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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Diz-me com quem andas...


Diz-me com quem andas e eu dir-te-ei quem és!
Sabedora popular

Hoje, veio-me ao pensamento este velho axioma da sabedoria popular, e porque sempre o achei de uma grande eloquência - daquela que não se aprende nas Academias - fi-lo publicar... para com ele ilustrar uma verdade milenar... mas que, por vaidade, vanglória, presunção e, sobretudo, jactância, muitos homens sem cuidar das companhias que arranjam - desde que lhe sejam úteis para os seus fins inconfessados - não se importam de se fazer cair na frase certeira: diz-me com quem andas e eu dir-te-ei quem és!|

Este Mundo ao avesso!


Acabo de ouvir o que se passa em Cuba com as cerimónias de homenagem à memória de Fidel de Castro levando as suas cinzas itinerantes a vários pontos do País, e isto dá-me que pensar, porquanto aos ditadores de esquerda, parece, tudo ser perdoado, como se os assassinatos políticos que sob a sua batuta foram levados a cabo tivessem sido cometidos contra vidas humanas irrelevantes... a quem foi decretada a pena de morte por não merecerem existir.

E, portanto, neste Mundo ao avesso as ditaduras de esquerda são permitidas e os ditadores - como Fidel de Castro até são referenciados como figuras gradas, merecedoras de honras e respeitos humanos - o que não acontece com os ditadores de direita, tidos como cruéis, relapsos e inimigos que têm de ser abatidos e com a morte, esquecidos, como se da vida que viveram nada tivessem feito de aproveitável.

Não entendo... pois ambos os regimes colidem com a liberdade do homem e se em Cuba Fulgêncio Baptista era um ditador e merecia ser derrubado, o que Fidel de Castro fez, foi implantar a sua ditadura, só tendo mudado a cartilha política.

Ditador é ditador, seja ele quem seja e a política que eles defendem não devia ser consentida em parte nenhuma do Mundo, pelo que aquilo que se passa, agora, com Parlamentos - como o português, embora sem unanimidade de votos - a tecer encómios a Fidel de Castro é um acto que me causa engulhos, porque as mortes de cidadãos cubanos que o regime imposto por ele causou só por não alinharem com a sua ditadura, clamam contra ele desde os covais onde os sepultaram.

É por esse motivo que ao ver que o Estado português se vai fazer representar nas exéquias fúnebres de um ditador, se sou obrigado a compreender, não me sinto obrigado a respeitar a acção, porque, afinal, o Estado não é o conjunto de quem num dado momento detém o poder, mas o conjunto de todos os cidadãos portugueses.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Pergunto-te... (um Poema de Cecília Meireles)


                         in, Wikipedia


Pergunto-te
Onde se Acha a Minha Vida

Pergunto-te onde se acha a minha vida.
Em que dia fui eu. Que hora existiu formada
de uma verdade minha bem possuída.

Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada.

E a quem é que pergunto? Em quem penso, iludida
por esperanças hereditárias? E de cada
pergunta minha vai nascendo a sombra imensa
que envolve a posição dos olhos de quem pensa.

Já não sei mais a diferença
de ti, de mim, da coisa perguntada,
do silêncio da coisa irrespondida.

Cecília Meireles, in "Poemas"

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Sempre me interroguei profundamente sobre este texto poético de Cecília Meireles.

Órfã de mãe com os seus três tenros anos de idade, muito embora tivesse ficado aos cuidados da avó materna, uma micaelense que apesar da falta materna a educou exemplarmente - ao ponto ter merecido a atenção de Olavo Bilac - e depois de ter abandonado o Conservatório Nacional de Música, onde sonhou escrever uma ópera de exaltação do Apóstolo São Paulo - um Santo seu predilecto - acabou por se dedicar à Literatura.

Senhora de um catolicismo adulto, desde sempre entendi que neste seu poema o sentido da pergunta é feita a Deus - Pergunto-te onde se acha a minha vida - e, desde sempre nunca soube encontrar uma resposta minha para a sua afirmação - Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada - parecendo-me que das perguntas que fez a Deus sobrou a sombra imensa de quem como ela foi uma cultora do pensamento, provando assim, que ela, sem deixar de ser fiel à Bíblia, o melhor dos livros como ela dizia onde encontrava tudo, dizendo que, Só viajo com a Bíblia. A Bíblia é uma biblioteca. Tem tudo: história, poesia, religião. Já disse que, se tivesse que escolher o meu livro para uma ilha deserta, levaria a Bíblia, apesar disso, Cecília Meireles foi uma grande interrogadora de Deus, a ponto de dizer no terceto com que acaba o seu poema:

                                        Já não sei mais a diferença 
de ti, de mim, da coisa perguntada, 
do silêncio da coisa irrespondida.
  
Mas foi neste silêncio de coisa irrespondida que Cecíla Meireles encontrou sempre respostas certas, e foi por isso que ao lembrar a memória da avó de S. Miguel (Açores) que lhe formou o carácter que num dos seus formosos pensamentos havia de ter dito, um dia: A dignidade, a elevação espiritual de minha avó influíram muito na minha maneira de sentir os seres e a vida, tecendo na sua terna fieira de linho a vida que fez dela uma alma de eleição que o Rio de Janeiro viu findar, num tempo em que ela já havia dito: Aprendi com a primavera a me deixar cortar. E a voltar sempre inteira.

Cecília Meireles é assim, ainda hoje.

Uma mulher cortada pelo machado da morte - que não poupa ninguém - mas que, enquanto houver nos seus muitos milhares de leitores e admiradores do ser extraordinário que morou dentro da sua alma, em cada Primavera vai voltar sempre inteira, porque nunca vai haver machado que nos corte a sua lembrança espiritual e o modo como ela, um dia, ao dirigir-se a Deus lhe pediu pediu nesta pequena e bela oração: Dai-me, Senhor, a perseverança das ondas do mar, que fazem de cada recuo um ponto de partida para um novo avanço.

Que nós, sobrevivos a esta grande senhora das Letras Brasileiras, repitamos, pedindo ao mesmo Deus de Cecília Meireles, que sejamos assim: como as ondas do mar que recuam, mas fazendo desse aparente atraso da nossa caminhada um motivo de seguirmos em frente.

É costume...


É costume de um tolo, quando erra, queixar-se dos outros. É costume de um sábio queixar-se de si mesmo.

Sócrates

E eu que pensava que Pilatos tinha morrido!


António Domingues acabado de se demitir do lugar de Presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) para que foi empossado pelo governo desgovernado - que assim tem de ser chamado neste assunto - acabou por entregar, afinal, a declaração de Património e Rendimentos ao Tribunal Constitucional e com essa atitude deu una "bofetada" com punhos de renda a António Costa.

Foi a prova que o "braço de ferro" que António Domingues manteve, afinal, veio a perceber-se que muito longe de estar em sua mente a manutenção de qualquer obstinação, renitência ou teimosia, estava, antes, a tentativa de obrigar António Costa a cumprir o acordo estabelecido pelo seu Ministro das Finanças e que nem o primeiro como chefe do governo quis  cumprir, nem o segundo que o podia fazer, o fez,  mas a quem competia demitir-se.

Esta "bofetada" com punhos de renda de António Domingues mostra à evidência a vida pantanosa da nossa política rasteira, mostrando que falta em Portugal uma disciplina de assunção de responsabilidades pelos erros cometidos, com a agravante, depois de fazerem o mal, lavarem as mãos como Pilatos...

E eu que pensava que Pilatos tinha morrido!

Confessar que se errou...



Confessar que se errou é provar que que nos tornámos mais razoáveis.

Jonatham Swift

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Será que...

http://24.sapo.pt/ de 28 de Novembro de 2016
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A frase que apareceu assim publicada e acima transcrita e levou António Costa a acusar o PSD de "inventar" polémicas com o fim de travar o plano de capitalização - da Caixa Geral de Depósitos - leva-me a pensar, legitimamente, que se deva perguntar a António Costa se o voto do Bloco de Esquerda - seu parceiro no "arranjinho" que lhe tem garantido o poder - e que no Parlamento votou ao lado do Partido Social Democrata (PSD) e o Partido Popular (CDS-PP) se ele pensa que o voto do BE tem o mesmo sentido... ou seja, se o BE se aliou ao PSD e CDS para travar o plano de capitalização da CGD.

Como é sabido foi essa aliança que levou António Domingues a "bater com a porta" por se sentir encurralado... sem ter a defesa do Partido Socialista... donde surgiu toda a trapalhada, pelo que acusar os outros de culpas próprias não dignifica a política dos que assim procedem.

Será que António Costa, tal como acusa o PSD é capaz de acusar como mesmo acinte o Bloco de Esquerda, seu parceiro acidental?

Aprendi...


Aprendi que não posso exigir o amor de ninguém...
Posso apenas dar boas razões para que gostem de mim...
E ter paciência para que a vida faça o resto...

