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sábado, 30 de abril de 2016

O religioso que houve em Alexandre Herculano

Gravura publicada pela Revista "O Occidente"
 1ºano - Vol. I - nº1 - 1 de Janeiro de 1878


Cresci até à idade da adolescência - e sempre - naquele estádio de tempo fui inquietado por um mal-dizer da religião relativamente ao grande homem das Letras Portuguesa, Alexandre Herculano, algo que desde que estabeleci o equilíbrio mental entre a fé e a razão, ganhou em mim um desejo ardente de conhecer o motivo do desprazer com que a Igreja - que nunca abandonei - falava daquele vulto eminente.

Aconteceu há dias, que mais uma vez, a minha psicologia cognitiva deu com a releitura do poema Deus, o que de novo fez aflorar em mim aquilo que há algumas dezenas de anos tinha assaltado o meus espírito: Alexandre Herculano não foi um crente fácil relativamente à postura sócio-religiosa dos clérigos do seu século, mas jamais deixou de ser um crente em Deus e na doutrina pregada por Jesus.

Leiamos com atenção o poema.
É, na minha opinião um momento sublime. Enternecedor, pelo grande respeito que o homem que habitou o arcaboiço humano de Herculano soube cantar a beleza do Omnipotente.


Deus

Nas horas do silêncio, à meia-noite,
Eu louvarei o Eterno!
Ouçam-me a terra, e os mares rugidores,
E os abismos do inferno.
Pela amplidão dos céus meus cantos soem
E a Lua prateada
Pare no giro seu, enquanto pulso
Esta harpa a Deus sagrada.

Antes de tempo haver, quando o infinito
Media a eternidade,
E só do vácuo as solidões enchia
De Deus a imensidade,
Ele existia, em sua essência envolto,
E fora dele o nada:
No seio do Criador a vida do homem
Estava ainda guardada:
Ainda então do mundo os fundamentos
Na mente se escondiam
Do Omnipotente, e os astros fulgurantes
Nos céus não se volviam.

Eis o Tempo, o Universo, o Movimento
Das mãos sai do Senhor:
Surge o Sol, banha a terra, e desabrocha
Sua primeira flor:
Sobre o invisível eixo range o globo:
O vento o bosque ondeia:
Retumba ao longe o mar: da vida a força
A natureza anseia!

Quem, dignamente, ó Deus, há de louvar-te
Ou cantar teu poder?
Quem dirá de teu braço as maravilhas,
Fonte de todo o ser,
No dia da criação; quando os tesouros
Da neve amontoaste;
Quando da terra nos mais fundos vales
As águas encerraste?!
E eu onde estava, quando o Eterno os mundos,
Com destra poderosa,
Fez, por lei imutável, se livrassem
Na mole poderosa?
Onde existia então? No tipo imenso
Das gerações futuras;
Na mente do meu Deus. Louvor a Ele
Na terra e nas alturas!
Oh, quanto é grande o Rei das tempestades,
Do raio, e do trovão!
Quão grande o Deus, que manda, em seco estio,
Da tarde a viração!
Por sua Providência nunca, embalde,
Zumbiu mínimo inseto;
Nem volveu o elefante, em campo estéril,
Os olhos inquieto.
Não deu ele à avezinha o grão da espiga,
Que ao ceifador esquece;
Do norte ao urso o Sol da primavera,
Que o reanima e aquece?
Não deu Ele à gazela amplos desertos,
Ao cervo a amena selva,
Ao flamingo os pauis, ao tigre o antro,
No prado ao touro a relva?
Não mandou Ele ao mundo, em luto e trevas,
Consolação e luz?
Acaso, em vão, algum desventurado
Curvou-se aos pés da cruz?
A quem não ouve Deus? Somente ao ímpio
No dia da aflição,
Quando pesa sobre ele, por seus crimes,
Do crime a punição.

Homem, ente imortal, que és tu perante
A face do Senhor? És a junça do brejo, harpa quebrada
Nas mãos do trovador!
Olha o velho pinheiro, campeando
Entre as nuvens alpinas:
Quem irá derribar o rei dos bosques
Do trono das colinas?

