-lhe, proposto na sequência desta homenagem um título nobiliárquico que ele recusou, tendo aceite gostosamente a proclamação de "Sócio de Honra" da Academia Real das Ciências.

Na sequência da homenagem nacional, o Diário de Notícias, de 8 de Março de 1895, publicou o seguinte texto laudatório: João de Deus é uma das personificações mais belas do nosso carácter peninsular; vivo e indolente, devaneador e apaixonado, crente e sentimental. É uma flor do meio-dia, cheia de seiva e colorido, dos poetas e nunca ninguém sentiu entre nós mais ardente a sua imortalidade do que Bocage. Com que entusiasmo ele exclamava ao ver os seus versos elogiados na boca de Filinto: - Zoilos tremei; posteridade, és minha! Sob este ponto de vista, João de Deus é a antítese completa de Bocage. Este tinha a inspiração orgulhosa, cheia de fogo, rebentando quase num caudal de ironia e de sarcasmo. João de Deus tem a inspiração serena, espontânea, quase inconsciente. João de Deus é como a flor do campo, que rebenta formosa sem cultivo, velada apenas pela graça de Deus, o jardineiro supremo. As suas poesias são verdadeiras flores do campo, mas das mimosas, das encantadoras na sua singeleza, das que, guardadas num álbum, conservam perfeitamente a delicadeza da forma, o colorido transparente da corola, o aveludado do cálice, a disposição encantadora das pétalas.
in, Wikipédia


Gravura publicada pela Revista "Occidente" de 15 de Março de 1895
(Desenho de J.R. Cristino)

Com esta gravura são legendados os seguintes aspectos nela retractados:

  • Chegada do comboio conduzindo os estudantes de Coimbra à Estação do Rossio.
  • Chegada a Lisboa dos estudantes do Porto.
  • O cortejo académico desfilando na Avenida da Liberdade.
  • João de Deus à janela de sua casa recebendo as manifestações da Academia.
  • O sarau no Teatro D. Maria.
  • Ovação à saída do Teatro.

A sociedade do seu tempo, teve assim um gesto que devia ser mantido vivo, ou seja, homenagear os homens bons e grados enquanto vivos e não, piedosamente, lembrá-los depois de mortos.


Não destruamos a moral cívica!

Gravura publicada pelo Jornal extinto 
"O Zé" nº 186 - Outubro de 1913

Reza assim uma velha história:

No directório de uma certa Empresa o Director tinha sido escolhido pela maioria dos seus accionistas e, como tal, passado o tempo da escolha administrativa tomou conta do lugar como lhe competia, tomando assento no cadeirão respectivo e aprontando-se para o começo da regência do lugar.

Não teve tempo de o aquecer.

Uma rebelião inusitada, nunca vista naquele directório - de pouco se importando com a maioria dos accionistas - correu com ele, de nada lhe tendo valido o modo correcto como havia chegado à Direcção, porque os rebeldes sem respeito pela vontade dos accionistas - e de pouco lhe importando os lucros da Empresa - apearam-no do seu lugar violentamente, pelo que, tirando a moral da história, dir-se-á, em conclusão, que nunca devemos contribuir para a degradação dos costumes.

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Penso que esta história devia fazer parte de um compêndio de moral cívica, que penso, não poderá jamais deixar de existir na convivência humana, porquanto, é a partir dela que se constroem as sociedades adultas.

Dizer a sério o que dá vontade de rir!


in, Revista Juvenil "Foguetão" - 1962

É engraçado!
Há sempre alguém disposto a entrar no circo da Vida em qualquer tempo ou lugar, especialmente, os que adoram fazer de palhaços... mas, com a diferença que estes dizem a rir coisas sérias e, os candidatos, muitos deles, têm o defeito de dizer com ar sério aquilo que dá vontade de rir!

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Cinco normas a observar, segundo o Presidente da República


As cinco normas imposta pelo Presidente da República no dia 30 de Outubro de 2015, quando deu posse ao XX Governo Constitucional e que devem ser respeitadas por um outro  eventual Primeiro-Ministro, se o Governo empossado vier a cair na Assembleia da República pela conjugação dos votos do PS, PCP-PEV e BE.

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Pacto de Estabilidade e Crescimento

O Pacto diz que os estados-membros devem apresentar défices abaixo de 3% do PIB e a dívida pública não pode ultrapassar os 60% do PIB. Sempre que um país viola o tecto do défice, a Comissão abre um Procedimento por Défices Excessivos que obriga o respectivo País a corrigir a situação.