Autor Desconhecido

Chega meus senhores!


E se António Costa se retratasse e viesse dizer que a culpa do que se passou com a escolha dos gestores da Caixa Geral de Depósitos - ainda que indirectamente - lhe cabe por ser o Chefe do Governo?

E se Mário Centeno apresentasse a demissão, em vez de andar a fingir... como se não lhe pertencesse a condução política deste assunto?

É que não é bonito, agora, que o mal está feito e pertence ao governo andarem a sugerir que o mal não é deles... mas da oposição, especialmente do PSD, que pretende por linhas ínvias acabar com o Banco público...
Creiam que o povo não é acéfalo e já percebeu o modo enviezado como o governo ratou este problema e não esquece que o Bloco de Esquerda - apesar do acordo estabelecido com António Costa - achou demais acompanhá-lo neste dislate.

Chega meus senhores!

A Democracia - a nossa - é, ainda, uma "casa" em construção e, por favor, não a continuem a edificar com materiais de segunda escolha, porque ninguém no seu juízo perfeito deseja que a "casa" venha abaixo!

O tempo e o esquecimento.


O tempo faz a gente esquecer. Há pessoas que esquecem depressa. Outras apenas fingem que não se lembram mais.

Érico Veríssmo

domingo, 27 de novembro de 2016

Jogo de sombras...

http://www.sapo.pt/ de 27 de Novembro de 2016
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A demissão do Presidente nomeado pelo governo para a Caixa Geral de Depósitos (CGD) era esperada, porque no jogo de sombras que sucedeu à necessidade do cumprimento da lei dos gestores públicos, no respeitante à clarificação do Património e Rendimentos que é obrigatória - e que parece, o governo o teria dispensado - tudo isto causou mais um caso em que a nossa política é fértil.

Mas... a ser verdade, como é que o governo poderia dispensar um gestor de um Banco público - propriedade de todos nós - de apresentar documentos que a lei impõe?
Falta, por isso, saber a verdade deste jogo de sombras.

Algum dia o saberemos?

Valha a verdade - e esta tem de ser dita - O Bloco de Esquerda (BE), um partido político que sustenta no Parlamento o governo de António Costa, neste caso, não seguiu o governo e votou ao lado da oposição (PSD E CDS), um facto que só é anómalo para quem não queira perceber que se exige o que a lei determina e não podem haver "jogos de bastidores" que conspurquem o clima político que se estava a gerar, lamentando-se profundamente tudo o que se passou e originou a demissão do gestor.

Penso, que António Domingues devia dizer a verdade das causas que o levaram a manter um "braço de ferro"... que veio a partir-se.
A Democracia exige a verdade.
Chega de jogo de sombras!

Mereceu pena?


No dia 26 de Outubro de 2016 o Presidente da República Portuguesa visitou em Havana, Fidel de Castro.

A foto vale, apenas,  por fixar um momento em que o Presidente de Portugal - um País que vive em Democracia se encontrou com o ex-Presidente de Cuba de que ele foi um ditador inexorável - mas não é um documento de comunhão política e, por isso, é uma foto anómala, porque se de Portugal chegou uma voz cordata, representando um povo que pela voz e acção dos seus mais proeminentes políticos - como é o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa - acabou com os julgamentos sumários e com a pena de morte, do outro lado esteve um homem que não hesitou em fazer o contrário.

Corre na gíria popular portuguesa um axioma que sugere: "depois de mortos todos somos bons", mas a História que fica dos homens que passam, um dia, há-de registar o que foi bom e o seu contrário e, eu creio, que com Fidel de Castro - como acontece com todos os homens que tiveram poder - a História não esquecerá a sua ditadura cruel.

O que eu pergunto e se mereceu a pena a visita do Presidente da República Portuguesa.

sábado, 26 de novembro de 2016

O sábio...


O sábio não é o homem que fornece as verdadeiras respostas; é o que formula as verdadeiras perguntas.

Claude Lévi-Strauss

"Feliz aniversário"

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FELIZ ANIVERSÁRIO

Um momento especial de renovação para sua alma e seu espírito, porque Deus, na sua infinita sabedoria, deu à natureza a capacidade de desabrochar a cada nova estação e a nós capacidade de recomeçar em cada ano.

Desejo – te um ano cheio de amor e de alegrias.

Afinal fazer aniversário é ter a chance de fazer novos amigos, ajudar mais pessoas, aprender e ensinar novas lições, vivenciar outras dores e suportar velhos problemas.
Sorrir novos motivos e chorar outros, porque amar o próximo é dar mais amparo, rezar mais preces e agradecer mais vezes.

Fazer Aniversário é amadurecer um pouco mais e olhar a vida como uma dádiva de Deus.
É ser grato, reconhecido, forte, destemido.
É ser rima, é ser verso, é ver Deus no universo;
Parabéns a você nesse dia tão grandioso.

Autor Desconhecido
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Ás vezes, já me tem acontecido, quando escrevo um cartão de parabéns a um amigo e tento não dizer "lugares comuns" e sem querer caio nessa armadilha social, ao ler e meditar na beleza humana deste "Autor Desconhecido" o que ficou, líquido para mim, sem ser um "lugar comum" de boa educação social é que devo dizer ao meu amigo que ele é - nesse dia tão grandioso - uma pessoa importante.

Em primeiro lugar para ele que é único e tem uma acção a cumprir que ninguém a pode fazer por ele e, depois, fazer-lhe sentir que ele tem de ser como diz o texto do "Autor Desconhecido" - rima - para poder soar e - verso - para poder ser cantado e enaltecido nos parabéns que lhe damos.

Obrigado, "Autor Desconhecido" pela lição que me deste!

Os "repúblico-monárquicos"!

 Cuba, a ilha de um dos povos "arawak" 
que segundo a tradição recebeu a embaixada de Cristóvão Colombo 
com festa e presentes, onde avultavam os papagaios.
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Morreu Fidel de Castro.

Como eu não gosto de ditadores - sejam eles da esquerda ou da direita - curvo-me perante o homem meu irmão perante o Deus Eterno, mas não me curvo perante a sua obra política totalitária em que só quem pensava como ele tinha direitos políticos.

Também não me curvo perante os "repúblico-monárquicos" como ele foi, porque tendo sido um "rei absoluto" de Cuba, abandonou o seu governo totalitário para "monarquicamente" deixar o poder ao irmão que lhe sucedeu, como se ele fosse, efectivamente um "rei sem coroa" mas tivesse,  por um direito ínvio,  um sucessor como veio a acontecer.

Não me curvo, por isso, pelos "repúblicos-monárquicos", porque não me posso curvar por quem em 1959 implantou uma República de que fez um - reinado sem rei - fazendo-se respeitar servilmente, e tendo derrubado uma ditadura implantou a sua, pelo que me curvo - isso sim! - pelo povo cubano oriundo da velha tribo "arawak", que bem merece ter, agora, uma República democrática e nunca mais ser governada por "republico-monárquicos".

Eis, porque eu me curvo perante o homem, mas não pela sua obra pós-Revolução ao ter-se entregado aos marxistas-leninistas, origem do bloqueio económico de 1962 por parte dos EUA e à crise dos mísseis decretada por Khutchev que ia valendo uma guerra.

Isto é a História que o diz. Faço apenas este breve relato, com o desejo ardente que o povo de Cuba encontre, finalmente, a liberdade a que tem direito.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Todo o homem...


Todo o homem tem três carácteres: o que ele exibe, o que ele tem e o que pensa que tem.

Alphonse Karr

Eu creio...


Eu creio no Deus que fez os homens, e não no Deus que os homens fizeram...

Alphonse Karr

Intrigante...

Os "amigos" que há por aí, no ciberespaço...
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Li, há dias, que um homem foi encontrado morto em casa, havia uma semana, e ninguém havia dado pela sua falta!

Depois, descobriu-se que tinha 3.500 "amigos" no ciberespaço!

"Amigos"?
Como é possível que esta palavra tão bela esteja de tal modo desvirtuada que se chame de "amigo" alguém que não se conhece ou, até, sem nunca se ter visto?

Meu Deus, que tempo o nosso, em que os nossos filhos e netos são colocados diante desta realidade virtual, deixando que se percam os sentidos das palavras como este de amigo, uma realidade que exige uma profunda troca de gestos, compromissos e, sobretudo, lealdade, atributos que o Poeta brasileiro Geir Nuffer Campos deixou implícitos no seu belo poema,
Cantar de Amigo

O claro pão
 que repartimos
 dá-nos um título:
 companheiros.

 A indagação
 que aprofundamos
 faz de nós, artesãos,
 camaradas.

 O olhar sem visgo,
 a voz precisa,
 o gesto mundo,
 eis-nos: amigos.