Ninguém! Mas ai do abeto, se o seu dia
Extremo Deus mandou!
Lá correu o aquilão: fundas raízes
Aos ares lhe assoprou.
Soberbo, sem temor, saiu na margem
Do caudaloso Nilo,
O corpo monstruoso ao Sol voltando,
Medonho crocodilo.
De seus dentes em volta o susto habita;
Vê-se a morte assentada
Dentro em sua garganta, se descerra
A boca afogueada:
Qual duro arnês de intrépido guerreiro

É seu dorso escamoso;
Como os últimos ais de um moribundo
Seu grito lamentoso:
Fumo e fogo respira quando irado;
Porém, se Deus, mandou,
Qual do norte impelida a nuvem passa,
Assim ele passou!

Teu nome ousei cantar! — Perdoa, ó Nume;
Perdoa ao teu cantor!
Dignos de ti não são meus frouxos hinos,
Mas são hinos de amor.
Embora vis hipócritas te pintem
Qual bárbaro tirano:
Mentem, por dominar, com férreo ceptro,
O vulgo cego e insano.
Quem os crê é um ímpio! Recear-te
É maldizer-te, ó Deus;
É o trono dos déspotas da terra
Ir colocar nos céus.
Eu, por mim, passarei entre os abrolhos
Dos males da existência
Tranquilo, e sem terror, à sombra posto
Da tua Providência.

                                                          Alexandre Herculano



Depois desta leitura o que fica a sobrenadar sobre a minha consciência é que a moral humana ao assentar numa visão que transcende o indivíduo, faz que toda a lógica da explicação da história humana tenha de ser feita em  termos transpessoais e, logo, como primeira consequência, vai atingir a sobrenaturalidade que rege o existir da criatura.

Se, como pensam os biógrafos do grande escritor este encontrou farto material de inspiração em Santo Agostinho, este facto tê-lo-ia levado a concluir que a realidade da verdade imutável não se faz pelos acontecimentos mutáveis da vida, mas por aqueles que se fundam nas ideias eternas, fazendo, assim, que por detrás dos acontecimentos humanos estão as ideias que movimentam a história dos dias e, assim, cada civilização para ser harmónica e equilibrada tem de ter - e obedecer - a uma base ontológica que em si mesma represente aquela ideia de âmbito superior que tem a fonte na sabedoria infinita de Deus.

É a essa "ideia" que Herculano se rendeu ao escrever o poema "Deus", ao qual, humildemente, confessa, não serem dignos seus frouxos hinos, mas serem hinos de amor.

Deus à margem do caminho




Na sociedade contemporânea Deus está à beira do caminho.
Marginalizado... e, no entanto, Ele é o marco Maior. O que devia ser entendido como aquele que dirige todos os caminhos dos homens.

Na vida da pólis que rege a conduta social dos homens, vendo o que se vê, até quase parece mal falar de Deus, como se isto constituísse um ataque àqueles que não crêem na sua existência espiritual e, assim o mundo da política segue, descuidado, o seu caminho, excluindo-O, sendo embora uma realidade que pertence a esta terra e por abrangência dos seus pergaminhos, a este Mundo.

Outro tanto acontece com o mundo comercial e da economia, que tudo fazem para se livrar das suas verdades que não deixam pisar o risco... e, até, da vida privada, onde acontece o mesmo e, por isso, Deus fica à margem do caminho, seja ele comercial, económico ou privado. por ser um estorvo ao fruir volúvel dos acontecimentos que todos querem obedeçam à suas medidas...

E, no entanto, como seria importante que todos, no modo colectivo ou individual descobrissem Deus, tendo em vista a responsabilidade moral que, para ser verdadeira, tem de nascer de dentro para fora, o que devia exigir a presença de Deus, porque. sejam as sociedades ou o próprio homem, onde Ele esteja ausente, são realidades que se auto destroem.

Cedo ou tarde é o que acontece!

sexta-feira, 29 de abril de 2016

"Prelúdio de Ballet" - Um poema de Ernâni de Melo Viana


PRELÚDIO DE BALLET

                       Por Ernâni de Melo Viana

Teu corpo é chuva branca
A diluir-se entre os meus dedos...
É o rebentar da luz nas grandes madrugadas,
Ave marinha, pairando,
Sobre o peito claro das areias!

Dentro de mim a tua sombra esvoaça...
- Nocturna borboleta, entre caniços negros -
Vens, cegamente, por lagoas secas,
Beber na taça dos meus olhos.