Tratado Orçamental

Os estados-membros que assinaram este Tratado – como é o caso de Portugal – têm mais um indicador orçamental para cumprir: alcançar um défice estrutural que não pode exceder 0,5% do PIB. O défice estrutural mede o verdadeiro esforço de consolidação orçamental de um país, porque desconta ao saldo orçamental os efeitos da conjuntura económica e as medidas extraordinárias. Este é o objectivo de médio prazo, cuja verificação do cumprimento admite excepções em certas circunstâncias.    

Six-pack

Introduzido em 2011 na União Europeia, esta legislação introduziu uma nova vertente de acompanhamento por parte da União Europeia aos estados-membros. Além da vigilância orçamental, que foi reforçada, passou a existir a vigilância das questões macroeconómicas. Para reforçar o controlo orçamental, foi definido o conceito de “desvio significativo” face ao défice estrutural. No que respeita às questões macroeconómicas, o objectivo da Comissão é monitorizar e corrigir desequilíbrios macroeconómicos. Portugal está abrangido por este tipo de vigilância. Na última análise a comissão defendeu que apesar dos progressos os níveis de endividamento são elevados e que existem pressões para que seja feita a desalavancagem na economia, tendo em conta os baixos níveis de crescimento, inflação e desemprego elevado.   

Two pack

Esta legislação obriga os países da zona euro na enviarem os seus planos orçamentais previamente para Bruxelas, acompanhado do cenário macroeconómico, e permite antecipar e corrigir desequilíbrios. Bruxelas tem poder para pedir correcções aos orçamentos nacionais. Esta legislação estabelece ainda uma vigilância pós-programa até que os estados-membros paguem 75% da sua dívida – uma norma que se aplica a Portugal no âmbito do fim do Programa de Assistência Económica e Financeira (2011-2014).

União Bancária

O processo de união bancária está em marcha desde 2013, com o objectivo de criar mecanismos europeus de resposta às crises financeiras. Este processo tem dois pilares: o primeiro é o mecanismo único de supervisão bancária, que conferiu ao Banco Central Europeu (BCE) a responsabilidade de supervisão dos principais bancos da zona euro. O segundo pilar é o mecanismo único de resolução, com um fundo de resolução europeu, financiado pelos bancos, que servirá para resgatar bancos em dificuldades. No âmbito deste mecanismo, o custo das falências dos bancos será suportado pelos accionistas e credores dos bancos (incluindo os depositantes com aplicações superiores a 100 mil euros), de modo a evitar a utilização de dinheiros públicos. Enquanto membro da zona euro, Portugal participa no processo de união bancária, tendo a supervisão dos bancos nacionais passado para o BCE no final de 2014.

http://economico.sapo.pt/

Uma velha fragata do Tejo


Gravura publicada em "O Occidente" de 1 de Julho de 1894

Noticia aquela velha publicação que este quadro pertencia ao Conde de Almedina, Delfim Deodato Guedes e esteve presente na Quarta Exposição do "Grémio Artístico", uma Instituição que conjuntamente com a "Sociedade Promotora das Belas Ates", tendo-se fundido, deram origem à actual "Sociedade Nacional de Belas Artes".

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Exemplar típico das airosas embarcações que povoaram o Rio Tejo nos séculos XIX e XX, recordo-me de as ver, ora em plena acção de velas desfraldadas, ora atracadas aos cais de Lisboa com o bojo cheio de mercadorias.

Menino e moço - como eu me recordo! - nos intervalos das aulas, quando não nas próprias gazetas que o irrequietismo folgazão da idade o permitia a par da irreflexão da atitude, corria com os meus companheiros daquelas aventuras para as ver sustadas, admirando as suas linhas gráceis e os afãs dos seus mestres marinheiros a dirigir as descargas, no tempo devido e, depois, no modo como a bordo cozinhavam as próprias refeições, enquanto elas balouçavam ao sabor das pequenas ondas que se desfaziam de encontro à carcaça dos madeirames.

Recordo-me de me admirar com os nomes que todas tinham pintados com grandes letras, perto das proas elevadas bem acima da linha de água, interrogando-me de onde tinham surgido nomes, como: Senhora do Tejo; Gaivota Veloz; Maria Papoila; Que Deus Te Guie e outros que a idade apagou da minha lembrança.