 Quantos, que marcham pela vida
 como quem carrega uma estrada,
 terão amigo, companheiro e camarada?

 in 'Canto Provisório'
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Efectivamente, quantos de nós andamos pela vida - carregando-a como se ela fosse uma estada - tendo parceiros certos, indefectiveis e humanamente válidos como sugere o Poeta - amigo, companheiro e camarada? - 

Eis, porque aquele homem que no facebook tinha 3,500 "amigos", na verdade, não tinha nenhum... e esta realidade dos nossos dias é intrigante, pois sem negar a valia das trocas de mensagens, de experiências e outras coisas semelhantes é um erro tremendo adulterar a palavra de amigo, que é sinónimo de afecto, dedicação ou de aliado, a ponto de, se preciso for, ser-se capaz de confundir sentimentos e sensibilidades ou, até, de fazer o contrário, discordando, ralhando e emendando, mas sempre a caminhar no mesmo caminho que tem por fim a meta da amizade vivida e convivida.

Eis, porque...

http://24.sapo.pt/ (25 de Novembro de 2016)
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A fazer fé numa sondagem hoje conhecida com base na Universidade Católica, o PS alcançaria 43%, algo que coloca António Costa à beira de conquistar para o Partido Socialista uma maioria absoluta.

Eis, porque, enquanto cidadão que nunca aprovou a solução de "arranjinho" que foi feita para termos em funções o governo que temos, sugiro que António Costa se legitime, provocando eleições antecipadas.

Haja respeito!


Neste belo edifício construído no fechar do século XVI e que serviu de mosteiro da Ordem de S. Bento, desde 1834 está sediado o Parlamento português que tem sido sede - todos o sabemos de acesas batalhas verbais durante todo o tempo da Monarquia Constitucional e desde a fundação da República Portuguesa - e que, por vezes, raiaram o exagero da contenção do verbo inflamado, como hoje de manhã aconteceu.

E tudo mais uma vez por causa de um assunto mal conduzido pelo governo sobre a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e que, ingloriamente, não tem sabido expor claramente como lhe competia fazer, sendo o culpado directo das dissonâncias que se têm instalado nas bancadas da oposição e no público em geral.

Esta manhã houve discussão acesa,

Diz o endereço electrónico http://www.jornaleconomico.sapo.pt/, que a agitação no Plenário agravou-se quando Ricardo Mourinho Félix, secretário de Estado Adjunto do Tesouro e das Finanças, respondeu a Leitão Amaro. Depois de classificar como um “desrespeito pelo Tribunal Constitucional” que as questões relacionadas com a administração da CGD fossem trazidas para o debate, Mourinho Félix lançou acusações de populismo e disse que o deputado social-democrata estaria com uma “disfuncionalidade cognitiva temporária”. O comentário do secretário de Estado gerou grande – e sonora – contestação entre os deputados, que exigiram um pedido de desculpa. Após alguns minutos de confusão, vários reparos do presidente da Assembleia da República – e até uma ameaça de suspensão da sessão –, o pedido de desculpa chegou e os ânimos acalmaram.

Como costuma dizer o nosso povo na sua sábia maneira de dizer as verdades, os deputados ou governantes do Partido Socialista  - têm as costas quentes - ou seja, valem-se do poder que têm - com a desfaçatez de não o terem conquistado nas urnas de voto - para serem desbocados acusando o oponente, no caso o deputado do Partido Social Democrata (PSD) António Leitão Amaro de sofrer de uma disfuncionalidade cognitiva temporária, como se - valha ao menos isso - tal anormalidade cognitiva não fosse definitiva...

Haja respeito!

Haja, sobretudo, respeito cada um por si mesmo e pelo lugar que se ocupa - que esse, sim, é temporário - e deve ser exercido com modos educados e urbanos, próprios de um Parlamento a cujos agentes detentores efémeros de um poder que passa, se não pode permitir que digam palavras que transmitam ideias de haver em qualquer membro da oposição um mau funcionamento, no caso, em questão, o órgão humano que baliza o juízo.

Foi uma ofensa grave, mas valha e louva-se o pedido de desculpas da má educação e falta de respeito pelo adversário político.

Os enganos acontecem...


Sou daqueles portugueses que pensam que este assunto da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e tudo o que se tem relacionado com o convite do governo as actuais gestores, começa a ser caricato e é mais um modo de colocar nuvens no céu político - que todos sabemos tem sempre as suas sombras - mas não tão densas que deixem o cidadão a maquinar sobre onde está a verdade e o seu contrário.

Sou daqueles portugueses que pensam que o governo de António Costa se enganou e agora lhe custa dar o "braço a torcer", pois o que parece líquido é que à equipa dos gestores da CGD lhe foi prometido a não necessidade de apresentarem comprovativos obrigatórios sobre os seus rendimentos e património, pelo que, é necessário dizer-se a verdade para serenar o ambiente pantanoso em que vive este assunto.

O governo enganou-se? Acontece. 

O que não deve acontecer é o silêncio e a fuga em dizer o que aconteceu, porque tal facto é passar um atestado aos cidadãos que o engano que se comete e não se assume, pode fazer carreira, quando tal não deve acontecer para o sadio comportamento dos homens e das instituições.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

A misericórdia: uma atitude para todos os dias!

CRISTO E A ADÚLTERA
Quadro de Tiépolo (Museu de Belas Artes de Marselha
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Jesus foi para o Monte das Oliveiras. De madrugada, voltou outra vez para o templo e todo o povo vinha ter com Ele. Jesus sentou-se e pôs-se a ensinar. Então, os doutores da Lei e os fariseus trouxeram-lhe certa mulher apanhada em adultério, colocaram-na no meio e disseram-lhe: «Mestre, esta mulher foi apanhada a pecar em flagrante adultério. Moisés, na Lei, mandou-nos matar à pedrada tais mulheres. E Tu que dizes?»
Faziam-lhe esta pergunta para o fazerem cair numa armadilha e terem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se para o chão, pôs-se a escrever com o dedo na terra.
Como insistissem em interrogá-lo, ergueu-se e disse-lhes: «Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra!» E, inclinando-se novamente para o chão, continuou a escrever na terra. Ao ouvirem isto, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, e ficou só Jesus e a mulher que estava no meio deles.
Então, Jesus ergueu-se e perguntou-lhe: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?» Ela respondeu: «Ninguém, Senhor.» Disse-lhe Jesus: «Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar.» (Jo 8, 1-11)
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Intencionalmente o Papa Francisco abre a Carta Apostólica "Misericordia et misera" no termo do Ano Jubilar extraordinário da Misericórdia focando este texto bíblico do Evangelho de S. João que nos apresenta, segundo a tela de Tiépolo, Jesus rodeado da mulher adúltera e de um grupo de homens que lhe pediam a pena de talião, ou seja a morte à pedrada para a pecadora.

Jesus dobrou o corpo e escreveu no chão - por duas vezes algo que a Bíblia não diz -  mas que fosse o que fosse, da primeira vez em que fez aquela escrita incógnita deixou ao grupo daqueles homens assanhados a pergunta bem conhecida: Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra, para depois, um a um todos se terem ido embora, deixando que ficassem frente a frente Jesus e a mulher adúltera.

Eis, pois, como começa o documento do Papa:

Misericórdia e mísera (misericordia et misera) são as duas palavras que Santo Agostinho utiliza para descrever o encontro de Jesus com a adúltera (cf. Jo 8, 1-11). Não podia encontrar expressão mais bela e coerente do que esta, para fazer compreender o mistério do amor de Deus quando vem ao encontro do pecador: «Ficaram apenas eles dois: a mísera e a misericórdia». Quanta piedade e justiça divina nesta narração! O seu ensinamento, ao mesmo tempo que ilumina a conclusão do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, indica o caminho que somos chamados a percorrer no futuro.

É este caminho para onde somos convidado a percorrer no futuro que o Papa Francisco aponta após ter dedicado um Ano especial à Misericórdia, para lembrar que esse atributo divino - que Jesus teve para com a mulher adúltera -  tenha ressonâncias nos homens, individual e colectivamente, porque no arcaboiço físico que transportamos existe por um desígnio que nos escapa, o divino da nossa condição humana.

"Misericordia et misera"


No final do Angelus de domingo 20 de Novembro, o Papa Francisco assinou a sua carta apostólica «Misericordia et misera» dirigida à Igreja inteira para que continue a viver a misericórdia experimentada durante todo o jubileu extraordinário que ocorreu desde o dia 8 de Dezembro de 2015 a 20 de Novembro de 2016.

Documento importante para crentes e não crentes, porquanto a misericórdia que se define, pela compaixão pelo outro ou pela indulgência para com os seus defeitos, exigindo, por isso, o acto de os compreender e perdoar - na certeza que o homem é um ser imperfeito - esta chamada de atenção do Papa Francisco, serve essencialmente, para lembrar que encerrado o Ano Jubilar consagrado à Misericórdia, o seu sentido  e a sua vivência real no concreto dos dias tem de estar presente na acção de cada homem em relação aos seu semelhante.