Despenham-se os teus braços, como água.
Dentro das tuas pálpebras de ferro
Lutam besoiros, cor-de-rosa, enquanto
Um arco-íris vai atirando sobre o palco
Longas farpas de vidro...

Distante...
Como um pássaro de pedra,
Teu gesto vai riscando a areia fria.

 Outono 1951
in, "Árvore - Folhas de Poesia" (1952)



Não conheço - mesmo de nome, o autor, mas encontrei-o casualmente, ao desfolhar a velha publicação - o que prova que a magia da escrita , neste caso, o verso - mas, sobretudo, ao que, como este, linha a linha num ritmo quase de mistério, se encandeia na mistura de um sentimento idílico e nos deixa a interrogar o sentido daquele corpo, estranhamente, rotulado de chuva branca / a diluir-se entre os meus dedos...como se corpo real não houvesse... o que não é assim, porque, é o Poeta que o diz: Dentro de mim a tua sombra esvoaça... deixando assim entender que é só por haver corpo que a sombra existe.

Maravilhosa é a poesia dos símbolos...

Distante...
Como um pássaro de pedra,
Teu gesto vai riscando a areia fria.

E que viva para sempre a arte da poesia e dos homens dotados para nos fazerem entender que se podem amar as sombras quando elas são reflexos vivos de corpos que se procuram para virem beber na taça dos nossos olhos, no sítio onde se formam todos os arco-iris que se costumam atirar para o grande palco da vida, onde as farpas de vidro de que nos fala o Poeta são as cores irisadas do pássaro de pedra que tem o poder de riscar caminhos na areia fria, que é, apenas, uma imagem do ser que caminha como se ele mesmo fosse a tal areia fria em busca da chuva branca... ave marinha, pairando / Sobre o peito caro das areias!

Que bela é a poesia quando é bem tratada!

Chumbar o seu próprio chumbo....

http://expresso.sapo.pt/(de 29 de Abril de 2016)
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Definitivamente, não gosto de chamar a atenção par isto, mas como dever de cidadania - especialmente, depois de ter ouvido o PCP a dizer, à saída da reunião com o Presidente da Republica, o seu "não" ao Plano de Estabilidade do governo e, hoje de manhã, na AR a dar o seu "sim"... o que me ocorre dizer é que o PCP ao chumbar, o projecto do CDS... chumbou o seu próprio chumbo...
  • O que se passa com o PCP?
  • Mistério... não é?
Pois é!

Eis, senhores, os cortes secretos...

29 de Abril de 2016
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Por mais que António Costa e os seu Ministro das Finanças nos queiram iludir, a notícia aí está, fria e seca: Em 2017 há um corte de 100 milhões de euros em prestações sociais e 50 milhões em 2018.
O tal quadro "secreto" aos poucos vai-se desvendando e a máscara vai caindo...

Espanta é como o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português, tão ciosos antigamente, verberando, os cortes da direita - necessários a uma economia em bancarrota - agora se não indignam.

Diz o povo que todo aquele que age ao contrário das suas convicções é porque " vendeu a alma ao diabo" - ou seja, ao pai da mentira - pelo que, a conclusão que se tira é que todos PS, PCP e BE, tendo vendido a alma ao diabo dizem inverdades - como se fossem verdades... e tudo dizem com um sorriso nos lábios, algo que denuncia sempre os que nos querem enganar!

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Uma lembrança de Camilo Castelo Branco!


No "Prefácio" que Camilo Castelo Branco escreveu para o seu livro: AO ANOITECER DA VIDA -  ÚLTIMOS VERSOS, os parágrafos finais merecem uma leitura atenta, tendo em conta que em 1862 , Camilo Castelo Branco tinha 37 anos e a poesia "VEM" parece adivinhar alguém à beira da morte, que naquele tempo ainda estava muito longe.

Eis, porque é intrigante o último parágrafo e cuja explicação  apenas se encontra na vida desregrada que ele levou, o que parece aconteceu bem cedo com este grande cultor da língua portuguesa.