Na altura não sabia que aquelas mulheres que eu via a correr pela pranchas que ligavam as fragatas aos cais carregando à cabeça as pesadas mercadorias, já haviam merecido a atenção de um Poeta de que só muito mais tarde vim a conhecer o nome - Cesário Verde - tendo-as visto, como eu as vi nas minhas andanças e tendo-as retratado deste modo:

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Vazam-se os arsenais e as oficinas;
 Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
 E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção.

in, poema "Avé-Marias"

Um referendo interno aos militantes do PS


Para aclarar o momento político que vivemos, penso que António Costa devia ser corajoso e perguntar em Referendo interno aos militantes do Partido Socialista - e não se ficar pela Comissão Politica Nacional - se estão de acordo com a ligação do PS aos PCP-PEV e ao BE.

O momento exigia isto.

Era como se fosse, umas "directas, já!"
Portugal em peso ficaria grato a António Costa e à sua Comissão Política Nacional.

Discurso da tomada de posse do XX Governo Constitucional



A cerimónia ocorreu no Palácio da Ajuda 
em 30 de Outubro de 2015.

Como a História foi e será sempre uma sucessão de factos acontecidos, este aqui fica para memória futura, ficando prometido a mim mesmo que um dia, quando o bom senso voltar à cena política de Portugal - hoje arredia e encastelada em muralhas de barro - hei-de debruçar-me sobre este discurso e só o não faço agora porque me resta um pouco de esperança que aqueles que neste discurso são visados acordem para a realidade portuguesa e, depois, se tal fizerem em meu nome pessoal, que é obscuro, mas tem um passado limpo, dar-lhes-ei os parabéns em nome dos meus filhos e netos, tendo na mira os outros filhos e netos de portugueses como eu, que pensam como eu.

E por aqui me fico.




DISCURSO DE TOMADA DE POSSE XX GOVERNO CONSTITUCIONAL 
(texto integral)

Há quatro anos assumi as funções de Primeiro-Ministro de um governo que tinha pela frente a tarefa maior de salvar o País de um desastre económico e social de proporções inimagináveis. Vivíamos tempos de emergência nacional a que era urgente responder com uma estratégia firme e coerente. Nessa altura, eram muitas as vozes dentro e fora do País que duvidavam das nossas possibilidades. No dia da minha tomada de posse disse que “vivíamos tempos difíceis e mais tormentas ainda nos aguardavam. Mas tínhamos de confrontar os nossos problemas com os olhos bem abertos e afugentar o medo paralisante.”

E foram, de facto, anos duros os que tivemos de enfrentar.

Sabíamos que estávamos a “navegar em mares nunca dantes navegados”, mas nunca deixei de ter a firme convicção de que o País que sempre conheci não falharia.

E não falhou.

Os Portugueses deram uma lição de sacrifício, moderação e esforço colectivo que tão cedo não será esquecida. Toda a Europa o sabe e nós sabemo-lo melhor do que ninguém.

Com muito trabalho e com o sentido máximo das responsabilidades, o anterior executivo que eu liderei foi o primeiro governo de coligação a cumprir integralmente o seu mandato na história da democracia portuguesa.

Foi um governo que fechou importantes acordos na concertação social e com instituições da sociedade civil.

Foi um governo que durante praticamente toda a sua vigência esteve envolvido num intenso e difícil processo de negociação com os nossos parceiros europeus e internacionais.

Foi um governo que participou ativamente na discussão sobre a reforma da União Europeia e do Euro.

Mesmo nestes tempos difíceis, praticámos o diálogo e o compromisso. Esse sentido do compromisso e da negociação será agora renovado e fortalecido, e o meu apelo ao espírito de cooperação e de construção de entendimentos estende-se a todas as forças políticas, cívicas e sociais.

A conjuntura parlamentar, em que a maioria que suporta o governo é relativa, e não absoluta, apenas reforça essa necessidade. Mas ela é ditada, no princípio e no fim, pelos desafios que o País tem pela frente.

Pusemos o País no caminho do crescimento económico, do investimento e do emprego. Recuperámos a credibilidade e confiança externas e resgatámos a autonomia política nacional. Portugal tornou-se um país atrativo para o investimento externo. Virámos a situação cronicamente deficitária das nossas contas externas e agora temos excedentes persistentes todos os anos. Aumentámos as nossas exportações para níveis que nunca tínhamos registado no passado.

E apesar das dificuldades e constrangimentos financeiros, conseguimos ainda atingir resultados importantes na esfera social. Reduzimos significativamente o abandono escolar precoce, ao mesmo tempo que instituímos a escolaridade obrigatória de doze anos. Alargamos significativamente a rede de cuidados de saúde primários, garantimos médico de família a mais 650 mil Portugueses e vimos melhorar os principais indicadores de saúde no País, incluindo taxa de mortalidade infantil, mortalidade prematura ou esperança de vida. Conseguimos também atualizar sempre o valor das pensões mínimas, sociais e rurais.