Nota: As separações dos parágrafos do texto que se publica na íntegra e das partes, é da nossa conta.


CARTA APOSTÓLICA
Misericordia
 et misera
DO SANTO PADRE 
FRANCISCO
NO TERMO DO JUBILEU EXTRAORDINÁRIO
 DA MISERICÓRDIA
Francisco
a quantos lerem esta Carta Apostólica
misericórdia e paz!

Misericórdia e mísera (misericordia et misera) são as duas palavras que Santo Agostinho utiliza para descrever o encontro de Jesus com a adúltera (cf. Jo 8, 1-11). Não podia encontrar expressão mais bela e coerente do que esta, para fazer compreender o mistério do amor de Deus quando vem ao encontro do pecador: «Ficaram apenas eles dois: a mísera e a misericórdia».[1] Quanta piedade e justiça divina nesta narração! O seu ensinamento, ao mesmo tempo que ilumina a conclusão do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, indica o caminho que somos chamados a percorrer no futuro.

1. Esta página do Evangelho pode, com justa razão, ser considerada como ícone de tudo o que celebramos no Ano Santo, um tempo rico em misericórdia, a qual pede para continuar a ser celebrada e vivida nas nossas comunidades. Com efeito, a misericórdia não se pode reduzir a um parêntese na vida da Igreja, mas constitui a sua própria existência, que torna visível e palpável a verdade profunda do Evangelho. Tudo se revela na misericórdia; tudo se compendia no amor misericordioso do Pai.

Encontraram-se uma mulher e Jesus: ela, adúltera e – segundo a Lei – julgada passível de lapidação; Ele que, com a sua pregação e o dom total de Si mesmo que O levará até à cruz, reconduziu a lei mosaica ao seu intento originário genuíno. No centro, não temos a lei e a justiça legal, mas o amor de Deus, que sabe ler no coração de cada pessoa incluindo o seu desejo mais oculto e que deve ter a primazia sobre tudo. Entretanto, nesta narração evangélica, não se encontram o pecado e o juízo em abstrato, mas uma pecadora e o Salvador. Jesus fixou nos olhos aquela mulher e leu no seu coração: lá encontrou o desejo de ser compreendida, perdoada e libertada. A miséria do pecado foi revestida pela misericórdia do amor. Da parte de Jesus, nenhum juízo que não estivesse repassado de piedade e compaixão pela condição da pecadora. A quem pretendia julgá-la e condená-la à morte, Jesus responde com um longo silêncio, cujo intuito é deixar emergir a voz de Deus tanto na consciência da mulher como nas dos seus acusadores. Estes deixam cair as pedras das mãos e vão-se embora um a um (cf. Jo 8, 9). E, depois daquele silêncio, Jesus diz: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou? (...) Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar» (8, 10.11). Desta forma, ajuda-a a olhar para o futuro com esperança, pronta a recomeçar a sua vida; a partir de agora, se quiser, poderá «proceder no amor» (Ef 5, 2). Depois que se revestiu da misericórdia, embora permaneça a condição de fraqueza por causa do pecado, tal condição é dominada pelo amor que consente de olhar mais além e viver de maneira diferente.

2. Aliás Jesus ensinara-o claramente quando, em casa dum fariseu que O convidara para almoçar, se aproximou d’Ele uma mulher conhecida por todos como pecadora (cf. Lc 7, 36-50). Esta ungira com perfume os pés de Jesus, banhara-os com as suas lágrimas e enxugara-os com os seus cabelos (cf. 7, 37-38). À reação escandalizada do fariseu, Jesus retorquiu: «São perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou; mas àquele a quem pouco se perdoa, pouco ama» (7, 47).

perdão é o sinal mais visível do amor do Pai, que Jesus quis revelar em toda a sua vida. Não há página do Evangelho que possa ser subtraída a este imperativo do amor que chega até ao perdão. Até nos últimos momentos da sua existência terrena, ao ser pregado na cruz, Jesus tem palavras de perdão: «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 34).

Nada que um pecador arrependido coloque diante da misericórdia de Deus pode ficar sem o abraço do seu perdão. É por este motivo que nenhum de nós pode pôr condições à misericórdia; esta permanece sempre um ato de gratuidade do Pai celeste, um amor incondicional e não merecido. Por isso, não podemos correr o risco de nos opor à plena liberdade do amor com que Deus entra na vida de cada pessoa.
A misericórdia é esta ação concreta do amor que, perdoando, transforma e muda a vida. É assim que se manifesta o seu mistério divino. Deus é misericordioso (cf. Ex 34, 6), a sua misericórdia é eterna (cf. Sal 136/135), de geração em geração abraça cada pessoa que confia n’Ele e transforma-a, dando-lhe a sua própria vida.

3. Quanta alegria brotou no coração destas duas mulheres: a adúltera e a pecadora! O perdão fê-las sentirem-se, finalmente, livres e felizes como nunca antes. As lágrimas da vergonha e do sofrimento transformaram-se no sorriso de quem sabe que é amado. A misericórdia suscita alegria, porque o coração se abre à esperança duma vida nova. A alegria do perdão é indescritível, mas transparece em nós sempre que a experimentamos. Na sua origem, está o amor com que Deus vem ao nosso encontro, rompendo o círculo de egoísmo que nos envolve, para fazer também de nós instrumentos de misericórdia.
Como são significativas, também para nós, estas palavras antigas que guiavam os primeiros cristãos: «Reveste-te de alegria, que é sempre agradável a Deus e por Ele bem acolhida. Todo o homem alegre trabalha bem, pensa bem e despreza a tristeza. (...) Viverão em Deus todas as pessoas que afastam a tristeza e se revestem de toda a alegria».[2] Experimentar a misericórdia dá alegria; não no-la deixemos roubar pelas várias aflições e preocupações. Que ela permaneça bem enraizada no nosso coração e sempre nos faça olhar com serenidade a vida do dia-a-dia.

Numa cultura frequentemente dominada pela tecnologia, parecem multiplicar-se as formas de tristeza e solidão em que caem as pessoas, incluindo muitos jovens. Com efeito, o futuro parece estar refém da incerteza, que não permite ter estabilidade. É assim que muitas vezes surgem sentimentos de melancolia, tristeza e tédio, que podem, pouco a pouco, levar ao desespero. Há necessidade de testemunhas de esperança e de alegria verdadeira, para expulsar as quimeras que prometem uma felicidade fácil com paraísos artificiais. O vazio profundo de tanta gente pode ser preenchido pela esperança que trazemos no coração e pela alegria que brota dela. Há tanta necessidade de reconhecer a alegria que se revela no coração tocado pela misericórdia! Por isso guardemos como um tesouro estas palavras do Apóstolo: «Alegrai-vos sempre no Senhor!» (Flp 4, 4; cf. 1 Ts 5, 16).

4. Celebramos um Ano intenso, durante o qual nos foi concedida, em abundância, a graça da misericórdia. Como um vento impetuoso e salutar, a bondade e a misericórdia do Senhor derramaram-se sobre o mundo inteiro. E perante este olhar amoroso de Deus, que se fixou de maneira tão prolongada sobre cada um de nós, não se pode ficar indiferente, porque muda a vida.
Antes de mais nada, sentimos necessidade de agradecer ao Senhor, dizendo-Lhe: «Vós abençoastes a vossa terra (…). Perdoastes as culpas do vosso povo» (Sal 85/84, 2.3). Foi mesmo assim: Deus esmagou as nossas culpas e lançou ao fundo do mar os nossos pecados (cf. Miq 7, 19); já não Se lembra deles, lançou-os para trás de Si (cf. Is 38, 17); como o Oriente está afastado do Ocidente, assim os nossos pecados estão longe d’Ele (cf. Sal 103/102, 12).

Neste Ano Santo, a Igreja pôde colocar-se à escuta e experimentou com grande intensidade a presença e proximidade do Pai, que, por obra do Espírito Santo, lhe tornou mais evidente o dom e o mandato de Jesus Cristo relativo ao perdão. Foi realmente uma nova visita do Senhor ao meio de nós. Sentimos o seu sopro vital efundir-se sobre a Igreja, enquanto, mais uma vez, as suas palavras indicavam a missão: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos» (Jo 20, 22-23).

5. Agora, concluído este Jubileu, é tempo de olhar para diante e compreender como se pode continuar, com fidelidade, alegria e entusiasmo, a experimentar a riqueza da misericórdia divina. As nossas comunidades serão capazes de permanecer vivas e dinâmicas na obra da nova evangelização na medida em que a «conversão pastoral», que estamos chamados a viver,[3] for plasmada dia após dia pela força renovadora da misericórdia. Não limitemos a sua ação; não entristeçamos o Espírito que indica sempre novas sendas a percorrer para levar a todos o Evangelho da salvação.