Muitas vezes de mim para mim intendi que a poesia talhada para este século não era o que eu estava fazendo; mas tão breve, entre coração e coração, eram sadio da minha cubiça como poeta, e como tudo, que nunca me detive a pensar se eu devia ou podia ensaiar a útil, a necessária, a verdadeira poesia. Eu via alguns raros exemplos de poetas, cumprindo dever de evangelizadores: era Alexandre Herculano com a Harpa do crente; era Castilho com a sua santa indefesa missão de ensinar crianças e fazer mais homens os homens do futuro; era Almeida Garrett agriIhoando o afecto às nossas coisas, ao talento e à pátria, com Camões e Fr. Luiz de Sousa prosa melhor que todas as poesias; eram alguns raptos de ocasional inspiração, humanos nacionais como a Bandeira Negra de Mendes Leal, e a Inglaterra de Alexandre Braga.

Eram todos modelos muito de seguir; mas eu nem os rastreava na forma, nem na ideia, nem no entusiasmo. Criminoso egoísmo, que eu ainda agora quis disfarçar sob capa de desambicioso desapreço de tudo que não fosse o ideal, o infinito, o quer que fulge para além do amor à mulher, estrela momentânea deste céu carreado de tempestades!

Fiquei nisto neste nada até aos trinta e sete anos.
Era tempo do acabar, muito antes desta idade; mas cá dentro, na alma do homem, sejam poucas ou muitas, temporãs ou serôdias as rugas que estão mentindo fora, o tempo não se computa com a certidão do batismo. A alma não é da razão. Agora, sim. Nestes baloiços da minha borrascosa vida, já não vêem estrelas.

Está diante de mim um ponto escuro, para onde todos os ventos me atiram.
Já não quero saber do timão nem da agulha.
Aquele ponto negro é a sepultura: o esquecimento.
Desta pequena distancia em que estou, vou atirar para lá com os meus últimos versos: é bem que eles vão adiante de mim. 

Lisboa 23 de Dezembro de 1862. 

VEM

Tenho pensado na morte,
Tenho-a visto leda e bela,
Como pálida donzela
Engrinaldada de flores;
Enamora-me a amizade
D'esta fada dos sepulcros;
Ela só diz a verdade;
Nunca o perjúrio, a mentira
Maculou seus lábios pulcros.
Morte! Eu dou-te a minha lira.

Vem, doce esposa, vem ver,
Como em teus braços delira,
Com frenético prazer,
O teu amante consorte;
Vem colher o beijo extremo
Sobre o lábio agonizante,
De quem dá um riso á morte,
Como a um bem do Céu supremo.

1856.


A confirmar o nosso espanto já acima exposto, acontece que esta poesia - publicada em 1862 de acordo com o Prefácio do livro tem a data de 1856 - tinha Camilo 31 anos - pelo que, ainda mais se adensa o motivo do seu desconsolo perante a vida, algo que os seus biógrafos bem conhecem, mas que, neste singelo apontamento fica apenas aflorado, mas deixando bem patente que a ideia da morte - acontecida na sua casa de S. Miguel de Seide em 1890 - era uma ideia antiga que percorreu um grande parte da vida do eminente escritor.

Uma lembrança de Camilo Castelo Branco é, assim, o penhor que deixo ficar desse génio da escrita que encheu a minha mocidade de prosas perfeitas, trabalhadas como se a pena de Camilo Castelo Branco fosse parecida com o cinzel do escultor.

Cuidado com o descrédito...

http://jornais.sapo.pt (de 28 de Abril de 2016)
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Diz a notícia: "Menos investimento das empresas públicas e corte de gastos na saúde e na educação somam-se às medidas já anunciadas no Programa de Estabilidade".

Com é evidente o Partido Socialista actua consoante os ventos...

Com que então o "anexo secreto" - uma coisa bizarra em democracia - propõe "corte de gastos na saúde e na educação"... mas não era o Partido Socialista, que há pouco tempo declarava que, com os cortes o Governo de Passos Coelho queria "destruir o Serviço Nacional de Saúde - (SNS)?

E agora, não é o mesmo partido que vem propor - secretamente - cortes no SNS?
Um pouco mais de coerência não lhes ficava mal!
É por estas e por outras que a política, que é, por definição, uma arte nobre, se arrisca a  perder, paulatinamente, a nobreza... quando é servida por "plebeus"!