Com estes resultados lançámos os alicerces de um futuro melhor e é neles que as próximas políticas devem assentar.

Tudo isto resultou de um enorme esforço colectivo, de todos os Portugueses, que em cada dia, com o seu trabalho, com a sua coragem e com a sua moderação, levantaram de novo o seu País. A eles, e aos seus sacrifícios, todos os políticos devem respeito.

Neste contexto, desrespeitar o esforço dos Portugueses traduz-se por pôr em risco tudo o que juntos alcançámos.

E isso eu, enquanto Primeiro-Ministro, nunca farei.

Precisamos, pelo contrário, de acelerar a recuperação económica que dura há já quase 5 semestres. Precisamos de consolidar a confiança e incentivar mais investimento. Precisamos de aumentar a velocidade da criação líquida de emprego.

Na conjuntura interna que se gerou, e no contexto externo tão incerto que nos envolve, estes objectivos nacionais requerem uma política consequente, uma estratégia global e a vontade de continuar a confrontar os problemas que ainda temos pela frente.

Juntos, podemos alcançar esses objetivos e caminhar para um nível mais elevado na nossa democracia. Mas é um caminho estreito. E só quem sabe o caminho que é necessário trilhar pode chegar ao destino que pretende.

Dado que os condicionalismos são apertados, temos de lidar com eles, e não ignorá-los numa vertigem voluntarista. Mas aprendemos custosamente nestes anos que só podemos alcançar o que desejamos começando por trilhar os caminhos necessários. Fizemos esse caminho e recuperámos a confiança e a ambição. São ativos que não podemos desperdiçar. Num contexto em que a incerteza tem um custo tão elevado, em que a confiança rapidamente se destrói e em que a competitividade facilmente se evapora, os desvios precipitados poderiam deitar tudo a perder.

E seriam mais uma vez os Portugueses, os mais desprotegidos e mais vulneráveis – seria uma vez mais a classe média – a pagar o preço, como foi pago no passado.

E isso eu, enquanto Primeiro-Ministro, não permitirei que volte a acontecer.

Para alcançarmos os objectivos nacionais não podemos destruir as bases que já lançámos.

Em primeiro lugar, ter contas públicas certas. Garantir que o défice em 2015 ficará abaixo dos 3 por cento e, portanto, sair do Procedimento por Défice Excessivo, a que estamos sujeitos há vários anos. Menos défice significa mais credibilidade, mais confiança, menos dívida e, o que é muito importante, a perspectiva real de desagravamento fiscal. Reduzir progressivamente a carga fiscal para as famílias e para as empresas tem de constituir uma prioridade política assim que a trajetória das nossas contas públicas for vista, cá dentro e lá fora, como inequivocamente segura.

Em segundo lugar, preservar os excedentes externos que conseguimos nos últimos 3 anos, reduzindo a dívida ao estrangeiro e melhorando as condições do financiamento indispensável à nossa economia. A nossa reputação internacional e o equilíbrio financeiro das famílias e das empresas também se joga aqui.

Em terceiro lugar, estabilizar e monitorizar as reformas estruturais já feitas, e iniciar um novo ciclo de reformas, tirando partido da maior flexibilidade que a autonomia política que reconquistámos nos traz. Depois do maior programa de reformas estruturais da nossa democracia, precisamos de dar tempo de consolidação a essas transformações para que possam dar todos os frutos que delas se esperam. E temos de as avaliar, para fazer os aperfeiçoamentos e correções que possam aumentar e distribuir melhor os seus benefícios. Temos também de completar o ciclo reformista em áreas que exigem instrumentos de reforma que não estavam disponíveis num contexto de profunda crise e ajustamento orçamental.

Minhas senhoras e meus senhores,

Tendo recebido dos Portugueses um mandato claro para governar, aqui assumo hoje, na presença de Sua Excelência o Senhor Presidente da República, a responsabilidade indeclinável de respeitar essa vontade expressa pelos Portugueses.

Sem desvirtuar a matriz de valores que sustenta o programa sufragado pelos eleitores, o governo agora empossado tem ainda o encargo, com humildade, de mostrar abertura ao compromisso leal e responsável que os Portugueses também apontaram como propósito indispensável a assumir por todos os agentes políticos, sociais e económicos para a conformação das políticas públicas.