Em primeiro lugar, somos chamados a celebrar a misericórdia. Quanta riqueza está presente na oração da Igreja, quando invoca a Deus como Pai misericordioso! Na liturgia, não só se evoca repetidamente a misericórdia, mas é realmente recebida e vivida. Desde o início até ao fim da Celebração Eucarística, a misericórdia reaparece várias vezes no diálogo entre a assembleia orante e o coração do Pai, que rejubila quando pode derramar o seu amor misericordioso. Logo na altura do pedido inicial de perdão com a invocação «Senhor, tende piedade de nós», somos tranquilizados: «Deus todo-poderoso tenha compaixão de nós, perdoe os nossos pecados e nos conduza à vida eterna». É com esta confiança que a comunidade se reúne na presença do Senhor, especialmente no dia semanal que recorda a ressurreição. Muitas orações ditas «coletas» procuram recordar-nos o grande dom da misericórdia. No tempo da Quaresma, por exemplo, rezamos com estas palavras: «Deus, Pai de misericórdia e fonte de toda a bondade, que nos fizestes encontrar no jejum, na oração e no amor fraterno os remédios do pecado, olhai benigno para a confissão da nossa humildade, de modo que, abatidos pela consciência da culpa, sejamos confortados pela vossa misericórdia».[4]Mais adiante, somos introduzidos na Oração Eucarística pelo Prefácio que proclama: «Na vossa infinita misericórdia, de tal modo amastes o mundo que nos enviastes Jesus Cristo, nosso Salvador, em tudo semelhante ao homem, menos no pecado».[5] Aliás a própria Oração Eucarística IV é um hino à misericórdia de Deus: «Na vossa misericórdia, a todos socorrestes, para que todos aqueles que Vos procuram Vos encontrem». E «tende misericórdia de nós, Senhor»[6] é a súplica premente que o sacerdote faz na Oração Eucarística para implorar a participação na vida eterna. Depois do Pai-Nosso, o sacerdote prolonga a oração invocando a paz e a libertação do pecado, «ajudados pela vossa misericórdia» e, antes da saudação da paz que os participantes trocam entre si como expressão de fraternidade e amor mútuo à luz do perdão recebido, o celebrante reza de novo: «Não olheis aos nossos pecados, mas à fé da vossa Igreja».[7] Através destas palavras, pedimos com humilde confiança o dom da unidade e da paz para a Santa Mãe Igreja. Assim a celebração da misericórdia divina culmina no Sacrifício Eucarístico, memorial do mistério pascal de Cristo, do qual brota a salvação para todo o ser humano, a história e o mundo inteiro. Em suma, cada momento da Celebração Eucarística faz referimento à misericórdia de Deus.

Mas, em toda a vida sacramental, é-nos dada com abundância a misericórdia. Realmente é significativo que a Igreja tenha querido fazer explicitamente apelo à misericórdia na fórmula dos dois sacramentos chamados «de cura»: a Reconciliação e a Unção dos Enfermos. Assim reza a fórmula da absolvição: «Deus, Pai de misericórdia, que, pela morte e ressurreição de seu Filho, reconciliou o mundo consigo e infundiu o Espírito para a remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz»;[8] e ao ungir a pessoa doente: «Por esta santa Unção e pela sua piíssima misericórdia, o Senhor venha em teu auxílio com a graça do Espírito Santo».[9] Deste modo, a referência à misericórdia na oração da Igreja, longe de ser apenas parenética, é altamente realizadora, ou seja, enquanto a invocamos com fé, é-nos concedida; enquanto a confessamos viva e real, efetivamente transforma-nos. Este é um conteúdo fundamental da nossa fé, que devemos conservar em toda a sua originalidade: ainda antes e acima da revelação do pecado, temos a revelação do amor com que Deus criou o mundo e os seres humanos. O amor é o primeiro ato com que Deus Se deu a conhecer e vem ao nosso encontro. Por isso mantenhamos o coração aberto à confiança de ser amados por Deus. O seu amor sempre nos precede, acompanha e permanece connosco, não obstante o nosso pecado.

6. Neste contexto, assume significado particular também a escuta da Palavra de Deus. Cada domingo, a Palavra de Deus é proclamada na comunidade cristã, para que o Dia do Senhor seja iluminado pela luz que dimana do mistério pascal.[10] Na Celebração Eucarística, é como se assistíssemos a um verdadeiro diálogo entre Deus e o seu povo. Com efeito, na proclamação das Leituras bíblicas, repassa-se a história da nossa salvação através da obra incessante de misericórdia que é anunciada. Deus fala-nos ainda hoje como a amigos, «convive» connosco[11] oferecendo-nos a sua companhia e mostrando-nos a senda da vida. A sua Palavra faz-se intérprete dos nossos pedidos e preocupações e, simultaneamente, resposta fecunda para podermos experimentar concretamente a sua proximidade. Quão grande importância adquire a homilia, onde «a verdade anda de mãos dadas com a beleza e o bem»,[12] para fazer vibrar o coração dos crentes perante a grandeza da misericórdia! Recomendo vivamente a preparação da homilia e o cuidado na sua proclamação. Será tanto mais frutuosa quanto mais o sacerdote tiver experimentado em si mesmo a bondade misericordiosa do Senhor. Comunicar a certeza de que Deus nos ama não é um exercício de retórica, mas condição de credibilidade do próprio sacerdócio. Por conseguinte, viver a misericórdia é a via mestra para fazê-la tornar-se um verdadeiro anúncio de consolação e conversão na vida pastoral. A homilia, como também a catequese, precisam de ser sempre sustentadas por este coração pulsante da vida cristã.

7. A Bíblia é a grande narração que relata as maravilhas da misericórdia de Deus. Nela, cada página está imbuída do amor do Pai, que, desde a criação, quis imprimir no universo os sinais de seu amor. O Espírito Santo, através das palavras dos profetas e dos escritos sapienciais, moldou a história de Israel no reconhecimento da ternura e proximidade de Deus, não obstante a infidelidade do povo. A vida de Jesus e a sua pregação marcam, de forma determinante, a história da comunidade cristã, que compreendeu a sua missão com base no mandato que Cristo lhe confiou de ser instrumento permanente da sua misericórdia e do seu perdão (cf. Jo 20, 23). Através da Sagrada Escritura, mantida viva pela fé da Igreja, o Senhor continua a falar à sua Esposa, indicando-lhe as sendas a percorrer para que o Evangelho da salvação chegue a todos. É meu vivo desejo que a Palavra de Deus seja cada vez mais celebrada, conhecida e difundida, para que se possa, através dela, compreender melhor o mistério de amor que dimana daquela fonte de misericórdia. Claramente no-lo recorda o Apóstolo: «Toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça» (2 Tm 3, 16).
Seria conveniente que cada comunidade pudesse, num domingo do Ano Litúrgico, renovar o compromisso em prol da difusão, conhecimento e aprofundamento da Sagrada Escritura: um domingo dedicado inteiramente à Palavra de Deus, para compreender a riqueza inesgotável que provém daquele diálogo constante de Deus com o seu povo. Não há de faltar a criatividade para enriquecer o momento com iniciativas que estimulem os crentes a ser instrumentos vivos de transmissão da Palavra. Entre tais iniciativas, conta-se certamente uma difusão mais ampla da lectio divina, para que, através da leitura orante do texto sagrado, a vida espiritual encontre apoio e crescimento. A lectio divina sobre os temas da misericórdia consentirá verificar a grande fecundidade que deriva do texto sagrado, lido à luz de toda a tradição espiritual da Igreja, que leva necessariamente a gestos e obras concretas de caridade.[13]

8. A celebração da misericórdia tem lugar, duma forma muito particular, no sacramento da Reconciliação. Este é o momento em que sentimos o abraço do Pai, que vem ao nosso encontro para nos restituir a graça de voltarmos a ser seus filhos. Nós somos pecadores e carregamos connosco o peso da contradição entre o que quereríamos fazer e aquilo que, ao invés, acabamos concretamente por fazer (cf. Rm 7, 14-21); mas a graça sempre nos precede e assume o rosto da misericórdia que se torna eficaz na reconciliação e no perdão. Deus faz-nos compreender o seu amor imenso precisamente à vista da nossa realidade de pecadores. A graça é mais forte, e supera qualquer possível resistência, porque o amor tudo vence (cf. 1 Cor 13, 7).
No sacramento do Perdão, Deus mostra o caminho da conversão a Ele e convida a experimentar de novo a sua proximidade. É um perdão que pode ser obtido, começando antes de mais nada por viver a caridade. Assim no-lo recorda o apóstolo Pedro, quando escreve que «o amor cobre a multidão dos pecados» (1 Ped 4, 8). Só Deus perdoa os pecados, mas também nos pede que estejamos prontos a perdoar aos outros, como Ele perdoa a nós: «Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido» (Mt 6, 12). Como é triste quando ficamos fechados em nós mesmos, incapazes de perdoar! Prevalecem o ressentimento, a ira, a vingança, tornando a vida infeliz e frustrando o jubiloso compromisso pela misericórdia.