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Uma "ajudinha" ao governo...

http://www.jornaldenegocios.pt/(de 27 de Abril de 2016)
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O Presidente da República deu uma "ajudinha" ao governo... dizendo o que este devia ter dito por causa do aumento do défice.
- Porquê?
Parece lícita a pergunta, pois não me parece bem que o PR ande a substituir o governo, falando por ele em matérias que não lhe competem, mas apenas ao executivo, pelo que acho muito estranha esta asserção...

É que a frese: Aumento do défice do trimestre está relacionado com o Orçamento de 2015", até parece, que António Costa não diria melhor, pelo que, agradece a "ajudinha" do PR deixar entender que as culpas cabem ao Orçamento anterior... e iliba o actual... e isto na minha opinião, não abona a favor do PR.

O velho ancoradouro do Restelo de onde partiu Vasco da Gama



Gravura publicada a abrir o livro 
"Noticia Histórica e Descritiva do Mosteiro de Belém"


A curiosa transcrição ipsis-verbis que se segue é da autoria de Francisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro, um brasileiro, filho de mãe portuguesa, que assim nos dá a notícia do velho ancoradouro do Restelo, que na época da construção do Mosteiro de Belém - hoje vulgarmente conhecido pelos "Jerónimos" - tinha em frente as águas do rio Tejo conforme documenta a velha gravura inserta neste velho e precioso livro.




Se a veneranda sé de Coimbra é para toda a Europa um dos bem conservados documentos da arquitectura, nos primeiros séculos do engrandecimento da Igreja, — se o amplo e variado convento de Cristo em Tomar, recorda muitos feitos dignos, praticados no orbe em diferentes épocas, pela ordem independente da do Templo r — se o grandioso mosteiro da Batalha é um padrão eterno levantado & independência e valor dos portugueses nos fins do século 14.°, — se o sumptuoso palácio-convento de Mafra é um monumento de mármore erguido como para ostentar a riqueza e fausto do luso Salomão no principio do século 18.", outro templo existe, de época quase intermédia a estas duas ultimas, menos nomeado e conhecido, não obstante ser o mais próximo da capital,—estando até presentemente por assim dizer encravado nas suas casarias, e não desmerecer ampla noticia; já pelo local em que foi situado, e gloriosas recordações, que traz á memoria a sua fundação; já pelas veneráveis preciosidades que encerra; já não é o menos importante  pela especialidade e valia de sua arquitectura. 

Falíamos, bem se vê, do real mosteiro de Belém, outrora dos frades de S. Jerónimo, e hoje ocupado, desde a supressão das ordens religiosas neste pais, pelos alunos da Real Casa Pia, servindo a Igreja, com a invocação de Nossa Senhora de Belém, de freguesia daquele bairro. Descreveremos o edifício, começando pela historia da sua fundação, e depois daremos noticia da mencionada instituição, criada pela piedosíssima rainha Maria I, e exaltada pelos maternas desvelos de sua augusta bisneta.

Seguindo Tejo abaixo pela margem direita, a uma légua a par da antiga Lisboa, existia um logra chamado o Restelo, fronteiro ao ancoradouro mais seguro que primeiro encontravam os navios que entravam a barra, e igualmente o mais próximo desta, que se oferecia aos que se preparavam a seguir viagem: porquanto no vizinho pontal d'ara, quáse defronte da Trafaria, findava, como ainda hoje, a porção de rio funda e entalada entre montes, que fornece tão belo abrigo:—dai para fora, até á própria enseada de Cascais, os bancos, cachopos, desabrigos, e mares de vagalhão, tanto na proximidade da terra, deixam ainda agora mui cautelosos os que ás unhas da ancora confiaram a sorte do navio, que muitas vezes garra, e ao mínimo descuido se expõe ao perigo. 

Ora, havendo, como dizíamos, no referido logra tão bom ancoradouro, não deixariam de se estender ao seu aproveitamento os desvelos da príncipe navegador. 

Vendo pois o infante D. Henrique quanta utilidade resultaria da fundação de uma ermida naquela praia, que ofertasse aos mareantes prontos socorros espirituais, resolveu executa-la, doando-a á Ordem de Cristo, de que era mestre e administrador, e estabelecendo que os da mesma Ordem aí fossem por em prática as suas caritativas intenções. Depois a houve a coroa, que fez dela doação aos frades de S. Jerónimo como vamos a expor, cingindo-nos nesta parte precisamente á letra dos documentos que temos á vista.