E hoje, nesta cerimónia de tomada de posse, reafirmo os princípios a que estivemos e estamos vinculados.

O meu governo será regido pelos valores da nossa democracia representativa e constitucional.

Somos fiéis ao projeto da sociedade livre e aberta, da solidariedade e da prosperidade, a que a esmagadora maioria dos Portugueses aspira e que todos merecem. Uma sociedade da dignidade da pessoa, da tolerância, do trabalho e do conhecimento; uma sociedade europeia e atlântica, porque é esse o propósito político fundamental do nosso País nos últimos 40 anos.

Seremos responsáveis perante todos os Portugueses com os seus valores comuns, que nos unem como nação, e que desejam legitimamente uma vida melhor para si, para a sua família e para o seu País.

Persistiremos no cumprimento das nossas obrigações internacionais e no exercício dos direitos e deveres que decorrem da nossa participação plena na União Europeia e na União Económica e Monetária. Esta é uma condição absolutamente indispensável para assegurar o nosso futuro comum com estabilidade e previsibilidade, com mais emprego e mais justiça social. Não há ilusão política que possa disfarçar este imperativo, e ninguém deve arriscar o bem-estar dos Portugueses em nome de uma agenda ideológica ou de ambições políticas pessoais ou partidárias.

A par da aceleração do crescimento da economia e do emprego, da estabilidade das contas públicas e do desendividamento do País, bem assim como de uma agenda promotora da natalidade e de inversão do declínio demográfico, o meu governo define duas grandes prioridades.

Em primeiro lugar, o combate às desigualdades sociais. Não há contradição entre a redução das desigualdades e o reconhecimento dos méritos. Não opomos a redução do fosso entre os mais ricos e os mais pobres à recompensa pelo trabalho e pela criatividade. Pelo contrário, é pela conciliação destes desígnios que se realiza a justiça social. Mas temos de confrontar as assimetrias sociais e territoriais, muitas vezes gritantes, que durante décadas se agravaram em Portugal. As desigualdades resultantes de privilégios injustificáveis continuarão a ser combatidas, como foram nos últimos 4 anos. É por isso que reafirmo o compromisso por uma economia aberta à participação de todos, e não apenas de alguns.

Mas queremos também que os frutos do crescimento económico e das crescentes possibilidades tecnológicas cheguem a todos, segundo a grande promessa democrática da mobilidade social. Isso implica quebrar os ciclos de pobreza e integrar todos numa mesma sociedade de oportunidades. Supõe a transmissão de qualificações reais para os nossos jovens, para que possam trabalhar, encontrar satisfação no seu trabalho e competir na economia global de igual para igual. Exige, por isso, uma nova geração de políticas sociais, com novas abordagens e soluções. Esse é o significado político do Programa de Desenvolvimento Social que iremos implementar.

Em segundo lugar, vamos iniciar uma nova fase da modernização administrativa. Queremos remover os obstáculos que ainda subsistem aos cidadãos, aos empreendedores e aos inovadores. Desburocratizar e descentralizar serão os princípios orientadores para levarmos mais longe a simplificação, a transparência e a eficiência das instituições públicas. Temos de reconhecer que há estruturas, práticas e procedimentos que já não se ajustam aos novos tempos. Com o apoio das tecnologias e com novas ideias, queremos facilitar a vida aos empreendedores, e não penalizá-los. Queremos acelerar os investimentos, e não atrasá-los. É o cidadão que deve estar no centro das políticas públicas e é o Estado que deve organizar-se em função do cidadão. Queremos libertar as iniciativas individuais e colectivas, e não sufocá-las. Queremos, em suma, pôr o Estado ao serviço dos cidadãos, e não os cidadãos ao serviço do Estado.

No governo, seremos os agentes permanentes e incansáveis de uma política positiva, que contraria o medo com a esperança, e o cinismo com o trabalho dedicado ao serviço de todos os Portugueses sem exceção. Combateremos a demagogia com o realismo, e a política negativa com a mobilização para um Portugal mais livre, mais próspero e mais solidário.

Este governo estará ao serviço de todos os Portugueses, mas dará uma atenção especial aos que sentem dificuldades, aos que querem melhorar a sua vida, que querem preparar o seu futuro, que aguardam por mais e melhores oportunidades, aos que trabalham e querem ser justamente reconhecidos pelo seu esforço, aos que inovam contra todas as resistências, aos que não estão protegidos por privilégios que não têm justificação.