9. Uma experiência de graça que a Igreja viveu, com tanta eficácia, no Ano Jubilar foi, certamente, o serviço dos Missionários da Misericórdia. A sua ação pastoral pretendeu tornar evidente que Deus não põe qualquer barreira a quantos O procuram de coração arrependido, mas vai ao encontro de todos como um Pai. Recebi muitos testemunhos de alegria pelo renovado encontro com o Senhor no sacramento da Confissão. Não percamos a oportunidade de viver a fé, inclusive como experiência da reconciliação. «Reconciliai-vos com Deus» (2 Cor 5, 20): é o convite que ainda hoje dirige o Apóstolo a cada crente para lhe fazer descobrir a força do amor que o torna uma «nova criação» (2 Cor 5, 17).
Quero expressar a minha gratidão a todos os Missionários da Misericórdia pelo valioso serviço oferecido para tornar eficaz a graça do perdão. Mas este ministério extraordinário não termina com o encerramento da Porta Santa. De facto desejo que permaneça ainda, até novas ordens, como sinal concreto de que a graça do Jubileu continua a ser viva e eficaz nas várias partes do mundo. Será responsabilidade do Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização seguir, neste período, os Missionários da Misericórdia, como expressão direta da minha solicitude e proximidade e encontrar as formas mais coerentes para o exercício deste precioso ministério.

10. Aos sacerdotes, renovo o convite para se prepararem com grande cuidado para o ministério da Confissão, que é uma verdadeira missão sacerdotal. Agradeço-vos vivamente pelo vosso serviço e peço-vos para serdes acolhedores com todos, testemunhas da ternura paterna não obstante a gravidade do pecado, solícitos em ajudar a refletir sobre o mal cometido, clarosao apresentar os princípios morais, disponíveis para acompanhar os fiéis no caminho penitencial respeitando com paciência o seu passo, clarividentes no discernimento de cada um dos casos, generosos na concessão do perdão de Deus. Como Jesus, perante a adúltera, optou por permanecer em silêncio para a salvar da condenação à morte, assim também o sacerdote no confessionário seja magnânimo de coração, ciente de que cada penitente lhe recorda a sua própria condição pessoal: pecador mas ministro da misericórdia.

11. Gostaria que todos nós meditássemos as palavras do Apóstolo, escritas no final da sua vida, quando confessa a Timóteo ser o primeiro dos pecadores, mas «justamente por isso alcancei misericórdia» (1 Tm 1, 16). As suas palavras têm uma força que irrompe também em nós levando-nos a refletir sobre a nossa existência vendo em ação a misericórdia de Deus na mudança, conversão e transformação do nosso coração: «Dou graças Àquele que me conforta, Cristo Jesus Nosso Senhor, por me ter considerado digno de confiança, pondo-me ao seu serviço, a mim que antes fora blasfemo, perseguidor e violento. Mas alcancei misericórdia» (1 Tm 1, 12-13).
Por isso lembremos, com paixão pastoral sempre renovada, as palavras do Apóstolo: «Tudo isto vem de Deus, que nos reconciliou consigo por meio de Cristo e nos confiou o ministério da reconciliação» (2 Cor 5, 18). Nós, primeiro, fomos perdoados, tendo em vista este ministério; tornamo-nos testemunhas em primeira mão da universalidade do perdão. Não há lei nem preceito que possa impedir a Deus de reabraçar o filho que regressa a Ele reconhecendo que errou, mas decidido a começar de novo. Deter-se apenas na lei equivale a invalidar a fé e a misericórdia divina. Há um valor preparatório na lei (cf. Gal 3, 24), cujo fim é o amor (cf. 1 Tm 1, 5). Mas o cristão é chamado a viver a novidade do Evangelho, «a lei do Espírito que dá vida em Cristo Jesus» (Rm 8, 2). Mesmo nos casos mais complexos, onde se é tentado a fazer prevalecer uma justiça que deriva apenas das normas, deve-se crer na força que brota da graça divina.
Nós, confessores, temos experiência de muitas conversões que ocorrem diante dos nossos olhos. Sintamos, portanto, a responsabilidade de gestos e palavras que possam chegar ao fundo do coração do penitente, para que descubra a proximidade e a ternura do Pai que perdoa. Não invalidemos estes momentos com comportamentos que possam contradizer a experiência da misericórdia que se procura; mas, antes, ajudemos a iluminar o espaço da consciência pessoal com o amor infinito de Deus (cf. 1 Jo 3, 20).
O sacramento da Reconciliação precisa de voltar a ter o seu lugar central na vida cristã; para isso requerem-se sacerdotes que ponham a sua vida ao serviço do «ministério da reconciliação» (2 Cor 5, 18), de tal modo que a ninguém sinceramente arrependido seja impedido de aceder ao amor do Pai que espera o seu regresso e, ao mesmo tempo, a todos seja oferecida a possibilidade de experimentar a força libertadora do perdão.
Uma ocasião propícia pode ser a celebração da iniciativa 24 horas para o Senhor nas proximidades do IV domingo da Quaresma, que goza já de amplo consenso nas dioceses e continua a ser um forte apelo pastoral para viver intensamente o sacramento da Confissão.

12. Em virtude desta exigência, para que nenhum obstáculo exista entre o pedido de reconciliação e o perdão de Deus, concedo a partir de agora a todos os sacerdotes, em virtude do seu ministério, a faculdade de absolver a todas as pessoas que incorreram no pecado do aborto. Aquilo que eu concedera de forma limitada ao período jubilar[14] fica agora alargado no tempo, não obstante qualquer disposição em contrário. Quero reiterar com todas as minhas forças que o aborto é um grave pecado, porque põe fim a uma vida inocente; mas, com igual força, posso e devo afirmar que não existe algum pecado que a misericórdia de Deus não possa alcançar e destruir, quando encontra um coração arrependido que pede para se reconciliar com o Pai. Portanto, cada sacerdote faça-se guia, apoio e conforto no acompanhamento dos penitentes neste caminho de especial reconciliação.

No Ano do Jubileu, aos fiéis que por variados motivos frequentam as igrejas oficiadas pelos sacerdotes da Fraternidade de São Pio X, tinha-lhes concedido receber válida e licitamente a absolvição sacramental dos seus pecados.[15] Para o bem pastoral destes fiéis e confiando na boa vontade dos seus sacerdotes para que se possa recuperar, com a ajuda de Deus, a plena comunhão na Igreja Católica, estabeleço por minha própria decisão de estender esta faculdade para além do período jubilar, até novas disposições sobre o assunto, a fim de que a ninguém falte jamais o sinal sacramental da reconciliação através do perdão da Igreja.
13. A misericórdia possui também o rosto da consolação. «Consolai, consolai o meu povo» (Is 40, 1): são as palavras sinceras que o profeta faz ouvir ainda hoje, para que possa chegar uma palavra de esperança a quantos estão no sofrimento e na aflição. Nunca deixemos que nos roubem a esperança que provém da fé no Senhor ressuscitado. É verdade que muitas vezes somos sujeitos a dura prova, mas não deve jamais esmorecer a certeza de que o Senhor nos ama. A sua misericórdia expressa-se também na proximidade, no carinho e no apoio que muitos irmãos e irmãs podem oferecer quando sobrevêm os dias da tristeza e da aflição. Enxugar as lágrimas é uma ação concreta que rompe o círculo de solidão onde muitas vezes se fica encerrado.
Todos precisamos de consolação, porque ninguém está imune do sofrimento, da tribulação e da incompreensão. Quanta dor pode causar uma palavra maldosa, fruto da inveja, do ciúme e da ira! Quanto sofrimento provoca a experiência da traição, da violência e do abandono! Quanta amargura perante a morte das pessoas queridas! E, todavia, Deus nunca está longe quando se vivem estes dramas. Uma palavra que anima, um abraço que te faz sentir compreendido, uma carícia que deixa perceber o amor, uma oração que permite ser mais forte... são todas expressões da proximidade de Deus através da consolação oferecida pelos irmãos.

Às vezes, poderá ser de grande ajuda também o silêncio; porque em certas ocasiões não há palavras para responder às perguntas de quem sofre. Mas, à falta da palavra, pode suprir a compaixão de quem está presente, próximo, ama e estende a mão. Não é verdade que o silêncio seja um ato de rendição; pelo contrário, é um momento de força e de amor. O próprio silêncio pertence à nossa linguagem de consolação, porque se transforma num gesto concreto de partilha e participação no sofrimento do irmão.
14. Num momento particular como o nosso que, entre muitas crises, regista também a da família, é importante fazer chegar uma palavra de força consoladora às nossas famílias. O dom do matrimónio é uma grande vocação, que se há de viver, com a graça de Cristo, no amor generoso, fiel e paciente. A beleza da família permanece inalterada, apesar de tantas sombras e propostas alternativas: «a alegria do amor que se vive nas famílias é também o júbilo da Igreja».[16] A senda da vida que leva um homem e uma mulher a encontrarem-se, amarem-se e prometerem reciprocamente, diante de Deus, uma fidelidade para sempre, é muitas vezes interrompida pelo sofrimento, a traição e a solidão. A alegria pelo dom dos filhos não está imune das preocupações sentidas pelos pais com o seu crescimento e formação, com um futuro digno de ser vivido intensamente.