El-rei D. Manuel, considerando ampliar o culto divino, e vendo como o assento e sitio de Santa Maria de Belém, assim por ser na praia e acerca desta cidade como por que ao logra vinham aportar e ancorar muitas naus, navios e gente, assim de estrangeiros como de naturais, era apto e pertencente para nele se fazer um mosteiro e casa honesta, em que podessem estar alguns religiosos que devotamente ministrassem e fizessem o  culto divino e agasalhassem «os pobres estrangeiros,» confessando-os e dando-lhes os outros sacramentos, resolveu de haver a si aquela ermida e assento de Belém, dando por escambo á Ordem de Cristo uma casa maior, que fora sinagoga dos judeus, situada onde tinha sido noutro tempo a judiaria grande, que então chamam Vilanova, que vem a ser o logra onda hoje está a Conceição Velha, igreja esta que se edificou logo depois, como consta de documentos confirmados ainda agora pela fachada da mesma igreja. Diz o rei fundador que os rendimentos desta ultima casa montavam em cincoenta mil réis, o que era mais do que a Ordem obtinha de Belém. 

E por ventura pela recordação que trazia este nome da pequena terra da Palestina, assim chamada, natalícia do filho de Deus, onde o mesmo S. Jerónimo vivera e tivera o seu instituto, ou, como el-rei declara, — pela devoção que ele próprio tinha ao mesmo santo (cujo provincial, frades e ermitães viviam sob a regra de S. Agostinho no hospício da Penha Longa, que fica no sopé meridional da serra de Sintra) houve por bem aos 22 de dezembro de 1498 de fazer doação á Ordem de S. Jerónimo do referido logra de Belém com seu pomar cercado de muro e casas conjuntas, que estavam começadas a edificar , e bem assim duma morada, que ficava próxima do chafariz vizinho, declarando fazer a mencionada doação com todas as entradas, saídas, logradouros, águas e pertenças com que eram possuídas pela Ordem de Cristo. 

Tudo com intenção de aí fundar um mosteiro daquela Ordem, cujos religiosos seriam obrigados para todo o sempre a uma missa diária por alma do infante D. Henrique fundador do dito logra, e assim pela de el-rei e seus sucessores, com clausula expressa de que quando o sacerdote fosse ao « Lavabo » se voltasse para os fieis dizendo em voz alta: « Rogai a Deus pela alma do infante D. Henrique, primeiro fundador desta casa, e por a de el-rei D. Manuel que a doou á nossa ordem.» 
O que sendo aceite pelos religiosos da ordem, lhes foi dada a posse dentro da capela do sobredito mosteiro, começado aos 21 de abril de 1500; e entre varias doações feitas ao convento não esqueceremos de mencionar a cessão da vintena do dinheiro das partes da Mina, e das mercadorias e cousas que vinham da índia. 

Assim achamos os alvarás de 12 de novembro de 1511 mandando para as suas obras entregar a Lourenço Fernandes, cavaleiro da casa real, que naturalmente as inspeccionava, cincoenta quintais de pimenta; de 16 de dezembro do ano seguinte recomendando o pagamento da vintena que lhe pertencia cobrar na casa da índia, e de 9 de maio de 1513 ordenando que para as ditas obras se dessem da mesma casa quinhentos quintais da mencionada especiaria, que então obtinha em Flandres subido preço: e pelo que afirma um cronista da ordem, o castelhano Siguença, se vê que alguns anos excedia a mesma vintena a oitenta mil cruzados, soma avultada, nos tempos em que a afluência do ouro e prata da América na circulação não tinha ainda produzido tão pasmosa quebra no valor destes metais. 

O que porem podemos com segurança afirmar é que, não obstante deixar o rei fundador encomendado no seu testamento que não se fizesse cessar esta renda, em quanto o mosteiro se não concluísse de todo, e que antes pelo contrario se aumentasse sendo preciso, vemos el-rei D. João III, por alvará de 23 de maio de 1529, fazer ao convento a esmola da vinte e cinco moios de trigo, o que dá bem a entender que não possuía de sobejo, apesar de estar isento de pagar dízimos, conforme fora concedido por bula do papa Leão X de 2 de setembro de 1816.