Todos devem assumir as suas responsabilidades perante os Portugueses, perante a nossa história e perante o nosso futuro. Todos - na política, na sociedade civil e na economia – são chamados a cumprir o seu dever. Um dever fundamental para com os seus concidadãos, que esperam de nós que estejamos à altura das tarefas que nos aguardam.

Muito obrigado.


quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Uma memória do Hospital



Com Jesus no Hospital





Vivo um tempo de arrumar "a casa" e foi nessa azáfama que dei com este poema a que chamei, intencionalmente: Com Jesus no Hospital, fazendo-me lembrar um acto ocorrido em 2004 no Hospital Ortopédico Dr. José de Almeida (Carcavelos) quando, corredor fora, ia até à Capela no carrinho de rodas, de onde se viam - era tempo de veraneio - os banhistas espalhados pelo areal, gozando um tempo que então me estava interdito.

Lembro-me perfeitamente da cena. 

Naquele dia, à hora em que entrei na Capela para uma despedida - a alta ocorreu no dia imediato - não havia ninguém, ou seja, estava o Crucificado sozinho e eu fiz-lhe companhia, rezando-lhe não uma qualquer oração das que me ensinou o Catecismo da minha infância - onde isso já ia - mas, pelas palavras que lhe disse, sei que naquele dia elas foram a minha oração.

E tenho a certeza que Ele me ouviu!

Um apontamento e uma oração


Jacques Riviére

Fiz-me católico para compreender...


Perante o mistério da existência, esta frase de Jacques Riviére após o acto da sua conversão ao catolicismo pela mão segura de Paulo Claudel, ganha hoje, que o tempo marca com graves agitações as consciências de muitos dos nossos filhos, uma ressonância que deveria merecer uma atenção especial.

A Verdade - que é apenas uma - centra-se no catolicismo que emana de Deus, como se fosse  - e é - a melhor prenda que d’Ele recebemos através de Maria, que aceitou ser Mãe daquele Crucificado que traçou aos homens um Caminho, e que, tantas vezes ou se passa ao lado ou se anda por atalhos para no fim se encontrar o nada.

Quando nos fazemos católicos, não por seguidismo ou pela assunção de uma piedade piegas, mas antes, para desejar com o arrimo da fé a compreensão da vida naquilo que ela tem de mais transcendente,  cumprimos o passo maior das nossas existências, pois é ele que nos abre os únicos caminhos que nos podem levar aos destinos transcendentes e às metas da sabedoria.

Obrigado, Senhor, pela Tua Verdade, que é nossa também quando deitamos para o monturo as nossas verdades mesquinhas, que mais não são que tolas vaidades e  fruto de muitas das nossas arrogâncias... Ensina a todas as criaturas  o modo de compreenderem em toda a sua profundidade o Teu mistério, tal como o fizeste com o convertido de Bordéus, o terno Jacques Riviére, que um dia se fez católico pare Te entender.

Dá a todos os que Te procuram uma mão amiga para que no momento do encontro a Luz que dás fique para sempre a iluminar os caminhos por onde passas em busca de todos aqueles que se cruzam com a Luz que lhes dás, mas sem  a enxergar porque passam envoltos nas  sombras projectadas nos seus caminhos...

Que o desejo de saber seja um ponto de partida, sem que haja pressa de ter uma hora de chegada, mas é importante começar para entender a vida e o sentido da existência e é sempre a partir deste primeiro propósito que pode acontecer a fé a erguer-se do chão da vida, sobretudo, agora, nesta Europa algo descristianizada pelo abandono das crenças dos que, antes de nós, conseguiram chegar ao entendimento de que, ou nos erguemos espiritualmente, ou o velho Continente - mãe de Mundos - se há-de ver ultrapassado pela onda que a quer varrer de lado a lado.

Peço-te, Senhor, por todos os companheiros que fazem perguntas.

Jacques Riviére, fez muitas ao seu amigo Paulo Claudel e teve o condão de o ter ouvido e compreendido as razões sócio-religiosas de que era precioso encher a vida e foi com elas que se ergueu pó das suas dúvidas.

Peço-te, Senhor, que em cada um dos caminhos dos homens ponha-se os poetas da esperança e da certeza das Tuas Palavras e que a frase de Riviére - Fiz-me católico para compreender... - seja, um dia, uma fornada de luz por cima das nuvens do caminho por onde passam os homens distraídos por demais e, por demais comprometidos com um Mundo frívolo que tudo parece levar em frente, incluindo a sua consciência onde vive ausente o grande Mistério do Deus que passa.