A graça do sacramento do Matrimónio não só fortalece a família, para que seja o lugar privilegiado onde se vive a misericórdia, mas também compromete a comunidade cristã e toda a atividade pastoral para pôr em realce o grande valor propositivo da família. Por isso, este Ano Jubilar não pode perder de vista a complexidade da realidade familiar atual. A experiência da misericórdia torna-nos capazes de encarar todas as dificuldades humanas com a atitude do amor de Deus, que não Se cansa de acolher e acompanhar.[17]
Não podemos esquecer que cada um traz consigo a riqueza e o peso da sua própria história, que nos distingue de qualquer outra pessoa. A nossa vida, com as suas alegrias e os seus sofrimentos, é algo único e irrepetível que se desenrola sob o olhar misericordioso de Deus. Isto requer, sobretudo por parte do sacerdote, um discernimento espiritual atento, profundo e clarividente, para que toda a pessoa sem exceção, em qualquer situação que viva, possa sentir-se concretamente acolhida por Deus, participar ativamente na vida da comunidade e estar inserida naquele Povo de Deus que incansavelmente caminha para a plenitude do reino de Deus, reino de justiça, de amor, de perdão e de misericórdia.

15. Reveste-se de particular importância o momento da morte. A Igreja viveu sempre esta dramática passagem à luz da ressurreição de Jesus Cristo, que abriu a estrada para a certeza da vida futura. Temos aqui um grande desafio a abraçar, sobretudo na cultura contemporânea que, muitas vezes, tende a banalizar a morte até reduzi-la a simples ficção ou a ocultá-la. Ao contrário, a morte há de ser enfrentada e preparada como uma passagem que, embora dolorosa e inevitável, é cheia de sentido: o ato extremo de amor para com as pessoas que se deixam e para com Deus a cujo encontro se vai. Em todas as religiões, o momento da morte – como aliás o do nascimento – é acompanhado por uma presença religiosa. Nós vivemos a experiência das exéquias como uma oração cheia de esperança para a alma da pessoa falecida e para dar consolação àqueles que sofrem a separação da pessoa amada.
Estou convencido de que há necessidade, na pastoral animada por uma fé viva, de tornar palpável como os sinais litúrgicos e as nossas orações são expressão da misericórdia do Senhor. É Ele próprio que oferece palavras de esperança, porque nada nem ninguém poderá separar-nos jamais do seu amor (cf. Rm 8, 35.38-39). A partilha deste momento pelo sacerdote é um acompanhamento importante, porque lhe permite viver a proximidade à comunidade cristã no momento de fraqueza, solidão, incerteza e pranto.

16. Termina o Jubileu e fecha-se a Porta Santa. Mas a porta da misericórdia do nosso coração permanece sempre aberta de par em par. Aprendemos que Deus Se inclina sobre nós (cf. Os 11, 4), para que também nós possamos imitá-Lo inclinando-nos sobre os irmãos. A saudade que muitos sentem de regressar à casa do Pai, que aguarda a sua chegada, é suscitada também por testemunhas sinceras e generosas da ternura divina. A Porta Santa, que cruzamos neste Ano Jubilar, introduziu-nos no caminho da caridade, que somos chamados a percorrer todos os dias com fidelidade e alegria. É a estrada da misericórdia que torna possível encontrar tantos irmãos e irmãs que estendem a mão para que alguém a possa agarrar a fim de caminharem juntos.
Querer estar perto de Cristo exige fazer-se próximo dos irmãos, porque nada é mais agradável ao Pai do que um sinal concreto de misericórdia. Por sua própria natureza, a misericórdia torna-se visível e palpável numa ação concreta e dinâmica. Uma vez que se experimentou a misericórdia em toda a sua verdade, nunca mais se volta atrás: cresce continuamente e transforma a vida. É, na verdade, uma nova criação que faz um coração novo, capaz de amar plenamente, e purifica os olhos para reconhecerem as necessidades mais ocultas. Como são verdadeiras as palavras com que a Igreja reza na Vigília Pascal, depois da leitura da narração da criação: «Senhor nosso Deus, que de modo admirável criastes o homem e de modo mais admirável o redimistes…»![18]

A misericórdia renova e redime, porque é o encontro de dois corações: o de Deus que vem ao encontro do coração do homem. Este inflama-se e o primeiro cura-o: o coração de pedra fica transformado em coração de carne (cf. Ez 36, 26), capaz de amar, não obstante o seu pecado. Nisto se nota que somos verdadeiramente uma «nova criação» (Gal 6, 15): sou amado, logo existo; estou perdoado, por conseguinte renasço para uma vida nova; fui «misericordiado» e, consequentemente, feito instrumento da misericórdia.
17. Durante o Ano Santo, especialmente nas «sextas-feiras da misericórdia», pude verificar concretamente a grande quantidade de bem que existe no mundo. Com frequência, não é conhecido porque se realiza diariamente de forma discreta e silenciosa. Embora não façam notícia, existem muitos sinais concretos de bondade e ternura para com os mais humildes e indefesos, os que vivem mais sozinhos e abandonados. Há verdadeiros protagonistas da caridade, que não deixam faltar a solidariedade aos mais pobres e infelizes. Agradecemos ao Senhor por estes dons preciosos, que convidam a descobrir a alegria de aproximar-se da humanidade ferida. Com gratidão, penso nos inúmeros voluntários que diariamente dedicam o seu tempo a manifestar a presença e proximidade de Deus com a sua entrega. O seu serviço é uma genuína obra de misericórdia, que ajuda muitas pessoas a aproximar-se da Igreja.

18. É a hora de dar espaço à imaginação a propósito da misericórdia para dar vida a muitas obras novas, fruto da graça. A Igreja precisa de narrar hoje aqueles «muitos outros sinais» que Jesus realizou e que «não estão escritos» (Jo 20, 30), de modo que sejam expressão eloquente da fecundidade do amor de Cristo e da comunidade que vive d’Ele. Já se passaram mais de dois mil anos, e todavia as obras de misericórdia continuam a tornar visível a bondade de Deus.
Ainda hoje populações inteiras padecem a fome e a sede, sendo grande a preocupação suscitada pelas imagens de crianças que não têm nada para se alimentar. Multidões de pessoas continuam a emigrar dum país para outro à procura de alimento, trabalho, casa e paz. A doença, nas suas várias formas, é um motivo permanente de aflição que requer ajuda, consolação e apoio. Os estabelecimentos prisionais são lugares onde muitas vezes, à pena restritiva da liberdade, se juntam transtornos por vezes graves devido às condições desumanas de vida. O analfabetismo ainda é muito difuso, impedindo aos meninos e meninas de se formarem, expondo-os a novas formas de escravidão. A cultura do individualismo exacerbado, sobretudo no Ocidente, leva a perder o sentido de solidariedade e responsabilidade para com os outros. O próprio Deus continua a ser hoje um desconhecido para muitos; isto constitui a maior pobreza e o maior obstáculo para o reconhecimento da dignidade inviolável da vida humana.

Em suma, as obras de misericórdia corporal e espiritual constituem até aos nossos dias a verificação da grande e positiva incidência da misericórdia como valor social. Com efeito, esta impele a arregaçar as mangas para restituir dignidade a milhões de pessoas que são nossos irmãos e irmãs, chamados connosco a construir uma «cidade fiável».[19]
19. Muitos sinais concretos de misericórdia foram realizados durante este Ano Santo. Comunidades, famílias e indivíduos crentes redescobriram a alegria da partilha e a beleza da solidariedade. Mas não basta. O mundo continua a gerar novas formas de pobreza espiritual e material, que comprometem a dignidade das pessoas. É por isso que a Igreja deve permanecer vigilante e pronta para individuar novas obras de misericórdia e implementá-las com generosidade e entusiasmo.
Assim, ponhamos todo o esforço em dar formas concretas à caridade e, ao mesmo tempo, entender melhor as obras de misericórdia. Com efeito, esta possui um efeito inclusivo pelo que tende a difundir-se como uma nódoa de azeite e não conhece limites. E, neste sentido, somos chamados a dar um novo rosto às obras de misericórdia que conhecemos desde sempre. De facto a misericórdia extravasa; vai sempre mais além, é fecunda. É como o fermento que faz levedar a massa (cf. Mt 13, 33), e como o grão de mostarda que se transforma numa árvore (cf. Lc 13, 19).