Não cabe aqui toda a riqueza da descrição do Mosteiro dos Jerónimos, que é o tema do precioso livro, que pela moldura do texto que o autor lhe imprimiu é uma jóia rara, de como uma descrição, sendo feita como esta se encontra tem com o brilho de quem sabe, como se fizesse uma súmula, dar-nos no entrelaçado das pedras a grandeza majestosa de todos os ornatos e esculturas que animam as pilastras que sustentam as abóbadas.

Fica, como apontamento histórico, o velho ancoradouro do Restelo, o lugar mais seguro que primeiro encontravam os navios que entravam a barra, e igualmente o mais próximo desta, que se oferecia aos que se preparavam a seguir viagem, como aconteceu em 8 de Julho de 1497, quando a armada de Vasco da Gama ali se despediu do rei D. Manuel I, à descoberta do caminho marítimo para a Índia.

terça-feira, 26 de abril de 2016

A "geringonça" em Espanha não vai funcionar!

http://observador.pt/ (de 26 de Outubro de 2016)
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Porque é que a "geringonça" não vai funcionar em Espanha?

Simplesmente, porque, mais sábios que nós, os partidos entenderam que para bem da Democracia o povo deve ser de novo consultado, o que por cá devia ter acontecido, se não fora a sede do poder a qualquer custo de António Costa.

Espero que mais cedo que tarde, por cá, hajam novas eleições para se jogar um "tira-teimas" que é algo que tem de ser feito, o que vai acontecer no momento exacto em que o PS pense que vai ter o favor do povo, seguindo a lógica do seu partidário, Jorge Sampaio, então Presidente da República que não se coibiu de destituir o governo de maioria de Santana Lopes, quando percebeu que o PS ia ganhar como ganhou com José Sócrates, as eleições de 2005.
Convém relembra isto de vez em quando...

Quanto ao que se passa em Espanha é uma lição para quem a queira aprender, porque no jogo político não "vale tudo"... mas tão só, o que dentro da racionalidade, é compatível com as regras mínimas - que seja - de decência de atitudes.

Por que foram esquecidos os espinhos?

http://economico.sapo.pt/(de 26 de Abril de 2016)
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Com que então as contas estavam certas...

Não estavam, não senhor. 

E tanto não estavam que o povo, maioritariamente, não aceitou a bondade do PS, não lhe dando a vitória em 4 de Outubro de 2015... mas, mesmo assim, eis que está no poder quem perdeu e na oposição quem ganhou... o que prova que no "Portugal de Abril", ou seja - no Portugal deles - tudo é possível... 

Quem perde, ganha e quem ganha, perde!

Afinal o défice agravou-se... mas que esperavam aqueles que contavam só com as rosas e se esqueceram que elas só existem porque têm espinhos?

"Quadras Alfacinhas"


A cidade de Lisboa pelo seu historial que vai beber bem longe na Roda do Tempo a sua aura de terra marinheira que albergou no seu seio Heróis e Santos, desde sempre despertou nos seus naturais, ou que o não fossem - o encanto que merecem ter as cidades imperiais que, embora hoje, no caso de Lisboa, esteja decaído o velho Império de que ela foi capital - continua a suscitar na alma dos homens que têm a graça de ser artistas, o fascínio que se abriga, quer seja nos bairros antigos que nasceram à flor das águas do rio Tejo, como nos que, pela sua expansão, constituem hoje, a cerca urbanística moderna que lhe dão o ar das grandes metrópoles.



QUADRAS ALFACINHAS

Lisboa à tarde, revela
como a luz lhe doira a fronte.
Quando o sol morre na Estrela
ardem vidraças no Monte.

A bandeira de Lisboa
do seu Santo traz a marca.
Negra das penas dos Corvos, .
branca da vela da barca.

Cabem no Tejo, por arte
do seu seio largo e fundo,
corações de toda a parte
e esquadras de todo o Mundo.

Caia o Carmo e a Trindade,
não se abala a minha fé.
Sou mais firme na vontade
do que os terraços da Sé.

Entra a barra, olha a cidade,
tanta luz a pôs em festa
que ninguém viu claridade
que se compare com esta.

Lisboa, solar roqueiro
erguido à beira do rio !
Que átrio tão nobre - o Terreiro.
Que linda sala - o Rossio.