Imortalidade da alma





É em Descartes que encontro
fora dos ensinamentos da Igreja,
um conceito firme
sobre a imortalidade da alma,
                                  
que ela não está de maneira alguma
sujeita a morrer com o nosso corpo (1)

e a concluir, depois, porque se não conhecem
causas que a destruam, somos naturalmente impelidos
a supor que ela é imortal. (2)
Diz S. Tiago, que a Palavra de Deus
pode salvar as nossas almas (3) donde tudo faz sentido,
incluindo as palavras do filósofo.

Nós somos imagens de Deus.
E esta imagem, muito ao contrário do que é tido,
é a semelhança com Ele, no espírito imortal
que nos foi dado de uma só vez
e para sempre!

Que Deus nos ajude a ter no mundo
palavras de paz e de perdão, em honra
da nossa alma imortal!




(1) - in, Discurso do Método
(2) - idem
(3) - Tg 1, 21

Perguntas ao Tribunal Constitucional


in, https://www.google.pt/


Com todo o meu respeito faço à consideração dos meretíssimos juízes do Tribunal Constitucional as seguintes perguntas:

  • Relativamente ao facto do PS, do PCP-PEV e do BE terem disputado as eleições do passado dia 4 de Outubro com programas próprios e os votos recebidos terem assim sido sufragados pelos cidadãos eleitores, que direito assiste a estes Partidos para no período pós-eleições juntarem os votos como se, uma só força política tivesse ido às urnas?
  • Ao Tribunal Constitucional - penso eu -  cabe-lhe apreciar a inconstitucionalidade de quaisquer normas, pelo que, se as normas seguidas pelo PS, PCP-PEV e BE no pós-eleições não se quadram com as normas com que se apresentaram às eleições, não estão as mesmas feridas de inconstitucionalidade?
  • Será que os votos entrados nas urnas com intenções diferentes, com uma das forças políticas - no caso o PS que andou a pedir a maioria absoluta -  podem ser depois de contados em separado, fundirem-se numa só intenção?
  • Isto é constitucional?

Que os meretíssimos juízes do Tribunal Constitucional me perdõem a ousadia, mas não posso calar-me em nome da minha consciência.
A razão é simples: estou velho e nunca vi desaforo igual.

  • Nota final: as perguntas - eu sei, não têm resposta - mas a minha consciência fica aliviada.
  • E isso - que não devia bastar - tem de bastar...
  • Tenho pena de Portugal!

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A sabedoria humana de Lavater


Johann Kasper Lavater


Diz Lavater num pensamento prudente e muito sábio, o seguinte:

Não destruas as crenças que fazem os outros felizes se não puderes inculcar-lhe outras melhores.

A este propósito, conta-se que um dia, um ateu tendo encontrado um seu amigo filósofo, ateu como ele, mas respeitador das crenças dos outros, por não compreender a subtileza do trato dele com os crentes fez-lhe a seguinte pergunta sibilina, de acordo com o seu modo de pensar:

- Então, tu, não combates com toda a tua sabedoria as crenças de todos aqueles que vivem e seguem caminhos em que tu e eu não acreditamos?

- Não. - respondeu o filósofo - não tenho o direito de o fazer. Não me cumpre destruir a felicidade daqueles que seguem doutrinas em que eu não acredito, mas que são para eles motivos de alegria que se fundam numa fé que eu não tenho...

Respondeu acertadamente o filósofo.

A falta de respeito pelo outro, que é, simplesmente, a falta de amor que existe pelo semelhante leva a sociedade a não respeitar as crenças, sejam elas religiosas, políticas ou quaisquer outras.
Por isso, bem melhor e mais avisadamente andam as criaturas que nada tendo de melhor para oferecer em troca daquilo que pedem, não procuram destruir no outro os seus sentimentos, especialmente, quando estes os tornam felizes.

Cumpre-se com este procedimento o respeito pelo semelhante.

É, por este motivo que o filósofo respondeu ao amigo com profundo amor pelo outro. Sendo ateu, não deixou de manifestar esse amor, essa atenção humana tão pequena mas que se torna muito grande e tem um alcance que foge à simples convivência humana para se transportar para  o campo da sobrenaturalidade que rege todas as criaturas.

O filósofo ateu que não seguiu o caminho que lhe foi indicado pelo seu amigo - ateu como ele - foi um sábio de humanidades e sem o ter pensado comportou-se dentro das regras fundamentais do cristianismo, que não sendo uma filosofia transporta na suas regra bem simples aquilo que afirmou Lavater, que não se pode destruir seja aquilo que seja - crenças ou não - sem dar em troca ao outro, caminhos de felicidade.