A título de exemplo, basta pensar na obra de misericórdia corporal vestir quem está nu (cf. Mt 25, 36.38.43.44). A mesma nos reconduz aos primórdios, ao jardim do Éden, quando Adão e Eva descobriram que estavam nus e, ouvindo aproximar-Se o Senhor, tiveram vergonha e esconderam-se (cf. Gn 3, 7-8). Sabemos que o Senhor castigou-os; no entanto, Ele «fez a Adão e à sua mulher túnicas de peles e vestiu-os» (Gn 3, 21). A vergonha é superada e a dignidade restituída.
Fixemos o olhar também em Jesus no Gólgota. Na cruz, o Filho de Deus está nu; a sua túnica foi sorteada e levada pelos soldados (cf. Jo 19, 23-24); Ele não tem mais nada. Na cruz, manifesta-se ao máximo a partilha de Jesus com as pessoas que perderam a dignidade, por terem sido privadas do necessário. Assim como a Igreja é chamada a ser a «túnica de Cristo»[20] para revestir o seu Senhor, assim também ela se comprometeu a tornar-se solidária com os nus da terra a fim de recuperarem a dignidade de que foram despojados. Assim as palavras de Jesus – «estava nu e destes-me que vestir» (Mt 25, 36) – obrigam-nos a não desviar o olhar das novas formas de pobreza e marginalização que impedem às pessoas de viverem com dignidade.

Não ter trabalho nem receber um salário justo, não poder ter uma casa ou uma terra onde habitar, ser discriminados pela fé, a raça, a posição social... estas e muitas outras são condições que atentam contra a dignidade da pessoa; frente a elas, a ação misericordiosa dos cristãos responde, antes de mais nada, com a vigilância e a solidariedade. Hoje são tantas as situações em que podemos restituir dignidade às pessoas, consentindo-lhes uma vida humana. Basta pensar em tantos meninos e meninas que sofrem violências de vários tipos, que lhes roubam a alegria da vida. Os seus rostos tristes e desorientados permanecem impressos na minha mente; pedem a nossa ajuda para serem libertados da escravidão do mundo contemporâneo. Estas crianças são os jovens de amanhã; como estamos a prepará-las para viverem com dignidade e responsabilidade? Com que esperança podem elas enfrentar o seu presente e o seu futuro?
caráter social da misericórdia exige que não permaneçamos inertes mas afugentemos a indiferença e a hipocrisia para que os planos e os projetos não fiquem letra morta. Que o Espírito Santo nos ajude a estar sempre prontos a prestar de forma efetiva e desinteressada a nossa contribuição, para que a justiça e uma vida digna não permaneçam meras palavras de circunstância, mas sejam o compromisso concreto de quem pretende testemunhar a presença do Reino de Deus.

20. Somos chamados a fazer crescer uma cultura de misericórdia, com base na redescoberta do encontro com os outros: uma cultura na qual ninguém olhe para o outro com indiferença, nem vire a cara quando vê o sofrimento dos irmãos. As obras de misericórdia são «artesanais»: nenhuma delas é cópia da outra; as nossas mãos podem moldá-las de mil modos e, embora seja único o Deus que as inspira e única a «matéria» de que são feitas, ou seja, a própria misericórdia, cada uma adquire uma forma distinta.
Com efeito, as obras de misericórdia, tocam toda a vida duma pessoa. Por isso, temos possibilidade de criar uma verdadeira revolução cultural precisamente a partir da simplicidade de gestos que podem alcançar o corpo e o espírito, isto é, a vida das pessoas. É um compromisso que a comunidade cristã pode assumir, na certeza de que a Palavra do Senhor não cessa de a chamar para sair da indiferença e do individualismo em que somos tentados a fechar-nos levando uma existência cómoda e sem problemas. «Os pobres, sempre os tendes convosco» (Jo 12, 8): disse Jesus aos seus discípulos. Não há desculpa que possa justificar a incúria, quando sabemos que Ele Se identificou com cada um deles.
A cultura da misericórdia forma-se na oração assídua, na abertura dócil à ação do Espírito, na familiaridade com a vida dos Santos e na solidariedade concreta para com os pobres. É um convite premente para não se equivocar onde é determinante comprometer-se. A tentação de se limitar a fazer a «teoria da misericórdia» é superada na medida em que esta se faz vida diária de participação e partilha. Aliás, nunca devemos esquecer as palavras com que o apóstolo Paulo – ao contar o encontro depois da sua conversão com Pedro, Tiago e João – põe em realce um aspeto essencial da sua missão e de toda a vida cristã: «Só nos disseram que nos devíamos lembrar dos pobres – o que procurei fazer com o maior empenho» (Gal 2, 10). Não podemos esquecer-nos dos pobres: trata-se dum convite hoje mais atual do que nunca, que se impõe pela sua evidência evangélica.

21. Que a experiência do Jubileu imprima em nós estas palavras do apóstolo Pedro: outrora «não tínheis alcançado misericórdia e agora alcançastes misericórdia» (1 Ped 2, 10). Não guardemos ciosamente só para nós tudo o que recebemos; saibamos partilhá-lo com os irmãos atribulados, para que sejam sustentados pela força da misericórdia do Pai. As nossas comunidades abram-se para alcançar a todas as pessoas que vivem no seu território, para que chegue a todas a carícia de Deus através do testemunho dos crentes.
Este é o tempo da misericórdia. Cada dia da nossa caminhada é marcado pela presença de Deus, que guia os nossos passos com a força da graça que o Espírito infunde no coração para o plasmar e torná-lo capaz de amar. É o tempo da misericórdia para todos e cada um, para que ninguém possa pensar que é alheio à proximidade de Deus e à força da sua ternura. É o tempo da misericórdia para que quantos se sentem fracos e indefesos, afastados e sozinhos possam individuar a presença de irmãos e irmãs que os sustentam nas suas necessidades. É o tempo da misericórdia para que os pobres sintam pousado sobre si o olhar respeitoso mas atento daqueles que, vencida a indiferença, descobrem o essencial da vida. É o tempo da misericórdia para que cada pecador não se canse de pedir perdão e sentir a mão do Pai, que sempre acolhe e abraça.

À luz do «Jubileu das Pessoas Excluídas Socialmente», celebrado quando já se iam fechando as Portas da Misericórdia em todas as catedrais e santuários do mundo, intuí que, como mais um sinal concreto deste Ano Santo extraordinário, se deve celebrar em toda a Igreja, na ocorrência do XXXIII Domingo do Tempo Comum, o Dia Mundial dos Pobres. Será a mais digna preparação para bem viver a solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, que Se identificou com os mais pequenos e os pobres e nos há de julgar sobre as obras de misericórdia (cf. Mt 25, 31-46). Será um Dia que vai ajudar as comunidades e cada batizado a refletir como a pobreza está no âmago do Evangelho e tomar consciência de que não poderá haver justiça nem paz social enquanto Lázaro jazer à porta da nossa casa (cf. Lc 16, 19-21). Além disso este Dia constituirá uma forma genuína de nova evangelização (cf. Mt 11, 5), procurando renovar o rosto da Igreja na sua perene ação de conversão pastoral para ser testemunha da misericórdia.

22. Sobre nós permanecem pousados os olhos misericordiosos da Santa Mãe de Deus. Ela é a primeira que abre a procissão e nos acompanha no testemunho do amor. A Mãe da Misericórdia reúne a todos sob a proteção do seu manto, como A quis frequentemente representar a arte. Confiemos na sua ajuda materna e sigamos a indicação perene que nos dá de olhar para Jesus, rosto radiante da misericórdia de Deus.

Dado em Roma, junto de São Pedro, em 20 de novembro – Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo – do Ano do Senhor de 2016, quarto do meu pontificado.

FRANCISCO



[1] In Johannis 33, 5.
[2] Hermas, O Pastor, 42, 1-4.
[3] Cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 27.
[4] Missal Romano, III Domingo da Quaresma.
[5] Ibid., Prefácio VII dos Domingos do Tempo Comum.
[6] Ibid., Oração Eucarística II.
[7] Ibid., Ritos da Comunhão.
[8] Ritual da Penitência, n. 46.
[9] Ritual da Unção dos Enfermos, n. 76.
[10] Cf. Concílio Ecuménico Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium, 106.
[11] Idem,Const. dogm. Dei Verbum, 2.
[12] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 142.
[13] Cf. Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Verbum Domini, 86-87.
[15] Cf. ibidem.
[16] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Amoris laetitia, 1.
[17] Cf. ibid., 291-300.
[18] Missal Romano, Vigília Pascal, Oração depois da Primeira Leitura.
[19] Bento XVI, Carta enc. Lumen fidei, 50.
[20] Cipriano, A unidade da Igreja Católica, 7.