Nunca convenci Sereias,
por mais blandícias que forje.
São mais duras que as ameias
do Castelo de S. Jorge.

Ah ! se Lisboa soubesse
este amor que me flagela,
não deixava que eu morresse
a não ser nos braços dela.

Lisboa, pátria de tantos;
nela nasceu D. Diniz.
Foi mãe de poetas e santos,
berço  do Mestre de A vis.

Se da barra  sopra o vento
faz o Tejo estardalhaço,
e vem ralhar, rabugento,
contra o Terreiro do Paço.

Lisboa sonha aos serões,
trabalha os dias cansados,
deita-se com os pregões,
acorda com os mercados.

Vista de Almada, a cidade
retrata-se em corpo inteiro ...
Só vista de longe cabe
nos olhos do forasteiro.

Marchas de Lisboa espantam,
mas não por ser novidade.
Os pardais bailam e cantam
todo o ano na cidade.

Saia que Lisboa veste
tem o Mar por bordadura,
cobre-a um manto azul celeste
e o corpete é de verdura.

Formosas Tágides minhas,
se eu fosse um dia hortelão
só semeava alfacinhas
dentro do meu coração.

Nasce o sol no Mar da Palha,
beija o Tejo e, de contente,
logo toda a luz espalha
nas torres de S. Vicente.

Faz anos Lisboa. Vá
que é uma idade bem linda!
Conta oito séculos já
e não tem rugas ainda.

Bandeira de Afonso! O amor
e a Fé, tornaram-na em luz.
Até o Céu deu a cor
para traçar uma Cruz.

Da sátira Tolentina
há jarretas a bramar,
vendo em Santa Catarina
navios, com asas, no ar.

Nesta cidade tão bela
as ruas são um tesoiro:
ruas do Sol e da Estrela,
ruas da Prata e do Oiro.

Há quem diga: Foi Ulisses
quem fundou a capital.
Nem mesmo que tu o visses
acreditavas em tal.

D. Manuel quis guardar bem
o Tejo, e pôs-lhe à entrada
o castelo de Belém
feito de pedra arrendada.

Não há moiras encantadas
em Lisboa, infelizmente,
mas há cristãs batizadas
e essas encantam a gente.

Deu Lisboa, em património,
dois santos à sua gente :
Por defensor, Santo António,
por patrono, S. Vicente.

Sete montes, disse um louco,
tem Lisboa em seu distrito.
Sete montes? acho pouco
para um sítio tão bonito.

Afonso Henriques ganhou-a.
entrando as portas do Mar.
Foi por isso que Lisboa
teve o fado de embarcar.

M.S.
in, revista "Olisipo"- ano X, nº 40 de Outubro de 1947


Quem se escondeu por detrás das Iniciais M.S.?


Presumo que seja Matos Sequeira (Gustavo), então Director da Revista Olisipo, um "alfacinha de gema" que foi um notável conferencista, academista e um articulista de grande valor, sobretudo em temas de arte e arqueologia, tendo-lhe pertencido a iniciativa da fundação do Grupo Amigos de Lisboa, génese da revista "Olisipo".

As quadras que M.S. nos deixou, intituladas "Quadras Alfacinhas" são um exemplo de como a história se pode tornar o centro da ideia e, de como ela, seguindo a linha mestra do artista se emoldura com arte e beleza e na orografia do relevo da cidade os sete montes que são as suas colinas - que ele acha pouco / para um sítio tão bonito - ao erguerem-se da cota das águas ribeirinhas, foi por elas que o rei Afonso entrou para o assalto definitivo, e foi por elas que Lisboa teve o fado de embarcar.

É assim que M.S. acaba a melopeia cantante das suas "Quadras Alfacinhas", deixando, na singeleza sábia do contexto em que elas se prendem, todo o encanto do lisboeta amante de sua cidade, onde as ruas são um tesoiro, e a Torre de Belém, na sua pedra arrendada, ficou ali, por ordem do rei D. Manuel para mostrar aos que chegavam pelo mar, como a cidade, toda ela é uma renda bordada pelo casario aninhada nas faldas do monte do Castelo, tendo por defensor Santo António e por patrono São Vicente, cujas relíquias foi pelas portas do Mar, que entraram até à Sé de Lisboa.

Estas "Quadras Alfacinhas", verdadeiramente, são um tesouro!