Muros em vez de pontes




Tenho em cima da minha mesa de trabalho uma frase de Michel Quoist que conservo há muitos anos e sobre a qual os meus olhos costumam ficar presos sempre que sobre ela fixo a atenção do meu olhar.

Diz assim:

As pessoas sentem-se sós porque constroem muros em vez de pontes.

Bem pequena é a frase.

Enorme é, no entanto, o seu tamanho pelo conhecimento existencial e humano da vida, porque há efectivamente, pessoas sozinhas, vítimas de si mesmas porque levam o tempo - que devia ser de entendimento com os outros - a construir muros em seu redor em lugar das pontes.

Pontes que todos somos chamados a por de pé para que, por elas passem os sentimentos e a partilhas dos dons que fazem de nós seres únicos na história da Criação.
Deixemos de parte os muros que teimamos em construir.

São silêncios fechados!

Fortalezas que ocultam a vida que passa e só ilusoriamente julgamos prender, erguendo mais alto as paredes e tornando mais frios e mais pesados todas as solidões que se vivem e a vida não é isto!

A vida é encontro e comunhão de ideais enquanto a solidão é, apenas, um perigoso estado de alma, porque ao diminuir a aproximação com o semelhante fecha-se a sete chaves a porta da esperança.
Por isso, para quem vive fechado dentro dos altos muros do seu silêncio, fica aqui com todo o amor este aviso:
  • Deita-os abaixo... todos eles!
  • E depois, com os seus escombros constrói pacientemente as pontes do encontro, que podem até ser pontes levadiças, desde que estejam sempre prontas a baixar-se até à soleira da vida. 
  • É por aí que todos passamos, quantas vezes, ombro a ombro!
  • Manda a sabedoria humana fazer do semelhante um companheiro com quem se reparte o tempo de vida...
  • E este não foi dado para ser amuralhado!
Que Deus ajude todos aqueles que ainda têm de pé os muros dos seus silêncios e que, hoje, ou amanhã, como pétalas de flores fechadas pela ausência das claridades da noites dos silêncios vividos, estas se abram para a vida dos homens!

Uma inquietação de Marcel Proust






Marcel Proust, tendo-se dado conta da frivolidade do mundo que o rodeava e da pressa de viver que se instalou como uma chaga, já no seu tempo, escreveu estas palavras:(1)

As pessoas querem aprender a nadar e ter um pé no chão ao mesmo tempo.

Palavras cheias de sabedoria, são estas.
O escritor perante a realidade do escoamento de uma vida mundana, quotidianamente estéril, sem ter o Universo espelhado pela força do espírito, quis deixar-nos a sua inquietação no início do século XX, tecendo um alerta, tão válido ontem, com hoje... ou, quem sabe, talvez mais apropriado hoje que ontem!

Pois, não será, que andamos por aí, querendo fazer de tudo e ao mesmo tempo?

Na pressa de viver e de competir a perfeição que é o resultado da sabedoria tem cedido ao atabalhoamento, à desertificação das ideias justas e assentes nas bases profícuas da sabedoria.
Diz-se no Evangelho que Jesus, em menino, crescia em sabedoria.
E foi de tal modo assim, que mais tarde haveria de ter inspirado S. Lucas, que expressa deste modo as palavras avisadas que lhe ouviu:

Eu próprio vos darei palavras de sabedoria a que não poderão resistir ou contradizer os vossos adversários (2)

Marcel Proust, quando disse que as pessoas queriam aprender a nadar e ter um dos pés assente no chão, sabia muito bem o que dizia e o que queria atingir.
Magoava-o, certamente,  o facto das pessoas não quererem a sabedoria que O Mestre nos prometeu ou aquela, que inspirando-se nela leva os homens a fazer coisas com sentido.
Ao invés, porém, com a pressa de vivermos passamos a fazer muitas coisas ao mesmo tempo.

A encher o CURRICULUM com muitas tarefas, sem que nelas tenhamos posto com afinco a nossa colaboração empenhada de esforço e de sabedoria.

Senhor, Tu que disseste que nos davas palavras de sabedoria, faz que sejamos humildes e aprendamos contigo tudo quanto tens para nos dizer, para que o dia de amanhã seja, finalmente, o do passo firme para a realização perfeita das obras que fazemos.
E, assim, se tivermos de aprender a nadar que seja batendo forte com os dois pés dentro de água para que sejamos sábios.
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(1) - in, Em Busca do Tempo Perdido
(2) - Lc. 21,15